Por Ronaldo Souza
Li na manhã dessa segunda-feira, 29/04:
“Jogamos muito abaixo, a gente sabia que seria difícil jogar aqui, por causa do calor. Mas não é desculpa, a gente sabe que tem a melhorar”.
Os jogadores do Corinthians são uns privilegiados.
Todos devem ter nascido em São Paulo, portanto, são paulistas, só jogam em São Paulo, e por isso estranham as coisas que existem no Brasil, como por exemplo, o calor.
De repente, é possível que algumas coisas só existem no Brasil, em São Paulo não.
Por isso, torna-se mais fácil compreende-los quando dizem que a gente sabia que seria difícil jogar aqui.
Fico imaginando o quanto deve ser difícil jogar fora de São Paulo.
“Rio, 40 Graus” é um filme de Nelson Pereira dos Santos, que retrata “um dia na vida de cinco garotos de uma favela que, num domingo tipicamente carioca e de sol escaldante, vendem amendoim em Copacabana, no Pão de Açúcar e no Maracanã”.
O filme foi censurado pelos militares. O argumento utilizado foi brilhante, o que não surpreende. Segundo notícias da época, o censor e chefe de polícia teria argumentado que “a média da temperatura do Rio nunca passou dos 39,6°C”.
“Jênios”.
“Jênios”.
Como se o “40 graus” do título do filme fosse…, oh, me poupe.
Na sinopse do filme está “… vendem amendoim em Copacabana, no Pão de Açúcar e no Maracanã.”
Ainda que o filme não deseje se reportar aos 40º do calor do Rio, coisa que só “eles” imaginaram (?), o diretor aproveita um “domingo tipicamente carioca e de sol escaldante” para vender amendoim.
E entre os locais onde os cinco garotos da favela foram lutar para ganhar uns trocadinhos para ajudar no sustento da família estava o velho e saudoso Maracanã.
Nada mais típico de um dia no Rio de Janeiro que um “domingo tipicamente carioca e de sol escaldante” no Maracanã.
Procuro me lembrar se os jogadores do time de São Jorge (o guerreiro padroeiro do Corinthians) já jogaram alguma vez ou eventualmente jogam no Rio de Janeiro.
Ou, se o fazem, fazem-no somente no inverno, no conhecido, rigoroso e insuportável inverno do Rio de Janeiro.
Algum dia os veremos jogar naquela cidade e dizerem que “a gente sabia que seria difícil jogar aqui, por causa do calor” ou isso é reservado a cidades como Salvador, Recife, Fortaleza…?
Méritos não existem nessas cidades, muito menos nos seus times de futebol, que expliquem as suas conquistas; só o calor dos infernos.
A notícia do calor broxante para os jogadores do Corinthians é complementada por essa abaixo:
Os jogadores do Corinthians reconheceram que a semana com decisões pelo Campeonato Paulista e pela Copa do Brasil contribuíram para o alto número de erros e a queda de rendimento do time no segundo tempo da derrota para o Bahia por 3 a 2, neste domingo (28), na Arena Fonte Nova, em Salvador, pela estreia no Campeonato Brasileiro.
Como também é possível que as notícias do Brasil não cheguem em São Paulo, talvez fosse interessante a imprensa nativa informa-los que o Bahia, time que, talvez não saibam, ganhou do Corinthians, também participou de decisões pelo Campeonato baiano e pela Copa do Brasil.
Apesar do calor que faz aqui, que poderia afetar os nossos neurônios e quem sabe dificultar a nossa capacidade de pensar, entendemos que o Campeonato Paulista exigiria maior esforço do Corinthians no confronto com adversários do que o Campeonato Baiano exige do Bahia.
Talvez se deva salientar, entretanto, que a relatividade das coisas é conhecida, o que deveria nos ensinar a proporcionalidade existente entre elas.
Por tudo que se conhece do futebol, como por exemplo as cotas da televisão recebidas pelos clubes, há algumas condições que alteram de forma significativa a capacidade financeira de cada um deles.
Assim, as dificuldades que o Bahia encontra ao enfrentar os seus adversários no Campeonato Baiano devem ser proporcionais a aquelas enfrentadas pelos times de São Paulo no seu campeonato.
Além disso, o Bahia também participa da Copa do Brasil que, até onde sabemos, é a mesma usada pelos jogadores do Corinthians para justificar o alto número de erros e a queda de rendimento do time.
Portanto, a argumentação de que os jogadores do Corinthians reconheceram que a semana com decisões pelo Campeonato Paulista e pela Copa do Brasil contribuíram para o alto número de erros e a queda de rendimento do time também pode ser utilizada pelo tricolor da outrora “Boa Terra” e agora do infeliz e insuportável calor, para dizer que se não fosse o calor o Bahia jogaria melhor ainda, tendo em vista que muitos dos seus jogadores não são baianos (na verdade, a maioria) mas, nesse momento, têm a infelicidade de aqui jogar.
Em tudo isso, nenhuma surpresa.
Não seria o futebol, sempre tão convenientemente atrelado aos aspectos sócio-políticos nesse país e justamente por isso tão explorado e mal gerido, que iria escapar do FEBEAPÁ* (Festival de Besteira que Assola o País), que nos últimos tempos dita as regras no Brasil.
* Livro escrito por Stanislaw Ponte Preta, jornalista e escritor carioca, cujo nome verdadeiro era Sérgio Porto.