O imperador e o professor

Professor imperador

Por Ronaldo Souza

Há algum tempo circulou nas redes sociais uma mensagem que diz que todos os japoneses têm que se curvar diante do seu imperador, menos um; o professor.

Na verdade, essa mensagem circula de vez em quando.

Muitas coisas podem ser ditas sobre isso.

A primeira é que tratar-se-ia, como diria o último imperador do Brasil, anterior ao atual, de uma tradição cultural daquele país. E todas as tradições e costumes de um povo, seja ele qual for, devem ser respeitadas.

A segunda coisa a se considerar é que a mensagem não é verdadeira.

Todos os homens e mulheres se curvam sim diante do imperador, mas nesse todos estão incluídos os professores; o Imperador do Japão não se curva diante de nenhum homem ou mulher.

Ressalve-se que o professor é, se não a mais, uma das categorias profissionais mais respeitadas em todas as sociedades civilizadas, inclusive, claro, a japonesa.

É interessante notar que, apesar de não ser verdadeira, os professores tiveram o devido cuidado de tornar maior a circulação da notícia em questão.

O professor quis chamar a atenção para a conveniência do quase fato e nada é melhor do que a conveniência.

É conveniente ser conveniente.

Nenhum homem deveria se curvar diante de outro, seja ele imperador ou não.

Nada justifica isso.

Entenda-se que, por razões diversas, homenagens e reverências devem existir. Há um simbolismo nesse processo.

Insisto, para não deixar dúvidas, respeitem-se as tradições de cada país.

Aliás, o que já é feito com deleite e admiração por determinados segmentos da nossa sociedade quando se trata de algumas culturas em particular, como por exemplo a própria japonesa e a inglesa, diante da sua Família Real.

De uma certa forma isso pode ser explicado por uma expressão criada por Nelson Rodrigues e citada por um sábio (não é professor) da política brasileira nessa semana que finda; “complexo de vira-latas”.

Nenhum homem deveria se curvar diante de outro, mas, caso existisse esse homem diante do qual todos deveriam se curvar, este seria o professor.

Talvez nenhum outro.

Enumerar as razões para isso seria um exercício de pouca imaginação, o que não farei.

Seja como for e independente de opiniões pessoais e mesmo tradições culturais, pode-se imaginar a importância do professor em uma sociedade, qualquer que seja ela.

Dia do Trabalhador

Hoje é o Dia do Trabalhador, uma data da mais alta importância, razão pela qual festejada em todo o mundo.

Um dia criado para cravar a importância daquele que é a alma de um país.

Seja com festa, para festejar as conquistas, seja com protestos, para protestar contra as injustiças, um dia especial.

Um dia que não pertence ao profissional liberal.

Ele não se vê trabalhador.

No reino da meritocracia, a sua carteira profissional, por exemplo, deixa bem clara a sua merecida distinção; ele é um doutor.

Para dar um só exemplo, ele não pode ser preso em cela comum, misturado com todos.

Que objetivo têm as distinções que criamos para nós, seres privilegiados e predestinados?

O de nos fazer seres… distintos.

O profissional liberal, o doutor, enquanto professor (eles acham o máximo falar assim), tem carteira assinada?

Tem ou não tem?

“Enquanto professor”, ele está liberado para determinar as suas ações, ou subordinado a uma hierarquia à qual deve satisfações?

Mas, como uma vez disse um juiz de direito (não há erro de digitação) na sua peculiar sensibilidade, “na sua cabecinha” o doutor continua se vendo um profissional liberal.

Vendo-se ou não trabalhador (“enquanto” professor), é a esse professor que dedico o dia de hoje.

Dedico não só o dia de hoje, mas todos os dias, semanas, meses, anos e décadas que estão por vir, aos professores que de dentro do seu mundo particular e inatingível, o do ser professor diante do qual se curvariam todos os imperadores, por deixarem como legado para os nossos filhos e netos o futuro que já se apressou em se apresentar como presente.

Parasitas de uma sociedade que, admiradora dos seres diante dos quais até o imperador do Japão se curvaria, em boa parte se deixou levar pelas orientações e ensinamentos dos donos do saber que, do alto dos altares destinados aos deuses, a todos levaram de roldão, inclusive os seus incultos e incautos alunos, numa cruel, covarde e avassaladora corrente, que desagua nesse oceano de preconceitos, ódio e estupidez em que se transformou o Brasil.

A catástrofe anunciada em plena campanha eleitoral pelos homens que tomaram de assalto o país e o fazem com volúpia incontrolável com o ensino brasileiro aumenta ainda mais a perplexidade que começa a tomar conta da sociedade, que agora sente na pele a dor e a amargura de ter feito parte desse processo.

Mesmo não sendo trabalhadores, porque nos seus pequenos orgasmos se veem somente como profissionais liberais, o dia de hoje, o Dia do Trabalhado Brasileiro, deve ser dedicado a esses professores.

Professores que no seu atual habitat, as redes sociais, tentaram chamar para si a glória da reverência do curvar-se diante deles.

Não poderia haver ambiente mais adequado para quem hoje não alcança a dimensão do que é ser professor e nada mais almeja além da notoriedade fugaz dos tolos.

Foram pequenos, muito pequenos.

Pequenos continuarão.