“Marreco de Maringá”

Pato ou marreco

Por Ronaldo Souza

Um medíocre dificilmente será visto como medíocre por outro medíocre.

É uma lei natural.

Podem existir medíocres “brilhantes”?

Sim.

Mas serão assim considerados, claro, por um igual.

Um pode chegar ao extremo de achar o outro inteligente ao ponto de sugerir, por exemplo, que escreva um livro. E aí se declara; ele seria o primeiro a comprar.

Deprime observar a não percepção de que existem muitos homens e mulheres assim.

Flutuam alheios na espuma da vida.

Algo facilmente tolerável não fosse um detalhe; muitos deles ocupam postos e funções “importantes” e por isso exercem muita influência sobre os sem noção mortais.

Por falar em mortais, como dizer que um imortal é um deles?

Pois é, Merval Pereira, pasmem, Merval Pereira, é imortal, membro da Academia Brasileira de Letras.

Unbelievable, diriam os americanos que nasceram no Brasil por acidente geográfico.

Just my two cents!

Ariano Suassuna acabou de dar três reviradas no túmulo.

Aquele fardão verde oliva da Academia Brasileira de Letras vestindo o corpo que guarda a mente de Merval é uma afronta à inteligência brasileira.

É claro que existem outros, não necessariamente imortais, mas em cargos muito importantes, que agridem a nossa inteligência com suas evidentes limitações.

Advêm daí algumas frases de efeito cujo objetivo é explorar a “inocência” de jovens na faixa dos 20 aos 60 anos.

Frases cujo efeito maior é a perpetuação dessa “inocência”.

“Bandido bom é bandido morto; Brasil acima de tudo, Deus acima de todos; a nossa bandeira jamais será vermelha; a nossa luta é contra a corrupção…”.

Imaginadas como expressões de relevância, denunciam a pobreza e o vazio deprimente que caracterizam o FEBEAPA (Festival de Besteira que Assola o País, de Sérgio Porto, mais conhecido como Stanislaw Ponte Preta).

Pensam como patos (pato pensa?), agem como patos, são patos.

E, sobretudo, falam para os patos.

Veio-me à mente a discussão entre dois amigos há cerca de 5 anos quando, diante de uma ave em um lago, brigavam pela dúvida que surgira; é pato ou marreco?

Rimos muito.

Pato é pato.

E haverá sempre um pato na história.

Da mesma família, uma das semelhanças do marreco com o pato está na capacidade de flutuar sobre a água.

O que é flutuar?

Podemos definir como “conservar-se à tona”, “boiar”, o que por sua vez significa não afundar.

Não aprofundar não deixa de ser uma maneira de não afundar.

Quem não se aprofunda não ganha profundidade.

Conservar-se à tona é o mesmo que boiar, não ganhar profundidade, comum a patos e marrecos; vivem boiando na superfície, nunca se aprofundam.

Há, porém, marrecos espertos.

E cínicos.

Alguns sabem até contar em inglês (mas o máximo que conseguem é até nine).

Esses se adaptam muito bem a viver na superfície e descobrem como controlar iguais, aqueles que jamais se aprofundam e nenhum interesse demonstram para saber de fato como são as águas.

Passam a vida na superfície.

Passam a vida boiando.

Curta um pouco o texto de Laurindo Lalo Leal Filho (Lalo Leal), jornalista, sociólogo e escritor.

Ele é um dos jornalistas que presenciaram o momento em que William Bonner comparou o telespectador do Jornal Nacional a Homer Simpson.

Bonner tinha identificado os marrecos patos do Jornal Nacional.

Herói ontem, odiado hoje, Bonner não tem agradado aos marrecos patos, que sempre viram nele uma referência.

Agora, mais uma vez ao sabor das águas (para onde elas levam, eles vão), os marrecos patos foram levados pela correnteza para a margem contrária à de Bonner e seu Jornal Nacional. Aquele mesmo que os fez ficar de luto e vestir preto.

Imagem inesquecível, que ficará gravada na retina da contemporaneidade.

Nada pior deve existir do que vestir luto por si próprio.

Sem o perceber.

Como continuam boiando na superfície, de lá dificilmente sairão.

Até que uma nova onda os arraste.

Será uma onda verde, um verde oliva parecido com o do fardão do imortal Merval?

Tal qual Moisés conduziu os judeus por entre as águas do mar Vermelho, um marreco os conduzirá por entre as águas do mar da insanidade?

