Qual é o nosso real tamanho?

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Dê poderes extraordinários a homens ordinários e você terá o caos

Por Ronaldo Souza

Ainda que se reconheça a importância e em alguns casos até a necessidade de se categorizar algumas coisas, parece haver no homem um desejo incontrolável de medir tudo, inclusive o próprio homem.

O outro.

Medir-se a si próprio, jamais.

O mundo acadêmico não escapa dessa característica do homem e aí surgem os títulos.

Doutor, membro (se for “fellow” então, torna-se irresistível), revisor, consultor, editor… são títulos e funções importantes e refletem o quanto somos diferenciados.

E quanto mais impacto tiver aquilo de que se faz parte, um periódico por exemplo, mais acima dos mortais o doutor se colocará.

Quanto mais próximo do Céu, mais Deus.

A humildade desfilada pelos corredores é somente aparente, ainda que imperceptível para alguns.

Alguns professores estrangeiros, nascidos no Brasil por acidente geográfico, acreditam ser grande diferencial a quantidade de publicações em revistas internacionais de impacto.

“Espelho meu, espelho meu, existe algum professor mais competente do que eu?”.

Espelhos costumam mentir.

Depende da competência do maquiador.

Não importa. O professor será admirado pelos seus seguidores.

“Hoje, como as pessoas não conseguem nem ser nem ter, o objetivo de vida se tornou parecer. As pessoas parece que sabem, parece que fazem, parece que acreditam”.
Roberto Shinyashiki

Hamlet (Shakespeare), hoje, diria:

“Parecer ou não parecer, eis a questão”.

As redes sociais que o digam.

Há quem domine a “arte” da publicação.

Sabe, por exemplo, exatamente em qual periódico submeter o artigo.

Sabe o que as revistas querem publicar.

Como todos sabemos, há pós-graduações e pós-graduações. Algumas, há algum tempo, têm objetivos bem definidos; um deles, “enriquecer” currículos.

Uma dissertação/tese sobre um tema importante e com um pouco mais de profundidade pode dar lugar a um trabalho banal, contanto que seja mais facilmente publicável.

Descobre-se um filão e este é explorado “ad nauseam”.

Publicam-se inúmeros trabalhos sobre o mesmo tema, que se tornam repetitivos e cansativos, mas sobre os quais pode haver muito interesse.

Esse interesse vai entre aspas.

Por acaso, neste momento, você percebe algum tema sobre o qual há grande quantidade de publicações?

Fácil, não?

Posso citar um tema ainda recente como exemplo.

Você faz ideia de quantos artigos foram publicados falando do MTA?

E sobre o hidróxido de cálcio?

Não como medicação intracanal, mas para algumas situações específicas, como tampão apical em casos de rizogênese incompleta.

Sobre qual se publicou mais?

Quanto custa um “potinho” de MTA?

Caso existisse, quanto custaria esse potinho com a mesma quantidade de hidróxido de cálcio?

Percebe?

Criou-se um consenso sobre a necessidade e a imprescindibilidade de usar o MTA e todos passaram a acreditar que só resolverão “aqueles” casos se ele for usado.

O que, na verdade, estão fazendo esses “professores”?

Publish or perish

Ao enaltecer as qualidades dos materiais tiram do foco a compreensão do problema por parte dos alunos.

Fazem acreditar que é o material o fator determinante do sucesso e não o controle de infecção.

Às vezes até falam sobre essa questão, mas em rápidas pinceladas, com o objetivo de dourar a pílula. Do que tratam mesmo na verdade é da realização de trabalhos que lhes rendam frutos.

Aí entram em cena a quantidade de artigos publicados e o prestígio do periódico.

“Publique ou pereça”.

Os professores estrangeiros nascidos aqui por acidente geográfico preferem dizer:

Publish or perish.

O interessante é que nessas horas ninguém diz “less is more”.

Publish or perish não parece combinar muito bem com “less is more”, expressão da língua inglesa que, de tão repetida nos salões de gala tupiniquins, virou português.

Apesar do flagrante antagonismo que existe entre as duas expressões, elas são ditas com naturalidade e frequência chocantes pelos mesmos profissionais, certamente por imagina-las capaz de seduzir mais facilmente as plateias sedentas por demonstrações de “cultura”.

“Just my two cents”.

Meu Deus!

