O Congresso de Odontologia da Bahia acontece em anos pares. Em algumas especialidades sempre houve pelo menos dois cursos prinicipais, um nacional e um internacional. Acredito que alguns devem ter ficado registrados para quem os assistiu. Para mim ficaram.
Alguns cursos foram de grande importância na minha formação profissional. Há um congresso, porém, que destaco nesse sentido; 1986. Neste ano, mais precisamente outubro, mês em que o Congresso da Bahia é realizado, foram os cursos ministrados pelos professores Quintiliano Diniz de Deus e Lars Spangberg.
O do Prof. De Deus, como sempre, foi muito bom, mas, foi no curso do Prof. Spangberg que um determinado momento me chamou muito a atenção. Lembro-me perfeitamente, como se estivese acontecendo agora.
Àquela época não existiam os recursos de hoje, como por exemplo, ponteira a laser; usava-se muito uma vara de bambu (a essa altura vocês já estão dizendo; não é do meu tempo). Rolando a vara, no bom sentido, entre as mãos, ele disse; “existem bactérias que sobrevivem no periápice e não são atingidas pelo preparo do canal”. Aquilo ficou na minha cabeça. Estamos em outubro de 1986.
Janeiro de 1987. Vou ao consultório (maravilha, um sábado à noite) para atendimento de urgência a uma paciente com abcesso em fase aguda no incisivo central superior direito. Como se fazia então, fiz a cirurgia de acesso, drenagem e deixei o dente aberto. Assim se fazia, com o objetivo de trazer alívio ao paciente. Nessas condições, saía-se da fase aguda e entrava-se na crônica. Normalmente, dois ou três dias depois, já assintomático, o paciente era agendado para iniciar o tratamento, o que foi feito.
Após a consulta, manipulação do canal e colocação de PMCC (nessa época eu ainda utilizava essa substância), a paciente entrou em fase aguda outra vez, o que nos fez voltar ao consultório para outro atendimento de urgência (aí já não foi num sábado, ufa!).
Novamente, dente aberto, fase crônica, assintomática, a paciente foi agendada para nova consulta. Nova manipulação, PMCC, outra fase aguda, tudo de novo…
Aí, lembrei de outubro de 1986 (lembram que estamos em janeiro de 1987?). Congresso da Bahia, Spangberb, vara entre as mãos, bactéria no periápice. Não deu outra, fui no forame, instrumentei, medicação intracanal. Adeus fase aguda, adeus atendimento de urgência. Agora só agradecimentos da paciente, por sinal, uma bela mulher.
Aí está o registro da primeira vez em que fiz limpeza intencional do forame apical. Janeiro de 1987. Desde então, em todos os casos de necrose pulpar, sem exceção, passei a fazer limpeza do forame.
Ninguém falava disso; não tinha com quem trocar idéias sobre o tema. O professor Spangberg, minha fonte inspiradora, não tinha dito nada sobre como alcançar essas bactérias via Endodontia; a opção colocada foi a cirurgia paraendodôntica. A opção colocada hoje, 2007, ainda é a cirurgia paraendodôntica.
Nessa época eu era somente clínico, já especialista em Endodontia; não era e não imaginava que um dia, cerca de dez anos depois, viria a ser professor. E foi com muita alegria que em 1992 vi o professor De Deus abordar esse tema no seu livro. Somente agora, neste exato momento em que escrevo, lembro de um detalhe; De Deus estava assistindo ao curso, na última fila, sentado com as pernas sobre uma outra cadeira à sua frente. Será que aquele momento, Spangberg, vara de bambu rolando entre as mãos, bactéria no periápice, teve nele o mesmo impacto que em mim?
Por uma grande coincidência, foi em 1992 que, diante de um caso que não conseguia resolver, mesmo fazendo limpeza do forame e usando hidróxido da cálcio, modifiquei o procedimento. Desde então, até para mostrar que se deve atuar de forma diferente em diferentes situações, passei a preconizar dois procedimentos: a limpeza passiva e ativa do forame. Vocês podem ver esses dois casos na seção CASOS CLÍNICOS dessa página, os de número 15 e 16 respectivamente.
O limite apical de trabalho é um tema recorrente na minha vida profissional e a ele tenho dado grande importância, inclusive nos cursos que ministro. Como a minha atividade como professor é mais recente, o segundo artigo que publiquei, em 1998, “Clinical and radiographic evaluation of the relation between the apical limit of root canal filling and success in endodontics” já falava sobre ele. Não só este como alguns outros nessa mesma linha estão disponíveis na seção ARTIGOS PUBLICADOS dessa página.
Tenho colocado nos textos, inclusive de forma bem detalhada no nosso livro, as várias nuanças desse procedimento; como fazer, porque fazer, quando fazer, etc. Permitam-me sugerir a sua leitura e chamar a atenção, por exemplo, para o equívoco que a literatura comete ao colocar patência apical e limpeza do forame como se fossem a mesma coisa. Não são. São coisas bem diferentes.
Hoje vejo que este é um tema que voltou a ser discutido. Que bom.