Quando o inconsciente se projeta além das fronteiras

Por Ronaldo Souza

Alguém tem alguma dúvida da competência técnica da Globo? Há alguma dúvida de que lá ainda estão alguns bons redatores, de texto inteligente e sutil, de qualidade técnica no jornalismo? Acho que não.

Ainda que tenha cometido outros, alguns também graves e outros explicáveis por falha humana ou da máquina, que podem ocorrer, este último erro da Globo foi inimaginável.

A estupefação é proporcional à dimensão do erro cometido. Ele é, porém, explicável.

Para quem está habituada a agir na escuridão da noite, o erro surgiu com a clareza de um dia de sol. E sempre que o sol resolver invadir a noite, não poderá ser outra a reação que não seja do mais absoluto espanto.

Mesmo com as dificuldades que os Estados Unidos e Europa enfrentam, o que abala o resto do mundo, há dez anos o Brasil não ultrapassa a meta de inflação estabelecida.

E, de repente, a Globo aparece com esse gráfico de estatística criativa, que já entrou para a história.

Como conseguiram? Percebam a desproporção das colunas com os valores. O teto da meta de inflação é de 6,50 e o governo só chegou a ele, mas não ultrapassou, em 2011. E, de repente, 5,91 é maior do que 5,92 e do que 6,50.

Vocês acham que faltou competência à Globo em algo tão simples?

Vejam o que diz o consultor de empresas Sebastião Souza:

Um dia brincando no Excel e nos gráficos do Power Point tentei fazer isso, impossível. Os gráficos não aceitam dados errados, isso tem que ser feito à mão, só se faz se quiser, e quem faz uma palhaçada dessas, sabe o que está fazendo. Não existe erro, é simplesmente manipulação criminosa de dados. Sabotagem, isso não é mais guerra psicológica, é terrorismo psicológico

Reproduzo a frase de Renato Rovai no Blog do Rovai:

“Com este tipo de abordagem a Globo ultrapassa até a linha do que se pode chamar de desinformação. Isso é vandalismo jornalístico”.

E o que justifica um erro tão grosseiro? O que pode justificar um órgão de comunicação com a competência técnica que ninguém pode negar querer mostrar que uma inflação de 5.91% é maior do que 6.50%?

Desespero!

Ah, o tempo voa. Como passam rapidamente 10 meses.

Como reverter a ordem e a sequência das coisas em tão pouco tempo?

No desejo de trazer uma inflação que teima em não acontecer, no desejo de jogar o país numa crise que insiste em não vir, no desejo de virar o Brasil de cabeça pra baixo, deixo de lado a minha competência técnica, os meus bons redatores, o texto inteligente e sutil, a qualidade técnica do meu jornalismo e me autorizo a cometer todos os pecados do lado de baixo do Equador, como já dizia Chico na sua canção.

E aí mais uma vez convivem harmonicamente a indignação e a resignação. A indignaç&atild
e;o por mais um vandalismo jornalístico e a resignação por imaginar; a Globo percebeu que exagerou e ficaremos em “paz” e por pelo menos uma semana (o prazo não pode ser maior não) ela não vai aprontar outra dessa.

Aprontou. Com menos de uma semana.

O gráfico aí embaixo mostra que a inflação para a 3ª idade em 2013 (5,48%) foi menor do que em 2012 (5,82%) e menor do que o índice da inflação de 2013 (5,91%). Então a inflação para a terceira idade recuou, concorda comigo? Não, você se enganou. Eu também.

Segundo a Globo (veja a legenda embaixo na imagem), a “Inflação da 3ª idade avança em 2013 puxada por alimentos, diz FGV”.

Não, a FGV nunca disse isso, é a Globo que está dizendo. O diabo do gráfico está MOSTRANDO que a inflação da 3ª idade diminuiu de 5,82% para 5,48% e a Globo, em mais uma estatística criativa, diz que aumentou.

Qual é o argumento que muitos usam? Saiu na Globo.

Ricardo Teixeira, ex-presidente da CBF, envolvido em corrupção e blindado, dizia “enquanto não sair na Globo, não tô nem aí”.

É ao contrário. Se a coisa é séria, quando sai na Globo, não sai.

“Às favas os escrúpulos”, como já dizia Jarbas Passarinho, ao assinar o AI 5.

Que se dane o país.

E ainda tenho a Copa.

O que mais se pode dizer? O que mais se pode fazer?

Não importa. Ainda vão dizer. E muito. Ainda vão fazer. E muito.

Só tenho a lamentar pelo Brasil.