Por Ronaldo Souza
Independentemente de eventuais divergências e concordâncias com as opiniões de um autor, a importância dele tem muito a ver com a sua capacidade de iluminar caminhos. Alguns vão além e se tornam mestres em ampliar/abrir novos caminhos e mostrar novas possibilidades.
Assim também é com o professor.
Ocorre que essa característica só se torna possível quando o professor/autor identifica e assume os riscos de mudar o que existe, muitas vezes, já consagrado pelo tempo.
Ganhei recentemente de minha mulher mais dois livros, ambos de Rubem Alves.
Rubem Alves é inspirador e boa parte de sua escrita é dedicada às coisas do ensino.
Em “Ostra feliz não faz pérola”, um desses livros, deparei-me com o texto abaixo, cujo título é “Desejos”.
Quem irá concordar ou divergir do desejo dele?
Talvez não seja o que mais importa, mas, sim, o que ele será capaz de despertar em cada um de nós.
Desejos podem ter origem nos sonhos, nas utopias, e estas costumam ser vistas de forma pejorativa nesse mundo onde reina o pragmatismo.
É possível viver sem utopia?
Mesmo estando incorporada à vida, utopia é algo que muitas vezes foge da compreensão.
Por essa razão, e sabendo que falarei disso em outro momento, resolvi dar o título “Utopias” a este meu breve texto de introdução ao “Desejos”.
Utopias e desejos andam juntos.
Veja Rubem Alves.
Desejos
Por Rubem Alves
Quero viver muitos anos mais. Mas com alegria. Quero ter forças para travar as batalhas que julgo importantes! A preservação da Amazônia! Viver com mais sabedoria! Entre a multidão dos meus desejos para a educação, elejo como minha prioridade acabar com os vestibulares. Os vestibulares são, a meu ver, a coisa mais estúpida que estraga a educação. Não me importam os vestibulares como processo seletivo para a entrada nas universidades. Importa-me o que eles fazem com todo o processo escolar que os antecede. Em primeiro lugar, eles são inúteis. Os supostos saberes exigidos para os malditos exames estão condenados ao esquecimento. Eu não passaria nos vestibulares, nossos reitores não passariam nos vestibulares, os professores de cursinhos não passariam nos vestibulares. Os especialistas em português tombariam diante dos problemas de física e química. Os professores de física e química tombariam diante das questões de análise sintática. Memória ruim? Não. Memória inteligente. A memória inteligente sabe esquecer o que não faz sentido. E a desgraça é que as escolas, desde o seu início, vivem sob a sombra do grande bicho-papão. Quem determina os saberes a serem sabidos são os professores que preparam as questões para os exames. E, então, as questões fundamentais da educação, da formação humana dos alunos, são enviadas para o porão. O prazer da leitura? Quem pensa que leitura dá prazer quando ela é obrigatória? Não existe forma mais rápida de fazer um aluno detestar a leitura que fazer dela um dever de que se terá de prestar contas. A apreciação da música, a educação dos sentidos, a curiosidade vagabunda… Tudo é deixado de fora. Tanto sofrimento para nada – porque tudo é esquecido. Além de inúteis são perniciosos, porque criam hábitos mentais tortos. Para cada pergunta há uma resposta correta! Mas na vida não é assim! Nem na ciência. A ciência se faz com uma infinidade de erros. Sem os vestibulares, as escolas estariam livres para realmente educar. Quero o fim dos vestibulares. Mas que processo os substituiria? Minha sugestão: um sorteio… Loucura? Parece, mas não é.