Raça superior

O esporte nem sempre é só esporte, ou talvez seja mais correto ainda dizer, poucas vezes é só esporte. Muitas vezes se misturou e se mistura com sentimentos menos nobres. É antiga a associação que se faz do esporte com a supremacia de alguma coisa. Tempos de olimpíadas. Muita coisa em jogo, além do esporte.

Quando esse é o tema não há como não lembrar das Olimpíadas de 1936. Derrotada na 1ª Guerra Mundial, surgia ali o momento ideal para mostrar ao mundo a nova Alemanha. As Olimpíadas de Berlim foram as primeiras da história com o objetivo de propagar uma ideologia política*. Como potência olímpica, o grande projeto de mostrar ao mundo a superioridade da raça ariana.

Segundo Leonardo Silvino*, “a busca pelo ideal nórdico era incansável e o III Reich incentivava o esporte com dois objetivos: produzir mais e melhores máquinas de guerra e gerar uma raça sadia”. Os judeus foram proibidos de participar dessa olimpíada. Para evitar problemas com o governo alemão, os Estados Unidos cortaram dois atletas judeus da delegação americana. Assim surgiu a vaga para Jesse Owens. Talvez tivesse sido melhor que tivessem ido os atletas judeus.

Hitler, pessoalmente, cumprimentava os atletas vencedores. Algo terrível então aconteceu. Provas de atletismo. A Alemanha teve que “engolir” e assistir ao americano Jesse Owens, negro, desfilar como o maior atleta do mundo (medalha de ouro nos 100m e 200m rasos, revezamento de 4 X 100 m e salto em distância, este último em disputa acirrada com o alemão Luz Long, que ficou com a medalha de prata) e, como ele, outros negros que também desfilaram com suas medalhas de ouro, entre os maiores atletas do mundo. Hitler não viu. Recusou-se a assistir, retirando-se do estádio, como fez em outros momentos em que negros venceram.

Era um duro golpe para o arianismo. A raça pura, superior, derrotada por uma raça inferior; a negra.

Ao longo dos anos, em vários outros momentos, o negro demonstrou a sua força, a sua capacidade e ocupou papel de grande destaque nas diversas sociedades. No esporte, talvez a maior afirmação. Atleta do século. Um negro. Pelé.

Olimpíadas da China. Provas de atletismo masculino e feminino dos 100 m rasos, a mais nobre do atletismo. No masculino, Usain Bolt, um negro da Jamaica, medalha de ouro (também nos 200 m rasos e no revezamento 4 X 100 m rasos). No feminino, Shelly-Ann Fraser, uma negra da Jamaica, medalha de ouro. Sherone Simpson e Kerron Stewart, negras da Jamaica, empatadas em segundo lugar, ficaram com a prata e o bronze. Nas outras provas muitos atletas do Quênia, Etiópia, Jamaica, também ganharam medalhas de ouro.

Incrível como ainda insistimos na superioridade de raça. O esporte sempre foi utilizado nesse sentido. Quantos no futebol foram apontados como os maiores do mundo. Pelé, o rei. Mas, no esporte de um modo geral, o atletismo sempre foi apontado como o mais nobre. Entre os vencedores em Pequim estavam atletas da Jamaica, Quênia, Etiópia. Os 100 metros rasos, masculino e feminino, a prova mais nobre do atletismo, onde se diz que é quando a evolução da raça humana se manifesta, foram ganhos por um negro e uma negra.

Será que existe uma raça superior? Se existir, qual será?

 

* Fonte: Olimpíadas de 1936: muito além de Owens e Hitler, texto de 
Leonardo Silvino – Publicado em 29.08.2004.