————–

Teatro do Absurdo estado da arte

A esperteza ridicularizada

Por Laurindo Lalo Leal Filho

Não se deve lutar contra um apelido por mais que ele nos desgoste. Essa lição aprendi ainda criança. Quanto mais o apelidado repudia o apelido mais a alcunha fica nele grudada. Lembro disso porque soube que o ex-juiz Moro está injuriado com a excelente denominação recebida: “Marreco de Maringá”. É mais um erro na sua já longa carreira de desacertos. Sua irritação só fez crescer o número de referências ao apelido nas redes sociais. Para quem ousa revelar o ridículo dessa figura surgida das trevas brasileiras, com voz em falsete e conteúdo insosso, é um tiro na mosca, com perdão da analogia bélica. 

O caso serve para colocar em pauta um tema de importante atualidade: como as pessoas bem informadas e esclarecidas, críticas daqueles que se apossaram do poder no país, devem se relacionar com os defensores do atual estado de coisas, donos de saberes rasteiros e contumazes no uso de linguagem vulgar? 
 
Discutir de forma elegante, a partir de argumentos racionais e empiricamente comprovados ou partir para o bate-boca nivelando-se aos seus opositores? Há respostas afirmativas para as duas formas de lidar com os adversários mas ambas, a meu ver, inconsequentes. 
 
A primeira é praticamente ininteligível pela massa a qual se dirige. Trata-se de segmento da sociedade que não possui os instrumentos culturais necessários para interpretar ideias um pouco mais elaboradas, capazes de escapar dos limites dados pelos chavões típicos do WhatsApp. Fogem ao debate e refugiam-se nos xingamentos. Seguem, dessa forma, o ocasional líder do grupo, responsável hoje por governar o país. 
 
A segunda também não leva a nada. Na troca de insultos, acaba prevalecendo aquele que só conhece esse tipo de relação, uma vez que o outro, esgotado pela limitação repetitiva do adversário, tende a se cansar rapidamente e deixar de lado a disputa infrutífera. 
 
A meu ver existe uma saída eficaz: combinar as duas formas de relacionamento e ir à luta. Usar o conhecimento e até mesmo a erudição para, na medida do possível, embalá-las em fórmulas simples, mas irrefutáveis. 
 
O humor fino é um ingrediente importante nesse processo. Vídeos como os produzidos por Marcelo Adnet, na Globo, satirizando a prepotência do atual presidente da República, e de Gregório Duvivier, no canal Porta dos Fundos, ironizando a empáfia dos economistas neoliberais, são exemplos do momento. 
 
Não ofendem nem muito menos xingam. Com linguagem compreensível até para os menos informados, revelam o ridículo dos discursos de corruptos falando contra a corrupção, de interessados nos seus negócios privados defendendo reformas em nome do interesse público e de negociantes da fé clamando por moralidade. Se não mudam opiniões, pelo menos devem colocar interrogações nas cabeças dos que seguem esses ilusionistas. 
 
Em tempos obscuros, esse tipo de humor nos palcos e nas telas, somado à ironia – fina mas compreensível – em debates nas redes ou nas ruas, torna-se arma poderosa contra adversários medíocres. 
 
William Shakespeare (1564-1616) já provara isso em suas peças ao traduzir para plateias populares as tramas urdidas pelos poderosos em meio à censura imposta pela rainha Elizabeth I, no Reino Unido. No Brasil, Millôr Fernandes e Flávio Rangel, construíram um espetáculo teatral clássico: “Liberdade, liberdade”, desafiando com humor e inteligência os militares que assaltaram o poder em 1964. 
 
No Rio, os atores Paulo Autran, Tereza Rachel, Nara Leão e Oduvaldo Vianna Filho, eram interrompidos por aplausos e risadas do público a cada frase em que ridicularizavam aquilo que os militares chamavam de “revolução”. Em Montevidéu vi, pouco antes da implantação da ditadura uruguaia, a peça ser saudada aos gritos de “Frente Amplia”, movimento que chegaria ao poder depois da redemocratização do país. 
 
Os tempos são difíceis outra vez, mas estas experiências nos ensinam a enfrentá-los. Desnudar o poder mostrando suas entranhas de forma simples, facilmente compreensível e, se possível, bem humorada é o melhor caminho para abrir corações e mentes. 
 
A superioridade cultural de quem tem mais informações e discernimento não pode ser utilizada como imposição elitista de ideias e nem como amparo misericordioso dos menos afortunados. Deve, isso sim, servir para dar suporte para construções bem elaboradas, capazes de mostrar o ridículo daqueles que se julgam espertos.