Bonner e o Lula Lá

Por Ângela Carrato, no Vi o Mundo

Alguns estudiosos da mídia brasileira localizam nas Jornadas de junho de 2013 o início do golpismo que desembocou na vitória de Bolsonaro.

Considero adequado, no entanto, recuar mais e ir a 2005, quando da denúncia dos dois mensalões, um do PT e outro do PSDB.

O do PT foi julgado e condenado. O do PSDB, se não caducou, está prestes e ninguém fala mais no assunto, apesar das toneladas de provas contra os tucanos.

Quem não se lembra também das transmissões diretas e de todo o espetáculo que a mídia brasileira, Globo à frente, fez desses julgamentos?

Quem não se lembra do estigma de corrupto que passou a pesar sobre a maior parte da esquerda brasileira?

Estigma que a Operação Lava Jato, com a inestimável parceria da mídia, soube em muito ampliar, a ponto do ex-presidente Lula ter sido julgado, condenado sem provas e preso sob o aplauso de comentaristas e colunistas dessas emissoras.

Mesmo tendo passado a receber a visita de estadistas, políticos nacionais e internacionais, artistas, intelectuais e sindicalistas, essa mídia nunca se dignou, nos 580 dias em que Lula esteve em uma cela em Curitiba, a dar qualquer notícia sobre ele e nem a entrevistá-lo.

Ao contrário dos principais veículos da mídia internacional, que fizeram fila para ouvir Lula, a brasileira, Globo à frente, continua fingindo que ele não existe.

Nada foi dito sobre a viagem que Lula fez a Paris, para receber o título de cidadão honorário e nem de seus encontros com os principais estadistas europeus.

Nenhuma crítica de Lula ou de quem quer que seja que questione os princípios ultraliberais do governo Bolsonaro na economia vai ao ar na Globo.

A emissora da família Marinho igualmente impede que as propostas do PT e de governadores como Flávio Dino (PCdoB), do Maranhão, para enfrentar a crise provocada pelo coronavírus cheguem ao conhecimento público.

Quem sabe, por exemplo, que o PT está propondo um seguro quarentena de R$1.045,00 para todos os beneficiários do Programa Bolsa Família, para inscritos no Cadastro Único do governo federal e todos os trabalhadores informais?

Quem sabe que vários pedidos de impeachment de Bolsonaro já foram protocolados na Câmara dos Deputados e o presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), insiste em não dar andamento a eles?

Apesar disso, a Associação Brasileira das Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), lobby empresarial que tem como presidente Paulo Tonet Camargo, executivo de Relações Institucionais do Grupo Globo, veio a público na semana passada para criticar as agressões do governo federal contra a mídia e reafirmar o compromisso de seus associados com “a imparcialidade” da notícia e denunciar que “desinformação mata”.

Daí a situação quase cômica vivida pelo âncora do Jornal Nacional, Willian Bonner, na sexta-feira (18/03), quando pediu desculpas aos telespectadores por um áudio com o jingle “Lula Lá” ter ido indevidamente ao ar.

Melhor seria se ele tivesse pedido desculpas por Lula estar proibido, pela direção do Grupo Globo, de ir ao ar num veículo que se diz  “imparcial”.