A que nível chegou o nosso complexo de vira-latas, como bem definiu Nelson Rodrigues, apaixonado torcedor do Fluminense.

Ou alguém vai me dizer que ouve por aí as pessoas dizerem “menos é mais”, ou seja, em português?

E muitas vezes realmente menos é mais.

Einstein sempre esteve à frente do seu tempo.

Entretanto, vivesse hoje, não faria parte desse “seleto” grupo.

Miguel Nicolelis, cientista brasileiro consagrado em todo o mundo e crítico dos deuses da academia brasileira, na sua reconhecida simplicidade diz que, seguidos os critérios adotados por nossa academia, “Einstein não seria pesquisador A1 do CNPq”.

Um cientista como Einstein, que diz que “A imaginação é mais importante do que o conhecimento” certamente não tinha como meta a quantidade.

Você consegue imaginar o quanto ele incomodou o mundo acadêmico com essa frase?

Wesley Safadão enche muito mais shows que Chico Buarque.

Wesley Safadão ganha muito mais dinheiro que Chico Buarque.

Os holofotes se voltam muito mais para Wesley Safadão do que para Chico Buarque.

Pela lógica da notoriedade, o que resta às pessoas?

Acreditar que Wesley Safadão é artista mais importante e melhor que Chico Buarque.

Simples!

Imaginem esse homem culto de Vargas Llosa (ganhador do Nobel de Literatura em 2010) como sendo o professor.

E não o imaginemos com a cultura nos níveis de que fala o escritor peruano, particularmente como o descreve no livro, mas simplesmente como aquele que possui um conhecimento geral mais pleno, mais abrangente do que aquele a quem ensina; o especialista.

Não deveria caber ao homem culto, o professor, abrir os horizontes do especialista, o seu aluno?

De que forma?

Ensinando-lhe e estimulando nele o desenvolvimento do espírito crítico.

O espírito que o separará da “massa agregadora da qual era apenas uma peça e que surja como um ser soberano… a ser ele e não uma mera reprodução da comunidade, do conjunto, da coletividade”.

O especialista por acaso não deveria ser alguém que se destaca da “comunidade, do conjunto, da coletividade” do clínico, por saber mais que ele?

É esse especialista que está sendo formado?

O que vemos?

Professor e aluno de mãos dadas se incorporando à corrente do não pensar, do simplismo, e “fazendo canal, fazendo canal, fazendo canal”, nada mais.

Fazendo canal com esse ou aquele instrumento, com essa ou aquela técnica, com esse ou aquele cimento obturador e só, mais nada.

Ensina-se o que um curso de atualização pode ensinar; a usar instrumentos rotatórios, reciprocantes, obturação com guta percha assim ou assada, material obturador saindo por todos os poros do paciente. Tudo, claro, com material áudio/visual de qualidade inegável, o que causa ainda maior deslumbramento dos alunos.

Máquinas de fazer fazedor de canal.

Nisso se transformaram alguns cursos de especialização.

“Havia uma distinção que era bastante clara: a do especialista e a do homem culto (o professor). Seria um enorme erro confundir o especialista com o homem culto… O homem culto é um homem que não se deixa confinar pela especialidade…”.

Onde está esse professor?

Onde está o seu conhecimento?

Em encantadores de serpente se transformaram os professores.

E em como ensinar a fazer isso se transformaram alguns cursos de mestrado/doutorado.

Como diz Vargas Llosa, “o espírito crítico é absolutamente fundamental”. 

Mas este deixou de existir.

“Sufoco de ter somente isso à minha volta
Abram todas as janelas
Abram mais janelas do que todas as janelas que há no mundo”.
Fernando Pessoa

Toda uma geração de endodontistas está sendo sufocada por falta de conhecimento e discernimento clínico, graças à lobotomia feita pelos deuses da endodontia que se fazem parecer detentores do saber.

Inalcançáveis, pela altura dos pedestais erguidos por eles próprios.

É lamentável e assustador como os ensinamentos da Geração de Ouro estão se perdendo.

E o que é mais lamentável ainda é que alguns dos seus discípulos participam desse processo.

O ego e os holofotes os ofuscam de tal maneira que não permitem ver o que estão fazendo com a Endodontia brasileira, ainda que se vejam ladeados por alguns nomes “consagrados”.

Aliás, o que fazem questão de mostrar.

Completam-se, abraçam-se num abraço único, aplaudem-se e pelos auditórios são aplaudidos.

