Reconvexo

Reconvexo

Por Ronaldo Souza

A deselegância grosseira de um bobo

Poucos dias antes, Renato Gaúcho tinha questionado a competência de Jorge Jesus, o técnico do Flamengo.

“(…) ele tem uma seleção nas mãos, qualquer um é técnico assim. Ele tem o que, 65 anos? Com essa idade, qual o título importante que ele tem…?”.

Além de mais uma vez se autoelogiar e se autoproclamar o melhor técnico do Brasil, foi quase que literalmente com essas palavras que Renato Gaúcho pretendeu desqualificar Jorge Jesus.

Inaceitável.

Como explicar essa agressão?

Nada justifica.

Um visitante que deveria ser bem-vindo, como todos têm sido ao longo da história desse país.

Não bastasse isso, alguém cuja origem e ligação com a nossa própria História dispensa apresentações e comentários.

Dias depois, o triunfo do Bahia sobre o Grêmio.

Dispenso-me de qualquer comentário sobre o jogo em si, para o qual os comentaristas atribuíram a vitória do Bahia aos seus próprios méritos.

Por que, apesar de não cita-lo nominalmente, aquela agressividade com Roger Machado, afinal, como treinador do Bahia, ele era talvez a principal razão da derrota do time de Renato?

Ainda que a absoluta certeza da vitória antes da partida, que só a arrogância e prepotência possibilitam, permitisse a Renato ostentar a soberba que lhe é característica, por que a tentativa de tirar o mérito do Bahia com aquela deselegância grosseira?

A elegância sutil de Bobô

Zózimo (Barroso do Amaral), consagrado colunista social do Rio de Janeiro, não suportou.

Era demais para ele.

Um time baiano chegava ao topo do nosso futebol; o Bahia se sagrava, mais uma vez, campeão brasileiro.

Naquele time um jogador se destacava; Raimundo Nonato Tavares da Silva.

Não, você não o conhece.

Talvez o conheça como Bobô.

Um grande jogador, fora do padrão.

O fora do padrão não interessa, pelo contrário.

Ele é “sinônimo” de fora da ordem.

Baiano, para alguns ele era mais um “baiano”, para outros mais um “paraíba”.

Nordestino.

Sem fazer o vestibular do Sul (para entender essa expressão, leia Fecham-se as cortinas e termina o espetáculo), como bem definiu Alceu Valença, grande compositor/cantor pernambucano, Bobô foi convocado para a Seleção Brasileira jogando no futebol baiano, no futebol do Nordeste.

Direto da Bahia para a seleção brasileira.

E a carioquice de Zózimo não estava preparada para isso.

Como tem acontecido com frequência nos últimos tempos, o comentário pejorativo feito por Zózimo à época só expôs a causa de tudo que acontece neste país; o preconceito.

Preconceito que encontra nas mentes frágeis a sua morada ideal.

O futebol de Bobô nasceu na Bahia.

O futebol de Bobô se fez na Bahia.

A “elegância sutil de Bobô” era baiana.

E aquela elegância sutil não era comumente vista entre muitos daqueles que, como ele, jogavam futebol.

Ele não fazia parte da corrente.

Estava um pouco à margem dela.

Era, portanto, um marginal.

Um estranho no ninho.

Não, não é comum que alguém que não seja do “sul maravilha” ou que não tenha “passado” por lá se destaque no Brasil.

Não se aceita.

Aproveito mais um pouco de Caetano Veloso, quando ele diz em outra de suas belas músicas que “alguma coisa está fora da ordem, fora da ordem mundial…”, para dizer que muita coisa está fora da ordem.

Entretanto, não haveremos de permitir a grosseria, a tentativa de desqualificação das pessoas, o xingamento, a ofensa, a agressão gratuita.

Nada disso pode se incorporar a um povo que sempre teve como característica marcante tentar com todas suas forças  espaços iguais para os Bobôs e Renatos.

Particularmente a Bahia e o Bahia, que apresentaram Bobô ao Brasil, mas souberam receber muito bem Renato Gaúcho quando aqui esteve como técnico do Bahia e agora o faz com Roger Machado que, como Renato, é mais um gaúcho que nos honra com a sua presença.

Veja um trecho da entrevista de Roger à revista Época:

Época: Hoje o senhor mora em Salvador, cidade de população majoritariamente negra. Isso também estimula a falar sobre racismo?

Roger: Há uns dias, estava trocando mensagens com Guilherme (Bellintani, presidente do Bahia) e disse: “Hoje eu acordei com uma sensação de pertencimento tão grande a esse lugar e estou tão feliz de estar aqui no clube”.  Depois de minha manifestação, novamente a gente trocou mensagens e lembrei dessa conversa. Disse para ele que a Bahia e o Bahia me empoderaram para que eu tivesse a coragem de dar aquela declaração. O fato de, hoje, estar inserido nesse contexto me ajudou muito a dar aquela resposta sobre o tema.

A Bahia soube e sabe entender Renato, mas se permite amar Roger.

A Bahia, com sua eterna magia e beleza, estará sempre de braços abertos.

O Bahia, o primeiro campeão brasileiro, o primeiro time do Brasil a disputar a Libertadores, retoma o seu lugar no futebol brasileiro.

Um clube que se renova, inova e assume, mais uma vez, o pioneirismo que faz parte da sua história ao promover ações sociais jamais vistas no futebol.

Se a Bahia é o berço do Brasil é também a consolidação da sua independência, pois foi aqui que se deu a confirmação da Independência do Brasil.

Como reza a nossa tradição, estaremos sempre de braços abertos, para todos e, como demonstram as suas histórias, a Bahia e o Bahia representam um povo que se formou na luta e por isso sabe absorver como poucos eventuais agressões sofridas aqui e ali.

Somos assim.

Continuaremos sendo assim.

Com a elegância sutil de Bobô.