Por Ronaldo Souza
Cometi um erro.
Um erro que incomoda e me deixa inquieto.
Tenho como atenuante o fato de que para evitá-lo precisaria ter um grande conhecimento além das fronteiras da minha atividade profissional.
Precisaria estudar muito sobre História, Antropologia, Sociologia…
Não haveria como e isso me traz algum conforto.
Esse conforto, entretanto, não significa paz de espírito.
Apesar de sabe-los normais, não gosto de me ver cometendo erros, muito menos os maiores.
Uma vez que o meu deficit de conhecimento é culpa minha, de mais ninguém, não posso usá-lo para me acomodar. Não posso aceitar a minha ignorância e nela me esconder.
Ainda que não se perceba, a ignorância é o pior esconderijo.
Ler, pensar, buscar compreender, procurar mentes parecidas, conhecer um pouco mais do que é capaz o ser humano, a consciência de tudo isso não me permite aceitar a zona de conforto.
Zona de conforto é acomodação.
Acomodação é sinônimo de aceitação.
Não aceito aceitar.
Caetano Veloso, jovem, disse que é proibido proibir!
Eu, ontem, hoje e amanhã, digo que é inaceitável aceitar!
Quando falei da imagem acima em um texto anterior, reportei-me a ela como algo medíocre e ridículo, como de fato é.
Os adolescentes dessa imagem talvez tenham um dia pensado em fazer parte de uma cavalaria partindo para enfrentar os índios malvados e bandidos, como nas nossas tardes de matinê.
Em seus sonhos, tinham à frente John Wayne, como o seu país, o xerife do mundo.
Aí está o meu pecado.
Essa e outras imagens significam algo bem mais profundo.
Não mais somente um desejo, mas o projeto em andamento.
Como sempre, fala mais alto nesses momentos o espírito de colonizados que muitos brasileiros possuem e nos últimos tempos já escancararam.
Em outros lugares, onde determinados projetos foram levados adiante (fontes de inspiração para o projeto tupiniquim, certamente), havia, em primeiro lugar, a originalidade, que poucas vezes se deixa superar pelas cópias, ainda mais quando grosseiras, como costumam ser.
Também havia um pouco mais de… talento, digamos assim.
Talvez só os historiadores e biógrafos de Mussolini possam confirmar, mas, possivelmente ele ainda guardava em si muito do adolescente.
De modo geral, o desenvolvimento da estrutura psicológica, consequentemente do comportamento, de alguns deles fica ali, na adolescência.
Ele tinha, por exemplo, o hábito de mandar dizer à população o local, dia e horário em que ia nadar. E muitas vezes o fazia com seu séquito. Em momentos assim, é fundamental passar a imagem de combatentes unidos por alguma causa. Ajuda muito a criar o imaginário da população.
Com um corpo invejável para sua idade, a exibição era necessária, afinal o ego precisa ser alimentado. Ao mesmo tempo, porém, sabia o que aquilo significava para a população.
A exibição era necessária, ainda mais para aquele segmento de homens e mulheres menos favorecidos de atributos intelectuais.
Entenda “intelectual” não como o homem/mulher culto, com grande conhecimento formal, mas como alguém com inteligência e conhecimento mínimos, que permitam o ato de pensar, refletir.
Com a alma colonizada, o brasileiro não se cansa de ser cópia.
Nesse sentido, o episódio em Praia Grande (SP) é pedagógico.
Cópias jamais serão originais!
A nossa cópia, entre outras coisas, nem de longe apresenta, por exemplo, a compleição física que se aproxime daquela de Mussolini.
Por mais que o sentimento de perda dos que não são mais seja “compensado” pela necessidade de dizer que já foram, um ‘ex’ não é mais!
Pior ainda, há até casos conhecidos de ‘ex’ que nunca foi.
Diante do espelho da vida, dizer-se um ex-atleta, por exemplo, pode representar o abismo da frustração mal resolvida de alguém que imagina ter sido um dia.
Ser o que o tempo não mais permite ser é uma necessidade dos que não se encontram.
Estão desajustados consigo mesmo.
O mundo sofre com as consequências disso.
Aqui, nesse pobre quintal do mundo em que foi transformado o país, a incapacidade não permite ir além de imitar e se tornar mais uma vez cópia de péssimo gosto e qualidade.
Veja o que ocorreu na Praia Grande (SP), no dia 01 de janeiro de 2021.
O relato de alguém que presenciou a cena, com Ester Oliveira :
“Um número de homens foi chegando a orla, e entrando no mar, como a espera de algum acontecimento, do qual mais ninguém sabia. Após uns vinte minutos chega o falastrão, cheio de pompa, e dentre os seus ‘seguranças’, que foram os primeiros a descer da embarcação, começaram a puxar um coro sinistro, com palavras de baixo calão, para incendiar a turba. Após o teatro macabro, estes mesmos que haviam aparecido do nada, se dispersaram e a praia voltou ao normal”.
Alguns já foram identificados e tiveram inclusive os nomes expostos. Tem tenente com o primo, delegado e o segurança, pastor com os 2 filhos, dono de academia e 6 alunos…, todos de um determinado grupo de whatsapp, também já identificado.
O país se tornou uma farsa.
Definitivamente, não é recomendável desprezar Bolsonaro, mesmo com a sua reconhecida incapacidade para qualquer coisa, pois ele está sendo bem conduzido.
Por outro lado, o desencontro de cada um consigo mesmo fez surgir uma geração que carrega uma frustração que transpôs os limites do saudável.
Quando se veem em alguém, este é o eleito.
Custei um pouco a entender isso.