Se o que se quer é “estar no mundo da arte e ter sucesso, é indispensável que se torne um…”, como se num grande palco estivéssemos.

Não fazem ideia do seu real tamanho.

Trago o artigo abaixo para que você leia. É muito interessante.

Com negrito e algumas frases sublinhadas tentei chamar a atenção para pontos que julgo importantes, mas todo o texto é muito bom e vale a pena ler.

Quem sabe venha despertar o nosso espírito crítico e nos afaste da corrente do tudo único e igual que nos empurram goela abaixo, num processo cruel e covarde, particularmente para os mais jovens.

* A frase “Dê poderes extraordinários a homens ordinários e você terá o caos” é atribuída a (Jean Paul) Sartre.

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Miopia

A miopia dos indicadores bibliométricos

Por Lilian Nassi-Calò

A utilização de indicadores bibliométricos para avaliação da ciência é uma prática ubíqua, a despeito de não existir uma relação inequívoca entre citações e qualidade, impacto ou mérito científico. Quando se considera a inovação – característica inerente da pesquisa científica – a relação é ainda mais desconexa.

Esta é a opinião de pesquisadores da Georgia State University, em Atlanta, GA, EUA, e do Departamento de Gestão Econômica, Estratégia e Inovação da Universidade de Leuven, na Bélgica, de acordo com uma recente publicação na Nature1. Paula Stephan, Reinhilde Veuglers e Jian Wang observaram que especialistas que integram comitês científicos de instituições de pesquisa em vários países ainda utilizam largamente indicadores bibliométricos baseados em citações – como o Fator de Impacto, índice h, e citações aferidas pelo Google Scholar – como proxies para avaliar qualidade e impacto da pesquisa de candidatos a contratação e projeção na carreira. Iniciativas como a San Francisco Declaration on Research Assessment2, de 2012, e o Manifesto de Leiden3, de 2015, embora de ampla repercussão e apoio por parte de inúmeras instituições de pesquisa e agências de fomento em todo o mundo, na realidade pouco mudaram a forma de avaliação da ciência e dos cientistas. Afinal, os índices bibliométricos proveem uma forma simples (em muitos casos, simplista) e conveniente de avaliar um grande número de candidatos, propostas ou artigos.

As limitações do Fator de Impacto (FI) e dos indicadores similares de desempenho de periódicos na função de avaliar artigos individuais e pesquisadores são conhecidas por todos. Segundo Stephan, mesmo agências de fomento que não solicitam especificamente informar o FI do periódico na lista de publicações, utilizam este indicador, bem como o número de citações e o índice h para ranquear propostas. Os próprios pesquisadores contribuem para este círculo vicioso. Ao serem solicitados a identificarem suas publicações mais relevantes, eles geralmente as selecionam com base nos índices de citações, ao invés de atribuir aos artigos sua verdadeira importância acadêmica ou uma descoberta particularmente inovadora.

O artigo menciona o uso em larga escala de indicadores baseados em citações para progressão na carreira e contratações. Ademais da Itália, República Checa, Flandres (Noroeste da Bélgica) e China, os autores citam o programa Qualis do Ministério da Educação do Brasil, que utiliza o FI para definir a alocação de recursos para a pesquisa, o que, em particular, penaliza os periódicos do Brasil. Ressalva é feita ao Research Excellence Framework do Reino Unido, segundo os autores, uma rara exceção que explicitamente recomenda não utilizar o FI nas avaliações.

