Os velhos guerreiros de sempre

Dezoito de outubro de 2010. A noite que se fez dia.

O Teatro Casa Grande, local de encontros e memoráveis histórias da vida brasileira, transformava-se outra vez no palco da vida.

Ali estavam, mais uma vez, aqueles jovens: Alceu Valença, Alcione, Antônio Pitanga, Beth Carvalho, Chico Buarque, Chico César, Emir Sader, Fernando Morais, Hugo Carvana, Jonas Bloch, Leonardo Boff, Lucy Barreto, Luis Carlos Barreto, Marieta Severo, Marilena Chauí, Oscar Niemeyer, Paulo Betti, Ziraldo, e tantos outros espalhados pelo palco e pela platéia.

Artistas, intelectuais, pessoas anônimas, que não vão na onda, tenha ela a cor que tiver. Eles fazem a onda. Como canta Geraldo Vandré, “quem sabe faz a hora, não espera acontecer”. Foi o povo mostrando que ali se praticava a verdadeira liberdade de expressão, que ali se manifestava, com o ímpeto de outros momentos, a cidadania, na mais pura acepção da palavra.

Naquela noite eles foram dormir comigo, o sono repousante, o sono dos guerreiros, o sono dos sonhos… e foram eles que me acordaram no meio da madrugada: acorde companheiro. Não é hora de dormir, vamos à luta.

Obrigado, segundo turno. Obrigado por me permitir ver, rever, reviver, esse momento de sopro de vida e de esperança.

Obrigado por me permitir mostrar às minhas filhas; viram o que seu pai sempre falou, viram a geração à qual ele pertence, que com ele lutou, perdeu, ganhou, riu, chorou, mas sempre foi vencedora? Obrigado por me permitir mostrar a elas que a vida só ganha essa dimensão quando vivida por ideais.

Obrigado por mostrar às novas gerações: este é o país que nos abrigou durante a luta quando esta se fez necessária. Este é o país que resiste e se apresenta em mais um momento em que a luta se faz outra vez necessária. Este é o país que queremos lhes entregar.

O país de um povo que, mais uma vez agredido por aqueles que dizem protege-lo, foi às ruas, se mobilizou, promoveu uma rede de ações e reações, varou a madrugada na porta de gráficas para impedir que panfletos apócrifos cumprissem o seu papel covarde. Como nos velhos tempos.

O que faz um homem de 102 anos de idade, em cadeira de rodas, não só comparecer a um evento como lá permanecer por mais de 2 horas e sair somente no final, quase à meia-noite? O que pensa e quer Oscar Niemeyer? Só uma palavra define isso: SONHO.

O que faz uma menina de 19 anos de idade abandonar o conforto e aconchego da família e dos amigos e se dedicar a uma causa sob risco de vida? SONHO.

Muitos não sabem o que é isso, essa paixão não corre nas veias deles, essa paixão só corre nas veias dos sonhadores e eles acham que sonhadores não são nada. Não conhecem a força dos sonhos, das utopias. Mas, deviam conhecer. Já a viram antes.

Quando vão aprender que Oscar Niemeyer não morrerá? Quem tem grandes sonhos não morre. Quando vão perceber que Chico Buarque, mesmo com o leite derramado, continua cantando “Apesar de você”? Quando vão aprender que ali estavam os artistas, os verdadeiros artistas, não os das luzes da ribalta, mas da vida, unidos outra vez pela força de algo que não se vê, e por isso incompreendido por quem não sente ferver no seu íntimo essa paixão: a arte de viver o eterno sonho.

Esse é o gosto e o sumo da vida.