Por Ronaldo Souza
Nunca descemos tão baixo, nunca fomos tão repulsivos.
Foi assim que o sociólogo Celso Rocha de Barros definiu a eleição de Bolsonaro no seu artigo No fundo do poço há o porão, na Folha, no dia 29 de outubro de 2018, portanto, há oito meses.
Sabendo-se do perfil de absurda ignorância, desequilíbrio mental e violência de Bolsonaro, ninguém podia ter dúvidas quanto ao seu completo despreparo para assumir qualquer coisa, fato já reconhecido por ele próprio.
E, no entanto, deram a ele a presidência do país.
Sendo assim e diante de tudo que temos ouvido, lido e visto nesses últimos anos, a essa altura já deveríamos estar acostumados com tudo e vacinados contra a burrice, a estupidez, a hipocrisia, o cinismo e até mesmo a canalhice.
Mas, não.
Eles não param de surpreender.
Por si só, a nomeação do ex-juiz Sergio Conje Moro como ministro da justiça do atual governo se tornou um escândalo internacional.
A nossa imprensa, como sempre, passou longe de qualquer comentário com o mínimo de dignidade e que trouxesse algo verdadeiro para a sociedade sobre a gravidade desse fato.
Mais uma vez, ela simplesmente escondeu a canalhice que envolvia a nomeação.
Mas a imprensa internacional, não.
Não só mostrou como deu ênfase à aberração que era nomear como ministro da justiça o juiz que prendeu o candidato que ganharia a eleição já no primeiro turno.
Ao prender o ex-presidente Lula, o Conje deixou o caminho livre para aquele que ocupava a segunda posição na disputa pela presidência.
Eleito o segundo pela prisão do primeiro, o homem que o prendeu ganhou o cargo de ministro da justiça no governo do eleito.
Nada poderia ser mais claro e indigno do que isso.
Mas “eles” acharam natural.
Nada também poderia ser mais natural do que eles acharem natural.
Durante todos esses últimos anos já tinham dado sinais evidentes de que para eles tudo seria normal e aceitável desde quando fosse contra aquele homem, agora feito prisioneiro.
Deixemos de lado as eleições presidenciais que foram disputadas por Serra e Alckmin, que dispensam comentários sobre o quanto estão envolvidos em corrupção.
Voltemos somente ao recentíssimo passado da disputa de Aécio com Dilma.
Qualquer analfabeto político saberia, ou pelo menos deveria suspeitar, quem era Aécio e qual o nível de seu envolvimento em corrupção.
Eles, não.
Também era natural que nenhum dos citados tivesse sido ou estivesse preso.
Faltavam provas?
Absolutamente.
Sem que ninguém o investigasse, surgiam provas contra Aécio todos os dias, mas que sequer eram consideradas.
Ele tinha a proteção dos deuses da impunidade.
Particularmente de um deles.
Soberano, onipotente, onipresente, intocável, ele pairava sobre o bem e o mal.
Na “Aécio Land”, rostinhos colados, olhares, sorrisos e risos, dançavam um bolero insano e cruel, embalados pela liberdade dos que a têm nas mãos e possuem o poder de oferecerem aos que podem desfruta-la.
Mas não vem ao caso.
Hoje, na sarjeta, vivendo nas trevas da história da política brasileira, Aécio vive a solidão dos renegados por quem o criou e apoiou.
E o que fazem “eles”?
Cara de paisagem, a dizer “não tive e não tenho nada a ver com isso”.
Como se todos fossem igualmente idiotas.
Ah, quantas coisas aconteceram!
Não vamos relembra-las, mas algumas considerações devem ser feitas.
Nesse espaço de tempo morreu o ministro do STF, Teori Zavascki, não sem antes repreender o Conje no episódio da gravação da conversa entre Dilma, presidenta do Brasil, e Lula, ex-presidente do país.
Faço questão de relembrar a analogia que se fez à época.
Foi comum ouvir-se dizer que uma gravação desse tipo entre Barack Obama e Bill Clinton poria o juiz na cadeia no outro dia.
O que fez o Conje?
Limitou-se a um tímido pedido de desculpas, que logo após a morte do ministro Zavascki foi desfeito.
À vontade após a morte do ministro, o Conje jogou carne para a matilha:
“Não me arrependo de forma nenhuma, embora tenha ficado consternado com a celeuma que a divulgação causou”.
Como se vê, um homem valente.
Uma atitude proibida pela Constituição Brasileira, um crime contra a segurança nacional teve o apoio da imprensa brasileira, do judiciário e foi plenamente aceito pelos seus seguidores.
Natural.
Soberano, onipotente, onipresente, intocável, ele pairava sobre o bem e o mal.
O juiz sabia que podia tudo. E muito mais.
The Intercept
Podia tudo e muito mais graças ao apoio irrestrito da imprensa.
Veja, Estadão, Folha, IstoÉ, Exame, Época… todos os canais de televisão.
A sintonia com a imprensa era absoluta.