A inovação requer tempo

Os cientistas anseiam fazer descobertas inovadoras, e em nome delas, diz-se que podem até incorrer em práticas antiéticas e superestimar resultados preliminares. Stephen e colaboradores, entretanto, acreditam que na verdade o uso excessivo de índices bibliométricos com janelas curtas de aferição (2-3 anos) pode desencorajar a publicação de resultados inovadores. Para testar sua hipótese, os autores analisaram as citações no Web of Science de mais de 660 mil artigos publicados entre 2001-2015 categorizados em pesquisa com alto, moderado e nenhum grau de inovação. Como proxy para grau de inovação, os pesquisadores avaliaram a lista de referências dos artigos em busca de padrões insólitos de combinação. Desta análise, os autores chegaram à conclusão de que os artigos altamente inovadores levam mais tempo para serem citados em comparação aos medianamente inovadores e aos não inovadores. Entre os artigos altamente inovadores, dois tipos de comportamento foram observados: ou tornavam-se artigos altamente citados – as citações começam a aumentar após 3-4 anos e se mantém em ritmo crescente até 15 anos após a publicação – ou eram ignorados, em comparação aos artigos com nenhum grau de inovação. Porém, é importante notar que nos 3 anos após a publicação, a probabilidade de um artigo altamente inovador estar entre os 1% mais citados é inferior à probabilidade para artigos com nenhum grau de inovação. Isso levou os autores a concluir que o sistema atual de avaliação da pesquisa subestima trabalhos que possivelmente terão alto impacto na avaliação em longo prazo. É importante também ressaltar que artigos que se revelaram de alto impacto no decorrer do tempo foram publicados em periódicos de menor FI. Assim, Stephen e colaboradores concluem que “quanto mais estamos ligados a indicadores bibliométricos de curto prazo, mais longe estamos de recompensar a pesquisa com alto potencial de ir além das fronteiras – e aqueles que o fazem”.

Entretanto, esta observação não é totalmente sem precedentes. Em 2014, um artigo de John Ioannidis publicado também na Nature procurou investigar se, na opinião dos pesquisadores, seu trabalho mais citado era seu melhor trabalho. A pesquisa, objeto de um post neste blog, na verdade trouxe mais questionamentos do que respostas, como por exemplo, a dificuldade de identificar precocemente um artigo inovador com base em indicadores bibliométricos com janelas de 2-3 anos, ou quando são citados por artigos de outras áreas menos afins. Porém, na ocasião, uma das conclusões do autor foi a necessidade de se recorrer a outros índices além das métricas baseadas em citações para complementar a avaliação da ciência.

Recomendações à comunidade científica

A fim de encorajar os pesquisadores a empreender domínios mais inovadores da ciência, é necessário fomentar uma mudança de postura da comunidade científica como um todo com o objetivo de restringir o uso indiscriminado de indicadores bibliométricos de curto prazo.

Pesquisadores – Restringir o uso do FI e índices baseados em citações para orientar a escolha de tópicos e onde submeter artigos. Não incluir tais indicadores em CV e propostas de auxílio à pesquisa.

Agências de fomento – Prover múltiplas formas para avaliar as publicações de pesquisadores e instituições. Excluir medidas de citações e FI de propostas de auxílio à pesquisa, e não permitir que sejam discutidas pelos pareceristas. Incluir especialistas de outras áreas em comitês de avaliação e periodicamente avaliar o desempenho dos candidatos às propostas de auxílio à pesquisa utilizando índices com janelas de 5-10 anos.

Pareceristas – Buscar avaliar o trabalho deixando de lado as métricas, especialmente as de curto prazo.

Editores – Procurar ignorar as métricas usadas para avaliar publicações. Propor métricas que considerem maior intervalo de tempo.

Universidades – Adotar como prática nos comitês de avaliação que os membros realmente leiam a pesquisa dos candidatos e não apenas seus índices bibliométricos, a exemplo do que é feito no REF do Reino Unido. Ao avaliar candidatos, enfatizar como os pesquisadores abordam determinadas questões propostas. Neste sentido, aplica-se a consideração de Antônio Augusto P. Videira6, Professor de Filosofia da Ciência da UFRJ: “Deveria causar surpresa o fato de que o uso de um indicador torne elegível um ou outro autor pelo fato de que tenha publicado em um periódico de FI mais alto, de que é mais importante saber onde ele publicou do que ler seu trabalho”.

Os autores do estudo acreditam que “se realmente a comunidade acadêmica deseja criar avaliações mais objetivas, todos aqueles envolvidos – desde pesquisadores em início de carreira até os presidentes das agências de fomento – devem usar indicadores qualitativos e quantitativos de forma responsável […] de forma a evitar o uso de indicadores que penalize os pesquisadores e projetos que tem o maior potencial para romper fronteiras”.

* Lilian Nassi-Calò é química pelo Instituto de Química da USP e doutora em Bioquímica pela mesma instituição. Foi bolsista da Fundação Alexander von Humboldt em Wuerzburg, Alemanha. Após concluir seus estudos, foi docente e pesquisadora no IQ-USP. Atualmente é Coordenadora de Comunicação Científica na BIREME/OPAS/OMS e colaboradora do SciELO.