Pobre elite

 

Cesare Pavese* diz que “quando lemos, não procuramos idéias novas, mas pensamentos que já nos passaram pela mente e que adquirem, na página impressa, o selo da confirmação”. Em outras palavras, só vemos a verdade que nos interessa.

Nessas palestras/conferências sobre drogas, quantas vezes voce já viu uma plateia constituída por pessoas viciadas em drogas? Por que as campanhas contra as drogas não atingem o seu objetivo?

É claro que são diversas as causas e não pretendo, nem poderia, tentar explicar assunto tão complexo. Mas talvez a resposta, pelo menos uma delas, às perguntas possa ser um pouco simples. O viciado em drogas não quer ouvir falar do assunto, ele não quer (não consegue?) ver a verdadeira situação, porque a necessidade (dependência) está acima de uma verdade que não é a dele, assim como o alcoólatra não vê que tem problemas.

O que forma o homem? Além da carga hereditária, negada por alguns, o meio em que vive. A família, os amigos, os professores… e a imprensa.

Alguém conhece histórias de preconceito e racismo entre crianças? Quando surgem? As primeiras e mais fortes, até porque é onde começa o homem, surgem em casa, com os pais. São pequenos comentários sobre determinada raça, cor, religião, partido político e por aí vai. Quem está ali ao lado, sentado, brincando, aparentemente “nem aí”, porém filmando e assimilando tudo? Os filhos.

Com aquelas “informações”, aquela criança se torna um adulto. Dai pra frente, além das primeiras informações, terá outras fontes, como a imprensa.

No mundo todo, os grandes grupos de comunicação estão nas mãos dos grandes grupos financeiros. É natural (?), e parece inevitável, que grandes interesses estejam em jogo. No entanto, nos últimos anos, a chamada grande imprensa atingiu um nível de deterioração que salta aos olhos, de quem quer ver.

Sempre foi difícil falar sobre esse tema, porque boa parte da sociedade tida como esclarecida, também conhecida como elite (?), sempre quis somente o selo da confirmação daquilo que satisfazia aos seus anseios de segmento diferenciado.

Como ver com bons olhos ideias que defendem maior igualdade entre as pessoas se eu sou uma pessoa diferenciada? Como aceitar que a linha do metrô que vem de áreas pobres tenha uma estação em áreas nobres da cidade? Como concordar com a ideia de que sou racista se “até tenho um amigo pretinho que é gente boa”? Como aceitar agrupamentos, políticos (mais conhecidos como partidos) ou não, que reúnam pessoas de nível social mais baixo do que o meu? Por que me incomoda tanto a defesa de cotas (sem fazer juízo de valor) para as universidades? Por que me incomodam cada vez mais “essas pessoas” que passaram a viajar de avião que estão sentadas ao meu lado? Onde é que vamos parar? Daqui a pouco também vão querer ir para a Europa, era só o que faltava.

Não interessa a leitura (ou jornal da televisão) que me nega os meus valores. Quem disse que quero pensar? Só quero “o selo da confirmação” daquilo que é meu. Isso, e algo mais, explica a tiragem de alguns jornais/revistas e a audiência de algumas redes de televisão. Algum pecado nisso? Absolutamente, é a escolha de cada um. O grande problema são as distorções das informações, que fugiram do controle, em nome de duas coisas: o enorme jogo de interesses que está por trás de tudo isso e o “compromisso” com a satisfação daquele segmento da sociedade que, a qualquer preço, deseja manter o seu “status quo”.

As histórias que envolvem alguns órgãos de comunicação são por demais conhecidas e podem ser vistas facilmente (veja só alguns exemplos aqui e aqui). São relações promíscuas, devidamente comprovadas, com momentos tristes da vida do brasileiro. O que fizemos esses anos todos?

Lembra quando vários escândalos “surgiram” pondo a pecha de ladrões em vários políticos e partidos? Por que o “mensalão” está associado ao PT se tem origem no PSDB e no DEM? Ainda que fartamente documentado, por que a imprensa não repercutiu da mesma forma o livro A Privataria Tucana. Por que foi vergonhosamente escondido pela grande (?) mídia um livro que é um best-seller?

