Um “expert” perdido entre a má fé e a obtusidade 3

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Deixei para trazer as imagens desse caso neste momento (não fazem parte do artigo que está sendo discutido) porque vamos usa-la para este texto e o próximo, que deverá encerrar essa série.

Veja inicialmente a imagem acima do incisivo lateral superior direito e perceba a lesão periapical e a reabsorção apical na figura A e o canal tratado na figura B, onde a reabsorção apical pode ser vista com maior clareza.

Não tenho nenhuma dúvida de que o nível dessa obturação seria condenado pela grande maioria dos endodontistas.

Acompanhe agora na imagem abaixo a sequência do tratamento do referido dente e também do retratamento do incisivo central superior direito. Observe o nível da obturação do incisivo lateral (Fig. C), compare com a do incisivo central (Fig. E) e veja as duas juntas em radiografia de acompanhamento, já sem as lesões periapicais (Fig. F).

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Os dois dentes apresentavam lesão periapical e os limites das obturações são diferentes.

E a lesão desapareceu nas duas situações.

Tem a ver com limite da obturação?

Qual é o detalhe?

Nos dois casos foi feita a instrumentação do canal cementário (Figs. B e D). Em outras palavras, o controle de infecção foi realizado em toda a extensão do canal.

Você concorda se eu disser que se a obturação do incisivo lateral fosse feita no mesmo nível em que foi feita a do incisivo central poderia haver grande extravasamento de material obturador para os tecidos periapicais?

Serah que curou mesmo? Soh a CBCT para dizer….

Curou sim.

Pode ser que o expert precise da CBCT e de um imaginologista para dizer a ele que curou.

Só tenho a lamentar por essa postura.

Além disso, a cura não envolve apenas imagem.

Envolve também conhecimentos de fisiopatologia. Fica aqui a sugestão.

Não serão raras as vezes em que os endodontistas irão precisar da tomografia para se orientarem melhor em determinadas situações, mas, do jeito que as coisas andam muitos vão terminar acreditando nesse tipo de orientação de que “soh a CBCT para dizer….

Por saber que essa cobrança absurda existe, consultei a tomografia (Figs. G e H).

O que ela me disse?

A mesma coisa que a radiografia tinha dito.

Não tem mais lesão.

Compare agora as duas imagens abaixo (Figs. A e B).

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Vendo a reabsorção apical em A e depois a imagem do mesmo segmento do canal em B, será que eu preciso de uma tomografia e de um radiologista para me dizer que a imagem sugere que está havendo mineralização onde havia reabsorção apical, ou seja, formação de selamento biológico?

O que pode ocorrer se fizermos uma tomografia naquele mesmo momento? Ela pode até mostrar que o selamento biológico ainda não está completo, mas negar a informação radiográfica é diferente, não é?

Seria algo como observar esse acontecimento sob a luz do microscópio. A depender de quando se olha, a mineralização tecidual pode estar em estágio menos ou mais avançado.

Só para ilustrar, no momento em que foi feita a radiografia em B a paciente tinha acabado de concluir a sua correção ortodôntica.

Encerremos por enquanto esse caso (até porque ele está sendo preparado para outro momento) e voltemos à discussão anterior.

  1. In the present case, the root canals were probably contaminated at some point during the first endodontic treatment, resulting in development of periapical lesions.

M – Concordo com esta suposicao, mas um outro fator deve ser levado em consideracao. Pode ser que o primeiro tratamento nao tenha de fato promovido a limpeza adequada. Isto eh facilmente percebido pela qualidade da obturacao do tratamento inicial (ruim) e do final (dentro de um padrao de especialista). Em outras palavras: uma obturacao de qualidade eh reflexo de uma adequada instrumentacao.

R –  “A imaginação é mais importante do que o conhecimento”.

Essa frase é de Einstein e de grande sutileza e inteligência, o que vindo de Einstein não constitui, claro, nenhuma surpresa.

No texto anterior deixei uma pergunta no ar.

“Em ciência, quem elucida os mistérios?”

Mas antes de entrar na questão, vou pedir permissão a você que me lê para inserir um breve texto de Rubem Alves:

“Urubus e sabiás

Por Rubem Alves

Tudo aconteceu numa terra distante, no tempo em que os bichos falavam… Os urubus, aves por natureza becadas, mas sem grandes dotes para o canto, decidiram que, mesmo contra a natureza eles haveriam de se tornar grandes cantores. E para isto fundaram escolas e importaram professores, gargarejaram dó-ré-mi-fá, mandaram imprimir diplomas, e fizeram competições entre si, para ver quais deles seriam os mais importantes e teriam a permissão para mandar nos outros. Foi assim que eles organizaram concursos e se deram nomes pomposos, e o sonho de cada urubuzinho, instrutor em início de carreira, era se tornar um respeitável urubu titular, a quem todos chamam de Vossa Excelência. Tudo ia muito bem até que a doce tranquilidade da hierarquia dos urubus foi estremecida. A floresta foi invadida por bandos de pintassilgos tagarelas, que brincavam com os canários e faziam serenatas para os sabiás… Os velhos urubus entortaram o bico, o rancor encrespou a testa, e eles convocaram pintassilgos, sabiás e canários para um inquérito.

