Reação antígeno/anticorpo

Já tinha visto no programa de seu curso antes. Imaginei; ele deve estar estudando muito. Ninguém põe um tópico desse no curso sem que esteja estudando muito e dominando o assunto. Não era o perfil dele, mas, enfim.

Fui então assistir ao curso. Sábado pela manhã, cheio de expectativa, lá vou eu. Bela oportunidade para aprender. Notei que ele ficou um pouco desconfortável quando me viu entrando na sala.

Vi se repetir o que eu já imaginava e tinha visto anteriormente. Nada. Mas ainda restava a reação antígeno/anticorpo, ela ainda viria, tinha que vir. Veio. Você não pode fazer isso, aquilo, aquilo outro, porque dá uma reação antígeno/anticorpo. Você não pode usar essa irrigação, aquela medicação, porque pode dar reação antígeno/anticorpo. Não entrou, aliás, não passou nem pela porta.

Chocado? Decepcionado? Não. Era ele. O de sempre. Quantos existem? Não sei, mas tenho visto. Alguns me decepcionam porque não esperava isso deles, outros não.

Não sei se você imagina o quanto a condição de professor mexe com o homem. Ela o torna especial. Ter a condição, o conhecimento, a oportunidade de formar alguém é sagrado. Acredito que, se houver, poucas coisas devem proporcionar alimento tão rico em nutrientes para o ego como ser professor. Para um jovem então, incontrolável. Acho que posso dizer, com poucas chances de errar, que todos, isso mesmo, todos, que tiveram uma oportunidade de se dirigir a uma platéia como se fosse um professor, teve ali um momento de glória, sensação prazerosa e indescritível.

Ocorre, porém, que algo tão nobre nem sempre é tão nobre. Um hábito antigo, e cada vez mais praticado, a aula com o retorno, a aula de onde se tira proveito. Você falou a satisfação de ser professor ou o aprendizado? Errou. Estou falando de outra coisa. Da divulgação do nome e o retorno no consultório, na forma de indicação de pacientes. Há outro; a procura pelo curso daquele “professor”. Aquele, que mostrou que técnica tal ninguém usa mais, que os professores que usam isso, aquilo e aquilo outro estão superados.

Você deve estar me achando um babaca, isso sempre existiu. Concordo. Só quero que me permita uma coisa: o direito de ainda me indignar, pode ser?

Vejo que hoje cada vez mais prevalece o marqueteiro, não o professor. Não estou falando das conferências e cursos nos congressos, jornadas, meetings (adoro essa palavra), porque seria covardia, é o que mais se vê hoje. Estou falando das salas de aula, na graduação, na faculdade. Gente, está demais (lembre que você me permitiu). Não tem mais aula. É marketing puro, apresentação de casos clínicos (daqueles que você só vê no cinema). Alguns citam o nome dos pacientes, claro que de pessoas com alguma notoriedade. Se for artista, é uma maravilha (nessas horas uma foto com o artista cai bem, vá por mim).

São várias as formas. Um colega me contou que há pouco tempo, tendo ido com outros colegas da turma a um consultório para ver uma demonstração (o que, workshop?) de um determinado procedimento, percebeu sobre a mesa um motor para preparo automatizado do canal (não era esse o tema da demonstração). Ah! Você também já está com o seu! Resposta. Olha, já uso há muito tempo e não consigo mais trabalhar sem ele. Mentira. O colega que fez o comentário sabia, por uma razão bem simples. Aquele tinha chegado junto com o dele (a dental informara a ele), que tinha chegado há cerca de 10 dias. Somente ele sabia disso, mas é claro que contou aos outros 11 alunos. E a mim.

Algo nos falta; humildade. No dia em que ela nos permitir entender que o conhecimento é limitado, teremos conseguido um pouco de sabedoria, e aí ficará mais fácil. Não teremos que falar do que não sabemos. O risco é enorme. Pode ter certeza; haverá sempre a possibilidade, pelo menos isso, de ter alguém na sala que sabe.