Por Ronaldo Souza
Pensei em começar este texto parabenizando alguns ministradores e dadores de curso, mas refleti e desisti.
Explico.
Parabenizar pela competência que possuem em fazer lavagem cerebral nos seus alunos.
Já há algum tempo são várias as histórias que nos chegam sobre como alguns colegas estão se dirigindo a outros, algo que acontece inclusive entre aqueles que eram amigos quando ainda estavam na faculdade.
A queixa maior é das colegas, talvez pela maior quantidade de mulheres nos cursos de Odontologia.
Além da ironia e do sarcasmo, o que já não seria aceitável, muitos assumem uma postura de humilhação.
Há uma estupidez no ar, devidamente estimulada pelos imbecilizadores profissionais da filósofa Marcia Tiburi.
Eles surgiram há algum tempo produzindo ignorância, insensibilidade e estupidez.
Veja o que diz Marcia Tiburi.
Deve-se entender que uma sala de aula, em qualquer estágio da formação profissional, pode representar uma “massa” a ser manipulada.
Para isso, não importa qual, todas as armas e ferramentas são utilizadas.
Acho que uma “historinha” precisa ser contada.
Por forte influência de alguém muito próximo na sua própria família, uma aluna nossa de graduação decidiu que seria professora de Endodontia, até pela facilidade que teria de ser professora nos diversos cursos do seu parente.
Resolveu então fazer o mestrado na mesma instituição, ou seja, na nossa faculdade.
Os professores da Endodontia a viam com ressalvas e, pelo menos em parte, por isso não foram procurados. Tendo que cumprir estágio em uma disciplina clínica, escolheu uma em que estava um professor do nosso grupo, com quem ela mantinha muito bom relacionamento.
Mesmo conhecendo bem o seu perfil e sabendo que ela tinha parentesco muito próximo com um profissional que dá cursos de Endodontia, cujo perfil também representava risco iminente, esse professor do nosso grupo resolveu lhe dar essa oportunidade.
Um dia, porém, ao chegar mais cedo do almoço (na própria faculdade), ele notou algo estranho. Alguns alunos já tinham começado o atendimento a pacientes e ela estava orientando. Chegou silenciosamente, sem “anunciar” sua chegada.
Foi o suficiente para ouvir coisas como; “vocês ainda ficam melando o canal com hidróxido de cálcio? Não, não usem não, ninguém usa mais isso, está ultrapassado…”.
Concretizara-se o risco iminente.
Quem sabe há quanto tempo isso já vinha acontecendo?
Mesmo com grande relacionamento com aquele professor, ela foi capaz de fazer isso com ele.
Chamou-a em particular e pediu que ela se afastasse da disciplina.
Ainda que sejam considerados o perfil familiar e a hereditariedade e dando-se por isso os devidos descontos, com aquele episódio comecei a perceber mais claramente que, como diria Guimarães Rosa, havia “qualquer coisa no ar além dos aviões da Panair…”
Um movimento silencioso, aparentemente sutil.
• Um único instrumento
• Uma única hora
• Uma única sessão
Acrescento mais um.
• Um único pensamento; a estupidez
Breve parêntese.
“Uma única hora” já está caindo por terra. Meus alunos me dizem que no Instagram tem professores dizendo que fazem tudo em 45 minutos em qualquer situação.
Mal sabem eles que estão ultrapassados.
Aqui no interior da Bahia (a Bahia é uma terra abençoada), há anos um dador de curso diz; “marque aí, marque aí…” e faz um incisivo central em OITO minutos.
Confesso que não sei se já reduziu para cinco.
Virou mestre e coordenador de cursos de Endodontia por aqui.
Cada vez mais são mais frequentes esses relatos de colegas dizendo que, “além dos aviões da Panair”, há no ar uma pressão enorme para “mostrar” aos que não rezam nessa bíblia que estão todos ultrapassados.
Todos os que não praticam ilusionismo.
Não bastasse isso, agora passaram a tentar humilhar os colegas e foi o que me contou uma aluna da especialização no último módulo.
O colega que tinha saído da clínica onde ela agora estava trabalhando passou por lá e rolou um papo.
Falou muito de dinheiro.
Disse que cobrava tanto nesse dente, tanto naquele e disse que cobrava mais no incisivo do que no molar, porque ninguém queria perder um incisivo…
Quando a conversa conseguiu entrar em Endodontia, contou que tinha feito especialização no curso… e ao saber que ela estava fazendo especialização em Endodontia na ABO (é a deixa que eles esperam ouvir), subiu no pedestal dos deuses da Endodontia, encheu os pulmões e, de lá de cima, como um Moisés que acabara de descer do Monte Sinai com as Tábuas dos Mandamentos entregues pessoalmente por Deus, fez pregação da sua religião:
“Ah, você ainda é da época do hidróxido de cálcio!”
E professou.
“Ora, onde estão as bactérias? Se você alarga o canal, faz uma irrigação bem-feita, vedamento tridimensional com guta percha assim ou assada…”
E a humilhou.
Claro, dentro da perspectiva da Endodontia que deram a ele.
Por coisas assim, falei no início deste texto que pensei em começa-lo elogiando alguns ministradores e dadores de curso. Como de fato eles demonstram muita “competência” nesse processo de imbecilização, seria justo que lhes prestasse essa homenagem.
Entretanto, ao lhes parabenizar por essa competência, eu estaria, claro, sendo muito irônico.
Percebi a tempo que com essas coisas não se brinca.
Diante do mal que fazem a essas pobres pessoas, recuperei a razão e desisti da ideia.
Eles não merecem outra coisa que não seja a minha repulsa.
Alguém irá dizer; quem ele pensa que é para reprovar alguém?
Não me preocupa.
A falta de dignidade desses profissionais permite que qualquer que seja a crítica a esse processo será bem-vinda, venha de onde vier.
E minhas críticas não são uma “crítica qualquer” e muito menos vêm “de onde vier”.
Interpretem como quiserem.
Sabe o que é interessante?
Os colegas já estão percebendo e o incômodo da pressão que relatavam antes agora passa a ser visto como algo ridículo.
Sabe qual foi a reação da minha aluna?
Nenhuma tentativa de contra argumentação.
Ouviu a pregação dele e nada disse.
Nada.
Ela está aprendendo que a arrogância muitas vezes é uma forma de manifestação da estupidez.
É um mecanismo de defesa.
Por trás dela está escondida a ignorância.
“A estupidez se coloca na primeira fila para ser vista; a inteligência se coloca na retaguarda para ver”.
Bertrand Russel
Há um ditado popular que diz, “quem cala consente”.
Veja esse ditado sob outra perspectiva.
Muitas vezes alguém cala porque percebe que não vale a pena discutir, tamanha a estupidez que está presenciando.
Foi o que fez a minha aluna; calou.
Ficou vendo a estupidez na primeira fila.