Há algum tempo um grande amigo me disse uma coisa que achei interessante: para mim, a melhor revista brasileira é a Carta Capital.
Tempos depois, ele disse que não tinha renovado a assinatura da Carta Capital, porque ela tinha assumido Lula como seu candidato preferido para a presidência da república e ao fazer isso deixaria, segundo ele, de ser neutra. Não contra-argumentei, acho até que não soube. As eleições ocorreram e Lula foi eleito. Em vista dos últimos acontecimentos, creio que estou precisando conversar com ele.
Quando terminou o primeiro turno da atual campanha, Lula disse: foi uma benção de Deus ter o segundo turno. Por que ele teria dito isso?
Na atual campanha, alguns aspectos me chamaram a atenção. Como esse meu amigo é um cara muito inteligente, tenho quase certeza de que ele percebeu que a grande (?) imprensa assumiu Serra como seu candidato.
A grande diferença com relação à Carta Capital é que a grande (?) imprensa não assumiu a sua preferência “oficialmente”. Ela o fez pelo pior caminho: o do subterfúgio. E “não seria nada demais” se só isso fosse. Ela está fazendo uso do possível, do impossível, do além do impossível, e desceu ao esgoto do jornalismo.
A aquele meu amigo digo agora: a Carta Capital assumiu a sua preferência desde cedo e voltou a faze-lo agora nessas eleições. Desde o início ela deixou claro que Dilma Roussef era a sua candidata. E ao fazer isso, trabalhou à luz do dia. Já li vários textos dessa revista com críticas a Lula, aliás, com as quais concordo.
Determinados segmentos da sociedade brasileira têm tido dificuldades em ver algumas coisas, que não caberia detalhar aqui, sob risco de tornar muito longo esse texto. Mas causa grande perplexidade quando essa incapacidade mostra as suas raízes fincadas nos segmentos mais “informados” da população. Estarão desinformados ou será outra coisa?
A imagem de político competente acompanha José Serra e tornou-se um slogan da sua campanha. Não sou jornalista e muito menos analista político, razão pela qual jamais emitira opinião sobre isso.
Os debates do primeiro turno tendem a ser mornos, graças às suas regras rígidas e consequente dispersão dos temas. Foi assim nessa eleição. Um candidato de história conhecida e irretocável foi performático, provocou risos em alguns momentos, mas não conseguiu levar esses risos para a sua campanha. Uma candidata certinha, tentando mostrar o verde das árvores, com um discurso, eu diria, sem muita consistência, mas que encantou muitos eleitores, uma candidata tentando manter a vantagem registrada nas pesquisas e um candidato preparado.
E viemos para o segundo turno, com certo desalento para uma candidata e esperança renovada para outro. Aí as coisas mudaram.
Veio o 1o debate da Rede Bandeirantes. Agora, com tempo mais adequado para a exposição de idéias, de um mínimo de planejamento, não havia como fugir do confronto direto. E a pior coisa do mundo é o confronto direto quando não há o que confrontar, ou quando não se está preparado para confrontar.
O candidato preparado se mostrou inteiramente despreparado. A sua fragilidade e inconsistência saltaram aos olhos e chegou a incomodar, mesmo aos que lhe eram simpatizantes. Como dizia a candidata que se opunha a ele, a tergiversação foi a saída em vários momentos e esta é a maneira mais direta de dizer: não sei o que dizer.
Diante da afirmativa de Dilma Roussef de que ele paralisou dois projetos importantes de Geraldo Alckmin (Serra já tentou bloquear Alckmin algumas vezes, para não deixá-lo crescer dentro do PSDB e fazer sombra a ele) para São Paulo, e depois de divagar no éter, ele disse: “…o Alckmin é meu amigo. Pergunte a ele em quem ele vota”. Realmente, uma resposta de inteligência e sensibilidade invejáveis.
Desde o início, todos sabem que Serra e o PSDB/DEM/PPS tentaram ridicularizar o Bolsa Família, chamando-o de bolsa esmola. Vem o debate e ele diz que “eu e o Perillo (governador de Goiás pelo PSDB) fizemos o Bolsa Família”!!! O que é isso, gente? No mínimo, estelionato.
A coisa foi tão feia que Serra não foi capaz de defender nem a mulher dele, senhora Mônica Serra, figura importante da sociedade, que esqueceu a elegância que seria compatível com a sua posição ao sair afirmando aos incultos e incautos que “Dilma é a favor de matar criancinhas” (usava-se muito isso na década de 1950). Serra ficou calado nas duas vezes em que Dilma Roussef se reportou à difamação disseminada por D. Mônica Serra. Esta, sorridente estava, sorridente ficou.
