– Foi um golpe forte na memória, mas, ao mesmo tempo, algo que mostra o distanciamento do homem maduro que começo a ser.
São palavras de Gilberto Gil em um programa que acabo de ver no Canal Brasil (TV a cabo), realizado há 11 anos. Que delícia. Primeiro, por ver Gil revisitando alguns lugares da sua infância (neste momento ele estava em Bom Jesus da Lapa [Ba]) e por ouvi-lo cantando algumas das suas lindas músicas (Gil é talento puro). Uma delícia de programa. A lamentar que quando comecei a assistir imagino que já tinha começado há algum tempo.
Em segundo lugar, e acho que aí está a razão maior de ter me deixado tocar, porque, junto com Gil, revisitei a minha infância; Juazeiro (Ba). Me emocionei.
Como foi gostosa. Vou sempre lamentar não ter podido proporcionar às minhas filhas uma infância maravilhosa como a que tive. Foi infância em todos os sentidos que se pode dar a essa palavra, ou, melhor ainda, a esse momento divino do homem. É evidente que aqui falo do homem em um sentido abrangente, incluindo naturalmente a mulher.
Vi as casas de taipa, as ruas sem paralelepípedos, o chão rachado pela seca. Vi homens, mulheres e crianças, iguais aos da minha infância. Não sei por que, não sei se por associação à infância, mas quando vejo esses homens e mulheres, a imagem que me vem à mente é de dignidade.
Já em um momento financeiro melhor dos meus pais (meu pai agora era um funcionário do Banco do Brasil) do que na época dos meus dois imãos mais velhos (sou o do meio), já pude ter uma infância que toda criança devia ter; sem dificuldades. Por isso, e também pelo fato de ser criança, não via as dificuldades onde sempre existiram, mas as feições ficaram na minha memória e foram elas que eu vi com Gil. Mas, faço questão de repetir; sofridas, mas, dignas. Em quantos lugares, hoje, você vê de fato dignidade?
A palavra de um homem era o que havia de mais importante. Onde você a encontra hoje? Você deve estar dizendo; nossa, ele está pesado hoje. Estou? Se não me engano, foi um filósofo chamado Chapman que disse; “quando você olha a vida com mais profundidade, só encontra o desespero”.
Hoje, homem, entendo melhor o desespero de certos homens, pesados, amargurados.
Não, não se preocupe, não estou desesperado. Reflexivo, não desesperado. A minha infância deixou muito pouco espaço para o desespero no homem maduro que começo a ser.