Religião e política

Vejo há algum tempo o “desconforto” que setores da imprensa, justamente os mais fortes, e o segmento da sociedade que eles representam, sentem com o atual presidente da república. Isso explica a agressividade com que ambos, imprensa e esse segmento da sociedade, o trataram ao longo dos seus dois mandatos.

Não esperava, porém, que essa rejeição chegasse aos níveis atuais e explico porque. Falar da condição que o Brasil ostenta perante o mundo seria perda de tempo: todo o mundo sabe disso. Quero falar de outro aspecto.

O atual presidente da república, todos sabemos, não possui o linguajar e o fino trato dos doutores, das pessoas de bem desse país, o que faz com que ele não pertença a aquilo que se chama de elite brasileira.

A rigor, não existe uma elite, existem elites. Elite intelectual, social…, e em alguns casos as pessoas se põem como membros de mais de uma delas. O atual presidente da república não pertence a elas. Não se pode conceber como membro de uma elite um homem com a sua formação.

Costuma-se imaginar que os membros da elite são, digamos, pessoas especiais, de saber, de fino trato. Nesse sentido, a minha decepção não vem de agora. Sempre me causa estranheza, e profunda irritação, que, por exemplo, ao deixarem os seus filhos nas escolas, os pais parem/estacionem os carros sem nenhuma preocupação com regras elementares de cidadania, no caso específico educação no trânsito. São escolas particulares, para pessoas de boa condição financeira, são carros caros, pessoas com formação superior (elite financeira e social), mas, ali, “elevam-se” à condição de seres com educação primária. Não importa, são membros da elite.

Pela convivência em nome da sociabilidade, isso é aturado no dia-a-dia todos os dias, todas as semanas, todos os meses, todos os anos. Diante dessa convivência tão intensa, não fica difícil imaginar que nos tornamos craques no trato social, com um altíssimo preço a pagar. Não sou um craque, mas tenho feito os meus gols.

Recentemente, porém, tenho tido forte impressão de que as elites abandonaram qualquer vínculo com a civilidade, e vivem os seus melhores tempos de instintos primários, sem controle.

Na atual campanha política para a presidência da república, particularmente esta, o comportamento assumido pelos setores mais elitizados da sociedade não beira, chegou ao que há de mais inferior, de mais sub-mundo. Pior ainda, não teve nenhum pudor em usar qualquer possibilidade que lhe surgisse à frente. A radicalização foi absoluta.

Confesso que aceitaria, não de bom grado, que esse comportamento se manifestasse nas pessoas tidas como sem nenhuma formação, ou mesmo naquelas de formação precária. Não, ele tem origem justamente naquelas classes tidas como superiores.

E foi a partir desses setores que essas manifestações se disseminaram pelos diversos segmentos da sociedade, inclusive o religioso, com uma virulência jamais vista. Católicos, evangélicos, todos foram igualmente envolvidos numa perseguição a uma mulher.

De membro de uma corja de patifes, passando por cafajeste, terrorista, assassina, matadora de criancinhas, a sexualmente pervertida, ela já foi chamada. Não quero falar da inexistência de qualquer documento que desse o mínimo de respaldo a afirmativas tão violentas a um ser humano. Não é sobre isso que quero falar. Neste momento, saio da discussão político/social e me permito seguir outro caminho.

À minha mente só chega um sentimento, o de absoluta perplexidade. Como católicos, evangélicos, espíritas, todos, independente da opção religiosa, ligados a um mundo espiritual, se deixam levar tão facilmente por sentimentos de ira, perseguição, destruição de um ser humano, ainda mais quando esse ser humano é uma mulher. A mulher, o mais sublime dos seres, porque ela é a mãe de todos nós.

Particularmente na Internet, “correntes” foram criadas para acorrentar uma mulher ao preconceito, à ira, à perseguição, aos mais baixos sentimentos do ser humano, sentimentos esses absolutamente incompatíveis com a religiosidade do brasileiro.

Induzidos por poderosíssimos meios de comunicação perdemos o que tínhamos de melhor; a boa fé, a bondade, o afeto e respeito às pessoas. Induzidos por poderosíssimos meios de comunicação, deixamos de lado importante preceito de Deus, quando Ele diz que “não darás falso testemunho contra o teu próximo”.

Qual é o princípio básico da lei de Deus? A Bíblia diz em Romanos 13:10 “O que ama ao seu próximo não lhe faz nenhum mal. Pois o amor é o cumprimento total da lei.” Ao pregarem sentimentos de condenação e revolta, padres e pastores se afastaram da Palavra de Deus. Passaram a pregar a palavra do homem.

À luz da religião somos todos pecadores, portanto, não nos cabe, com os nossos pecados, assumir o papel do Criador. Só a Ele caberia julgar os homens e mulheres.

Que todos possamos escolher e votar nos nossos candidatos, permitindo e respeitando a escolha de cada um, esse é o nosso papel. Para alguém religioso, o pensamento deverá estar voltado para Deus. Não pequemos mais do que já o fazemos. E que Ele nos perdoe por esse momento em que nos esquecemos inteiramente das Suas palavras.