No debate, a arte de jogar bordões ao léu:
Falando de educação: “… isso é fundamental, eu vou criar mais escolas, vou colocar 2 professores em cada sala de aula, precisamos de escolas técnicas, escolas profissionalizantes, pagar salários dignos aos professores”.
Falando de segurança: “vou criar o ministério da segurança, vou colocar polícia nas fronteiras, temos que melhorar o salário dos policiais” (um dos piores salários de policiais no Brasil é o de São Paulo, o estado mais rico do Brasil, ao ponto de ficar conhecido como PSDB-piores salários do Brasil) e Dilma disse a ele. Dá para imaginar milhares de policiais “espalhados” por uma fronteira de 8 mil quilômetros?
Falando de saúde: “vou fazer muitos mutirões de cirurgia, vamos fazer clínicas especializadas, tornarei os remédios mais baratos”.
Serra é o inverso do que a imprensa quer fazer dele. Ele não está preparado para governar nem São Paulo, quanto mais o Brasil. Os paulistas merecem um governo melhor. Foi um desgoverno o que ele fez em São Paulo na sua última gestão. E agora entendo porque alguns comentaristas políticos dizem que ele se ausenta nas horas mais difíceis. Assim ele se comportou nas constantes greves dos professores de São Paulo (e vai salvar o ensino no Brasil colocando dois professores em cada sala de aula). Nas recentes enchentes de São Paulo ele demorou alguns dias para se manifestar como governador. No episódio da cratera que se abriu em função das obras do metrô e que causou a morte de algumas pessoas, ele demorou, se não me engano, quatro dias para aparecer e dar explicações. E por aí vai. Sobre o caso de Paulo Vieira de Souza, conhecido como Paulo Preto, de cuja questão ele fugiu duas vezes, não dá para falar aqui porque o texto ficaria muito longo, mas
Lamentavelmente, tenho que dizer: a imprensa foi irresponsável ao dizer durante todo esse tempo, visando a sua campanha para a presidência, que Serra foi um prefeito e governador competente.
Vou me arriscar em uma previsão aqui. Se Serra não for eleito, podem esperar que a própria imprensa, sabendo que esta terá sido a sua chance, vai se encarregar de desconstruí-lo. Aliás, ela já fez isso no primeiro turno. Várias reportagens e artigos já vinham jogando a culpa do que seria a derrota no primeiro turno nas costas dele. O que ocorreu é que, graças à imprensa, fez-se o segundo turno.
Mas observem que não foi graças a ele, que não cresceu absolutamente nada na campanha. A imprensa, sempre ao seu lado, começou a “abrir” espaço para Marina Silva que, inocentemente, acreditou que ela estava ao seu lado. Não, a imprensa viu nela a única chance de fazer acontecer o segundo turno. Lembrem-se da subida repentina de Marina na reta final da campanha. Nem a ele nem ao partido a sua eventual eleição deve ser computada, mas à imprensa. A imprensa sabe que ele é fraco. Aliás, até o vice dele, que é uma brincadeira de mau gosto, sabe que ele é fraco.
O meu amigo deve ter ficado chocado quando a Veja e o Estadão nos deixaram perplexos na semana da eleição, ao anunciarem “oficialmente” a sua preferência por José Serra. Interessante, eu não tinha percebido, não deu para notar. Só falta agora a Globo (esta, devido à sua conhecida “neutralidade”, jamais assumirá) e a Folha fazerem o mesmo.
Um parêntese para uma pergunta: onde está Marina? Vocês não acham que, por conta da tal onda verde, ela deveria estar mais presente no noticiário? Ela deve estar vivendo os últimos minutos de glória que lhe foram concedidos pela imprensa. Vejam daqui para a frente se ela ocupará o mesmo espaço na mídia. A única maneira de ela continuar na mídia é declarando seu apoio a Serra.
O candidato José Serra não detalha nenhum dos pontos abordados. Ele sobrevoa as questões, jogando palavras ao vento. Você conhece aquele cara que lê as manchetes e sai discutindo, “mostrando” conhecimento. Serra possui uma profundidade rasa que dói. Não precisa ser jornalista ou analista político para perceber isso, basta ter percepção. Agora entendo porque Lula disse: foi uma benção de Deus ter o segundo turno.
Gente, foi triste.