Por Ronaldo Souza
Ainda lembro da minha alegria.
Era criança, quando saí com meu pai para comprar o presente de Natal de minha mãe.
Eu estava radiante e me sentia importante por acompanha-lo naquela nobre missão.
Da rua Antônio Pedro, onde morávamos, para a Rua D’Apolo, o principal “centro” comercial de Juazeiro (BA), andávamos cerca de 5 minutos. “Atravessávamos” somente duas ruas transversais para chegar lá.
Na noite de Natal, a alegria de minha mãe quando recebeu o presente não cabia dentro dela.
Imagino hoje que deve ter sido uma das suas “grandes” noites.
Uma enceradeira.
Esse foi o presente de minha mãe, uma mulher incrível.
A primeira com quem aprendi a respeitar e admirar a mulher.
Talvez você não imagine o que é uma enceradeira, por isso trouxe uma para lhe ajudar.
Não eram muitas as mulheres em Juazeiro que podiam ter uma.
A minha mãe podia.
Maravilha, não é mesmo?
Isso foi há cerca de 58 anos.
Esse era o modelo na época dos nossos pais e avós.
Bela ou não, a mulher tinha que ser recatada e do lar.
Vivia para o marido e os filhos.
Assim fez a minha mãe.
Feliz.
Literalmente.
Ainda que possível (quem sabe para algumas mulheres ainda é normal), é no mínimo difícil imaginar hoje uma mulher irradiando alegria por ganhar um eletrodoméstico como presente de Natal, seja uma enceradeira (ainda existe?) ou qualquer outro.
Muito além do jardim
Mas a mulher já sonhava com horizontes maiores.
O seu jardim já não era suficiente.
Saiu de casa e ganhou o mundo.
Foi conhecer a vida.
Viu e gostou.
E conquistou o que era seu; o direito de vive-la.
Fico pasmo quando vejo algumas mulheres tratarem o feminismo, e consequentemente as feministas, como algo a ser repudiado.
Mulheres que para terem filhas precisam que os seus machos deem uma fraquejada.
Vamos simplificar?
Feminismo é o direito da mulher de ser mulher, na sua plenitude.
A mulher é dona do seu mundo.
E do seu corpo.
Só sendo plena ela será livre, independente, por mais que isso assuste alguns homens.
Só se é feliz sendo livre.
Parece haver um medo (mal disfarçado) da independência da mulher.
Como sentir-se ameaçado por ver a mulher lutando para ser… mulher?
Da mesma forma que negros nunca foram tratados como gente e tiveram e têm que lutar por isso, por historicamente não terem sido tratadas como mulheres, elas tiveram e têm que continuar lutando cada vez mais por esse direito.
E nessa luta terão sempre o apoio do homem.
Do homem, não do macho.
Não desses protótipos que se espalham pelo país (alguns dos quais agora em cargos de governo) e não só ignoram como estimulam o feminicídio e o fazem explodir em sucessivos casos nos dias atuais.
Protótipos cujas mulheres sofridas cultivam no íntimo da sua infelicidade o desejo de ser mulher.
Pobres homens.
Pobres mulheres.
“Ei mulher, não abaixe a cabeça pra homem nenhum.
Seja e faça o que você quiser, não se prenda aos padrões sociais impostos por nossa sociedade machista.
Seja a mulher da sua vida!!”
Fernanda Lima