À frente de todo o processo, o Sistema Globo de Comunicação.
A missão que lhe fora atribuída veio acompanhada de todos os poderes.
O Conje foi transformado em herói.
E eis que num domingo de outono o ferreiro conhece o ferro.
Diante do primeiro momento, pegos de surpresa, Moro e Dallagnol confirmaram a veracidade das notícias vazadas dos diálogos entre Moro e os procuradores da Lava Jato, agora conhecida como Vaza Jato.
Entenda, então, que a veracidade das notícias vazadas foi confirmada pelos dois, Moro e Dallagnol, e esta confirmação foi noticiada pela imprensa, inclusive a Globo, também pegada de surpresa.
Batman e Robin estavam em dificuldades.
Com eles, os produtores desse filme canalha e covarde; a Globo
Agora, oficial e definitivamente abraçados, morrerão afogados juntos e shallow now.
As tentativas de desviar o foco são patéticas, à altura de Moro e Dallagnol, medíocres que são.
Veja o que diz o jornalista Kennedy Alencar.
A Globo entrar nessa não deixa de surpreender, mas explica-se.
Bateu o desespero.
Alguém aí é capaz de imaginar por que só a Globo insiste em tentar protege-lo?
Agora tudo é culpa da invasão de hackers.
Rolou um vídeo em que um desesperado Dallagnol diz que a lava jato foi criminosamente invadida por hackers.
Que tipo de débil mental pode compartilhar aquele vídeo?
O pastor, que tem linha direta com Deus e por Ele foi incumbido da missão divina de combater a corrupção na Terra, sabe que dizer aquela estupidez completamente desconectada da realidade alcança essas pessoas, pelas quais o sentimento não é de repulsa, mas sim de pena.
Como conseguem não pensar o mínimo razoável?
A Polícia Federal solicitou os telefones celulares dos hackeados para fazer a perícia e assim chegar mais facilmente aos criminosos que invadiram a privacidade dos intocáveis.
Os Bolsoidiotas e Moroidiotas já se perguntaram qual a razão de Moro, Dallagnol e todos os procuradores se negarem a dar os telefones à PF?
E olha que a PF é órgão subordinado ao ministro da justiça, aquele ex-juiz que prendeu o candidato que ganharia a eleição no primeiro turno e depois…
O que talvez esses “jênios” não saibam é que se fala à boca pequena que existe uma parte da PF que não foi contaminada pela república de Curitiba.
É possível que tenha sido essa PF que pediu para fazer a perícia e não a outra.
Será que uma perícia nos celulares dos hackeados mostraria que os hackeados não foram hackeados?
O sorriso imbecilizado não consegue captar a gravidade da situação, mas o sorriso amarelo sim. É reflexo da submissão de quem percebe o quanto estão perdidos e do quanto ele particularmente precisa da proteção de alguém cujo equilíbrio psicológico sabe não existir.
O desespero é grande, mas para quem foi eleito através de uma grande farsa, enganar, mentir, trair, é uma arte.
Uma arte que os cartolas conhecem muito bem, mas o torcedor não.
Ele é amor e paixão e não vai aceitar que alguém, seja quem for, use o seu time de forma tão cínica.
Veja o que escrevi sobre o Conje no artigo Um juiz desmoralizado e perdido, em março de 2018, quando ele ainda estava no auge da popularidade:
Já digo há algum tempo que o juiz Sérgio Moro é um homem limitado.
Disse também lá no começo, quando o circo começou a ser armado, que ele sairia menor na sua empreitada e que, como o ex-ministro Joaquim Barbosa, seria mais um bagaço de fruta chupada a ser jogado pela janela.
Está sendo.
Pouco importa que Moro continue sendo protegido pela Globo.
Pouco importa que o mico e o Conje continuem sendo endeusados (cada vez mais por menos gente), pelos miquinhos amestrados, até pela insignificância deles.
Estão todos perdidos.
Estão todos desmoralizados.
“O fato de que o governo Bolsonaro agora já está sendo visto, a nível global, como falido, em crise, incapaz de governar, incapaz de passar o que eles tinham prometido, liderado por um alguém que tem um QI sub zoológico e impopular, e inclusive criticado dentro de setores do próprio Deep State americano, o Moro era um ativo desses caras. Os Estados Unidos tentam o tempo todo remexer as regras do tabuleiro. Moro já cumpriu o papel, o papel dele é o que ele fez até colocar o Lula na cadeia, depois disso pode jogar fora, não tem mais importância”
“Ele pode ter com certeza, e isso na hora que acontecer vocês todos vão ver, o famoso paraquedas dourado. Ele pode dar palestra em universidades americanas, publica um livro nos Estados Unidos e ganha um monte de dinheiro de direitos autorais, então esse paraquedas já está acertado. Não era exatamente o que o Moro queria, o Moro queria ser presidente, não vai rolar, não vai rolar porque ele era uma pecinha em um esquema muito maior”.
Pepe Escobar, jornalista especialista em geopolítica