— Onde estão os documentos dos seus concursos? E as pobres aves se olharam perplexas, porque nunca haviam imaginado que tais coisas houvessem. Não haviam passado por escolas de canto, porque o canto nascera com elas. E nunca apresentaram um diploma para provar que sabiam cantar, mas cantavam simplesmente…

— Não, assim não pode ser. Cantar sem a titulação devida é um desrespeito à ordem.

E os urubus, em uníssono, expulsaram da floresta os passarinhos que cantavam sem alvarás…

MORAL: Em terra de urubus diplomados não se houve canto de sabiá.”

Deixei aquela pergunta no ar porque vivemos em um meio muitas vezes pobre de imaginação e o grande problema é que somente a imaginação pode elucidar algumas coisas.

Ao contrário do que muitos pensam, não são as técnicas que elucidam os acontecimentos incomuns.

Lamentavelmente, porém, não é muito comum dar-se espaço à imaginação na Endodontia.

Às vezes estamos tão ligados nos resultados, números, estatísticas, que enquanto os vemos não vemos.

Talvez alguns não percebam como é comum publicar evidências evidentes.

Quando a Endodontia é ensinada como muitas vezes tem sido, ela fica pobre e jamais a pobreza mental/intelectual permitiu elucidar acontecimentos que fogem do padrão.

Mas voltemos ao mundo real. Sejamos pragmáticos e sigamos os protocolos.

Em primeiro lugar a “limpeza adequada” na polpa viva é pura e simplesmente a remoção da polpa. Não há necrose pulpar, não há infecção e por isso o sentido que se dá à limpeza em Endodontia tem uma conotação bem diferente em tratamento de canais com polpa viva e com polpa necrosada, particularmente os casos que apresentam lesão periapical.

E aí, na sequência, o expert se perde completamente quando diz:

“Pode ser que o primeiro tratamento nao tenha de fato promovido a limpeza adequada. Isto eh facilmente percebido pela qualidade da obturacao do tratamento inicial (ruim) e do final (dentro de um padrao de especialista)”.

Nada disso.

Nem o inicial está “ruim” nem o final “dentro de um padrão de especialista”.

Qual é o papel da obturação?

Selar o espaço anteriormente ocupado pela polpa e agora vazio.

Mas vou ficar devendo essa e colocar aqui o número 1. Além disso, vou puxar a sua frase “uma obturacao de qualidade eh reflexo de uma adequada instrumentaçãopara lhe dizer que não necessariamente é assim.

É outro erro que se comete por não usar a imaginação e sim o que parece óbvio.

Mas prefiro tratar desse assunto em outro texto e vou colocar aqui o número 2.

O que chamei de número 1 e 2 vai merecer um texto à parte, que irei escrever e também postar aqui no site.

Sendo assim, vamos adiante e tocar, por enquanto, somente em outros pontos.

Observe melhor e veja se o limite apical da obturação do canal distal no retratamento (Fig. F) não está mais aquém do que quando foi tratado inicialmente (Fig. C)?

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Ou seja, quando eu tratei a polpa viva com o limite da obturação um pouco melhor deu errado e quando o limite do retratamento com lesão periapical foi um pouco pior (mais aquém) deu certo.

Percebeu? Tratando de uma polpa viva (sem infecção), o limite mais adequado da obturação não deu certo. Quando retratei com lesão periapical (portanto, com infecção), o limite inadequado da obturação deu certo.

Mas, além disso, o expert também não percebeu que há um desvio na porção final da obturação mesial e no tratamento inicial (ruim) não há.

Ainda que o expert não tenha percebido, tanto que classifica o retratamento como dentro de um padrão de especialista, observe que o desvio é flagrante.

Mas esse equívoco também é compreensível.

Ele se deixou levar por algo muito comum entre os endodontistas; a associação de alargamento à qualidade do preparo do canal, coisas bem diferentes.

Sabe aquela história do “ah, foi bem alargado, veja como ficou bonito”? Foi isso.

Ele não percebeu um desvio flagrante, passou batido.

Talvez isso mostre que o estudo da anatomia dental sem a devida percepção configura uma grande lacuna. E a percepção é reflexo da imaginação.

Lembram que falei lá atrás do Prof. Pécora?

Como sabemos, ele também estudou muito anatomia.

Mesmo sem os recursos atuais (estudo em Micro-CT, 3D, esses avanços fantásticos), o trabalho dele até hoje está por aí.

O “problema” dele era a percepção! Poucas vezes vi igual.

Mas nem sempre é assim.

Obs. Este texto terá continuação.