Carta aberta à CNBB

Ilmo. Pe. Antônio Silva da Paixão,
Subsecretário Adjunto Geral da CNBB
 

Atrevo-me a conversar com homens de grande saber e história de dedicação às coisas do Brasil. O que me leva a fazer isso é o fato de também me ver com uma história pessoal de dedicação às coisas do Brasil, ainda que num plano muito inferior de importância e alcance.

A atual campanha para a eleição do presidente do Brasil tomou um rumo jamais visto. Não se tem conhecimento de tamanha ação difamatória e, perdoem-me a violência que a apalavra pode assumir, de covardia.

Existem várias formas de se fazer campanha para presidente da república. Acredito que não caio em pecado ao afirmar que o Sr. José Serra e os partidos políticos que o apoiam escolheram a pior: a da sordidez. A condução pelo lado mais obscuro da vida humana não chegou aos seus limites, na verdade ultrapassou todas as fronteiras da dignidade humana, com muitas mentiras, manipulação e ocultação de notícias.

Dentro desse jogo sujo, chegou-se ao cúmulo de se tentar destruir o oponente por meio de eventuais preferências sexuais, disseminando-se que a mulher, mãe, avó, Dilma Roussef seria homossexual (na verdade, faz-se questão de se usar a expressão lésbica, que traz embutido um tom mais forte ainda).

Essa farsa, já foi desmascarada pela inexistência de processo nesse sentido em qualquer canto do Brasil, como também do advogado citado como à frente do processo: não há registro do tal advogado em nenhuma regional da OAB, muito menos na OAB federal. Mesmo assim, continua sendo utilizada, procurando tirar proveito da inocência dos humildes (Bem – aventurados os pobres (humildes) de espírito; porque deles é o reino dos Céus. (Mateus, V.5).

Passar-se por algo que não se é não parece ser atitude recomendável, mesmo na vida política. Entretanto, mais uma vez, a farsa, violência e covardia se manifestaram com toda a força que é possível neste momento ao se atribuir à Dilma Roussef a condição de Anti-Cristo. Entre outras questões, seria essa mulher absolutamente a favor do aborto, em qualquer circunstância.

Perdoem-me pela veemência das minhas palavras, que só refletem a minha indignação, mas que hipocrisia é essa que assola o país, que permite que tema tão complexo e delicado seja conduzido pelas trevas da ignorância, aproveitando-se da religiosidade das pessoas de boa fé? Por que, de repente, tema tão complexo e delicado é trazido vergonhosamente à tona nesse momento. Não sabem o Sr. José Serra, os partidos e a imprensa que o apoiam que isso não é atribuição da presidência da república, mas sim do CONGRESSO BRASILEIRO?

Essa hipocrisia tem raízes bem fincadas, por aqueles que têm outros interesses que não o bem estar de um povo sofrido, maltratado, agredido, e que sistematicamente tem recorrido à sua fé para suportar tanta aflição. Povo agredido diariamente na sua cidadania, palavra tão usada pela mesma imprensa na sua tarefa diária de disseminar a ignorância e dela também se alimentar.

A Igreja Católica tem tido participação fundamental nas coisas do Brasil, em todos os momentos, pondo-se sempre ao lado do povo. E parece que o atual governo também tem agido da mesma maneira

Será que existiu um outro presidente do Brasil com as profundas ligações com a Igreja Católica como o atual presidente, o senhor Luis Inácio Lula da Silva? Será que existiu uma primeira dama com as profundas ligações com a Igreja Católica e à sagrada instituição, como dita pela Igreja, do casamento? “O que Deus uniu nem o homem separa”. Que presidente e primeira dama foram mais fiéis e felizes no casamento, com a felicidade de ambos demonstrada nas mínimas coisas do seu dia-a-dia, e por isso servem como exemplo ao povo brasileiro de respeito e obediência aos Mandamentos da Lei de Deus?

É esse homem que apresenta à sociedade brasileira a Sra. Dilma Rousseff e avaliza a sua candidatura. Não consigo acreditar que ele o faria se não visse nela o mesmo respeito aos religiosos do Brasil. Foi esse homem, que à frente dos destinos do Brasil, deu ao seu povo humilde, o mesmo que sempre recorreu à Igreja para aliviar as suas aflições, uma vida mais digna. Não são esses os ensinamentos de Cristo? Que outro governo promoveu essa ação a favor do povo brasileiro? Que outro governo promoveu a saída de milhões de brasileiros da miséria?

