Resposta à Veja: Onde está o Brasil? Acorrentado ao poste, como aquele negro. A corrente é a mídia

Por Fernando Brito, no Tijolaço

A revista Veja, uma espécie de toque de Midas ao inverso, que transforma em imundície tudo em que toca,  coloca em sua capa a imagem do menino negro, acorrentado a um poste por um bando de tarados do Flamengo, pergunta “Onde está o Brasil  equilibrado, rico em petróleo, educado e viável que só o Governo enxerga?”.

A Veja merece resposta.

Não para ela, que é muito mais incorrigível que o pequeno delinquente que lhe serve de carniça.

Porque ela, ao contrário dele, tem meios e modos para entender o que é civilização, enquanto ele precisa ocupar o tempo arranjando algum resto de comida para engolir, uma cola de sapateiro para cheirar em lugar do respeitável pó branco das festas da elite, e uma banca de jornal que lhe sirva de colchão de lata ou teto de zinco, se chove ou se faz sol.

A resposta à Veja é necessária para que este império de maldade e seus garbosos centuriões saibam que existe quem não lhe abaixe a cabeça e anuncie que fará tudo, tudo o que puder, enquanto a vida durar, para arrancar o Brasil das correntes com que a fina elite e seus brucutus anabolizados da mídia o amarram no poste do atraso, da submissão, da pobreza e da vil condição de uma sociedade de castas, onde eles são a nobreza opulenta.

O Brasil, senhores de Veja, é este negrinho.

Está cheio de deformações, de cicatrizes, de desvios de conduta, de desesperança e fatalismo.

Estas marcas, nele, foram você que as fizeram, abandonando-o à sua própria sorte, vendo crescer gerações nas ruas, ignorando-os, desprezando.

Tudo estaria bem se ele estivesse lá, no gueto das favelas, tendo uma existência miserável e conformada. Ou sendo um dos muitos que, por uma força até inexplicável, conseguem se sacrificar, como seus pais se sacrificam, para ter uma pobre escola pública, um trabalho mal-pago, uns bailezinhos funk por lá mesmo, com as devidas arrochadas da PM, os capitães de mato, negros e pardos como eles, mas a serviço dos “buana”.

Não é isso o que diz um dos “civilizados” aos quais a Veja serve de megafone, como está lá em cima?

A pobreza em que os governos que vocês apoiam, as elites que vocês representam e os interesses a que vocês servem tem, entretanto,  destes efeitos colaterais.

Porque aquele menino, como o Brasil, vê o mundo como vocês mostram, canta as músicas que vocês tocam, pensa o que vocês martelam em sua cabeça, tem os desejos que vocês glamourizam.

É foda, foda é assistir a propaganda e ver/Não dá pra ter aquilo pra você 

E o que tem pra eles, mesmo u
m pouquinho, vocês combatem furiosamente: uma bolsa-família, um salário mínimo menos pior, uma cota para a universidade…

Populismo, dizem vocês…

Aquele menino e as mazelas de sua vida nunca tiveram de vocês o tratamento do “Rei dos Camarotes”, aquele idiota.

Ou como o “Rei dos Tribunais”, que vocês bajulam porque, politicamente, lhes é interessante explorar seu comportamento para atacar o Governo, embora ele tenha ficado quieto diante desta monstruosidade, quando gosta tanto dos holofotes para outros temas.

Aliás, quanto ele terá contribuído para a visão do “mata e esfola”, do pré-julgamento, do “não tem lei” para quem eu ache bandido?

Vocês não fazem uma matéria sobre os monstros que andam em bando, encapuzados, de porrete na mão, para distribuir bordoadas no “lixo social”, lixo que o seu sistema de poder produz há séculos.

Aqueles que  tentam amenizar um pouco que seja isso é tratado como um primitivo, um arcaico, que não entendeu que só “o mercado” nos salvará.

Ou um “escravo”, como os médicos que aceitaram ir tratar dos negrinhos da periferia ou do interior, onde os coxinhas da Veja não querem ir.

O mercado do qual o menino terá – se tiver – a xêpa.

E ele tem direito a mais, porque ele brotou – feio e torto – desta terra. Não veio de fora para fazer fortuna entre nós e não ser um de nós.

O negrinho está acorrentado, Veja, e acorrentado por quem o domina.

O Brasil também, e também seu Governo que, se não se “comportar” para com os que de fato o dominam, levará mais bordoadas do que já leva, por sua insubmissão.

Acorrentado por uma cadeia mental, a mídia, uma corrente da qual vocês são um dos maiores e mais odiosos elos.

Aquele negrinho não pode ter um destino próprio, apenas o papel que lhe derem, como o Brasil não pode ter seu próprio destino, aquele que convém a vocês e não nos tira do mesmo lugar.

Esta corrente, entretanto, é podre.

Podre, podre de não se poder disfarçar o fedor que exala.

E está se esgarçando, para desespero dos que contam com ela para nos manter atados.

O “Brasil  equilibrado, rico em petróleo, educado e viável”  que vocês dizem que só o Governo enxerga, de uns anos para cá, surgiu diante do povo brasileiro, depois de décadas de fatalismo de “este país é uma merda mesmo” que vocês nos inculcaram, a nós, os negrinhos.

E ele nos atrai com tanta força que não será esta corrente imunda, de elos podres, que o deterá.

Por mais que vocês se arreganhem, como fazem os impérios em decadência, por mais que se comportem, nas bancas, como aqueles facínoras de porrete,  será inútil.

Vocês já não são a única voz, embora muitos ainda os temam e procurem, inutilmente, cair nas suas boas graças com juras de vassalagem ao que voc&ec
irc;s representam.

O mundo de vocês é o passado, é o da escravidão, é o da aristocracia que, tão boazinha, até deixa entrar alguns negrinhos na cozinha, desde que se comportem e não façam sujeira.

É o passado, porque o futuro tem uma força tão grande, tão imensa, tão inexorável que, logo, vocês penderão de um poste.

Não, fiquem calmos, não estou sugerindo enforcamentos, como foi o do Mussolini…

Apenas penderão como um elo roto de um poste velho e carcomido, que não tem mais luz nem serventia.