Não vamos prolongar a conversa. Só acompanhe os últimos acontecimentos que envolvem o Senador Demóstenes Torres (DEM de Goiás), Marconi Perillo (PSDB, governador de Goiás) Carlinhos Cachoeira (bicheiro) e a revista Veja. Agora está fácil de acompanhar porque até a Rede Globo, imagine, até a Rede Globo, está mostrando (já se sabe porque ela está mostrando).

A Veja, que sempre criou e escandalizou todas as notícias, sempre esteve envolvida nelas. Você percebeu que Diogo Mainardi, o colunista preferido de muitos, anda sumido? Você faz ideia de por quê? Voce sabe que ele foi condenado à cadeia, mas, por ser réu primário, não foi preso? Que mesmo sendo um jornalista da tropa de choque de Daniel Dantas, se for condenado outra vez terá que ser preso?

Grampos, dossiês… Uma das coisas mais ridículas, mas prontamente aceita pela nossa elite, foi o episódio dos 2 milhões de dólares que “vieram” de Cuba dentro de garrafas de bebida para a campanha de Lula. Dois milhõe
s de dólares de um país pobre como aquele, dentro de garrafas de bebida… (você já pensou o que deve ser colocar 2 milhões de dólares, cédula por cédula, em garrafas de bebida). A única testemunha era um cara que estava morto

Sabia que aquele episódio que deflagrou o “mensalão” (Valdomiro Diniz recebendo dinheiro nos Correios) foi armado e filmado a mando de Carlinhos Cachoeira e tinha acontecido 2 anos antes. Por que Carlinhos Cachoeira levou dois anos para entregar à Veja a fita de Valdomiro, depois que ele foi trabalhar na Casa Civil à época de José Dirceu? Além de tantas outras coisas, quem mais se beneficiaria com o desmanche do Governo Lula, logo depois da vitória de 2002? Só como mais um registro, Cachoeira também é dono de empresa de (remédios) genéricos (opa!).

Só alguns episódios (são inúmeros) para conhecermos essa revista.

A história do boimate, tida como a maior barriga (jargão jornalístico) da imprensa brasileira, reflete bem o jornalismo da Veja. Uma notícia de 1º de abril que tinha saído em uma revista científica dizia que o cruzamento de boi com tomate dava uma carne com tempero de tomate. O diretor da Veja manda um jornalista entrevistar um professor de biologia da USP sobre o tema.

– Professor, o que o senhor acha do cruzamento do boi com tomate?
– Impossível.

O repórter não tinha sido enviado para apurar a veracidade da notícia e sim para fazer a reportagem sensacional a qualquer preço (padrão Veja). Pensou, o que é que eu vou fazer, tenho que levar a reportagem.

– Professor, suponhamos que fosse possível…
– Se fosse possível, seria a maior revolução da história da genética…

Sai a reportagem: “Professor fulano de tal da USP diz que o cruzamento de boi com tomate é a maior revolução da história da genética”.

Esse fato tem pouco mais de 25 anos. Ou seja, a Veja tem tradição em não dar a notícia, ela “cria” a notícia. Tornou-se especialista nisso. Foi assim que ela acabou com a carreira política de Ibsen Pinheiro, presidente da Câmara dos Deputados (deputado federal por Goiás), em 1993.

Veja um dos diversos depoimentos que foram dados e que a sociedade sequer tem conhecimento. “A Veja mentiu a todo o país, chantageou políticos e juizes, mentiu durante anos sobre o Demóstenes (Torres), era sócia do (Carlinhos) Cachoeira, sendo que este queria dinheiro e ela queria elementos para chantagear o governo”. Veja outro, feito no Congresso aqui.

"Com o tempo, uma imprensa cínica, mercenária, demagógica e corrupta formará um público tão vil quanto ela mesma" (Joseph Pulitzer, 1847-1911).

* Cesare Pavese – escritor e poeta italiano (1908-1950).