Isso está refletido no texto de Dom Redovino Rizzardo, “O Brasil vai bem e o povo é feliz!”, postado no site da CNBB nesta sexta-feira, 15/10/2010. Segundo Dom Redovino, “em meados de julho, alguns órgãos de informação transmitiram uma notícia que deixou muita gente surpresa: entre 155 países pesquisados pelo Instituto Gallup (pesquisa efetuada entre os anos de 2005 e 2009), o Brasil ocupa o 12º lugar no ranking da felicidade”, superando os Estados Unidos, em 14º lugar, país tão utilizado como referência para o nosso povo. O Brasil acabou de ser apontado agora como líder mundial no combate à fome.

São razões como essas que me deixam perplexo diante do atual momento. Alguns padres, representantes da Igreja Católica, têm sistematicamente feito declarações que claramente induzem a não votar na Sra. Dilma Rousseff, a candidata que nos foi apresentada pelo atual presidente da república como a pessoa que vai continuar trabalhando pelo bem do Brasil, sem perder de vista o seu povo mais humilde.

O argumento dos referidos padres é o de que Dilma Rousseff seria a favor do aborto. A Igreja Católica, como as demais, conhece, e muito bem, a posição de Lula a esse respeito. A sua religiosidade e a de Dona Marisa jamais adotariam uma posição a favor do aborto. Mas, a Igreja Católica também sabe que, como presidente, ele não pode, isso não lhe é permitido, negar à sociedade brasileira a discussão sobre esse tema, discussão essa que teria necessariamente a participação da Igreja, com todo o peso da sua importância para o povo brasileiro.

Dilma Rousseff já afirmou reiteradas vezes que essa é a posição dela, aliás, a mesma de outra mulher, evangélica, que disputou as eleições no primeiro turno, a Sra. Marina Silva.

Não se comentou que Dilma Rousseff, mesmo sob o intenso bombardeio que a expôs ao mundo como mulher sem religiosidade, não foi flagrada em missas e cultos evangélicos com a bíblia na mão, rezando ao lado dos fiéi
s, como se aquilo fosse uma constante na sua vida. As Igrejas sabem que católicos rezam nas missas católicas e evangélicos rezam nos cultos evangélicos.

Ela não foi flagrada nas casas de pessoas humildes lendo trechos da Bíblia. Buscou o apoio das Igrejas, até pelos ataques violentos que sofreu, mas, na sua dignidade, não usou a fé das pessoas com objetivo eleitoral. Infelizmente, não vi esse fato ser destacado pelos padres que a atacam.

Como se tudo isso não bastasse, senhores, a esposa do Sr. José Serra, Mônica Serra, flagrada pela imprensa dizendo às pessoas que Dilma Roussef “manda matar criancinhas”, foi agora denunciada pela imprensa como uma mulher que recorreu ao aborto em determinado momento de maior dificuldade na sua vida. Não quero fazer juízo de valor sobre a atitude da Sra.Mônica Serra e respeito as suas razões, mas não consegui ver por parte desses padres qualquer manifestação a esse respeito. Se essa era a questão, qual será a postura deles agora?

Alguém poderia, e poderá, dizer que não há provas. Que provas exigiram para espalhar que Dilma Rousseff é homossexual e estaria sendo processada pela amante? Que provas exigiram para espalhar que Dilma Rousseff é a favor do aborto? Que provas exigiram para espalhar que Dilma Rousseff disse que “nem Cristo tiraria a vitória dela”?

Senhores bispos e padres, perdoem-me a perplexidade, e não interpretem como nada além disso, por imaginar que os últimos acontecimentos parecem ter o aval da CNBB. É o que se ouve nas ruas. Padres importantes de setores da CNBB, portanto, representantes da Igreja Católica, fazem homilias violentas contra Lula e Dilma Rousseff, mostrando-os como chefes de uma “corja de patifes”, como fez o Padre Paulo Ricardo de Azevedo Nunes, e não se tem notícia da posição da CNBB. Recuso-me a acreditar que, de fato, há esse aval.

Pela formação católica de toda a minha família, mas, sobretudo, pelo sofrido e agora sem rumo povo brasileiro, acredito ter caráter urgente a necessidade da comunicação oficial da posição da CNBB frente a tão importante momento da nação brasileira.

Atenciosamente,
Ronaldo Araújo Souza