Dilma Rousseff, a mulher que Míriam Leitão jamais conseguirá ser

Por Ronaldo Souza

Nunca escrevi sobre Míriam Leitão.

Míriam parece falar somente de economia, entretanto, os seus comentários e textos sobre economia apresentam um teor político como poucos conseguem apresentar.

E é nesse campo, o político, que pela primeira vez farei considerações sobre ela.

Míriam Leitão é uma mulher que foi torturada pela ditadura militar de 1964!

Bastaria isso, ou deveria bastar, para que qualquer coisa que cheirasse à ditadura ou remetesse à mais remota lembrança do que aquele momento representou para esse país fosse suficiente para ela correr à léguas de distância.

Para Míriam Leitão, não basta!

A História do Brasil registra a grande ligação entre algumas empresas jornalísticas e a ditadura. Podem ser citados, por exemplo, o Estadão e a Folha, ambos jornais de São Paulo.

Entretanto, não parece haver nenhum outro órgão de imprensa que tenha tido ligações tão íntimas com aquela noite tão duradora e tenebrosa para o Brasil e seu povo que a Rede Globo.

Antecipo-me a qualquer coisa para dizer que nem de longe se pode condenar Míriam Leitão pelo fato de ter sofrido tortura durante a ditadura militar e trabalhar na Globo. Por favor, eliminem qualquer possibilidade de que as minhas considerações sejam vistas sob essa ótica.

Há muitos jornalistas (pode ter certeza, são muitos) que também trabalharam/trabalham lá e que se mantiveram fieis aos seus princípios.

São jornalistas e precisam trabalhar.

Há que se ter, porém, um mínimo de dignidade.

Míriam não soube ou não quiz ter isso.

Veja pequeno trecho de um depoimento dela feito ao jornalista Luiz Cláudio Cunha em 19/08/2014:

“Em texto publicado nesta terça-feira (19) no site “Observatório da Imprensa”, o jornalista Luiz Cláudio Cunha publica pela primeira vez um depoimento da também jornalista Míriam Leitão em que ela conta como foi torturada com uma cobra, nua e grávida, durante a ditadura militar (1964-85). Míriam foi presa em Vitória (ES), no final de 1972, com o seu então companheiro, Marcelo Netto. Opositores do regime instaurado em 1964, eles passaram por diversas sessões de tortura no período em que ficaram presos pela ditadura. Mantido por nove meses em uma solitária, Marcelo também sobreviveu.

No depoimento, a jornalista narra o período em que passou numa unidade do Exército no Espírito Santo. Além de simulações de fuzilamento e ameaças de estupro, Míriam foi torturada com cães pastores alemães e uma cobra jiboia, que foi colocada numa sala escura com ela após ser despida pelos militares. Míriam, à época, estava grávida de seu primeiro filho. “Minha vingança foi sobreviver e vencer. Por meus filhos e netos, ainda aguardo um pedido de desculpas das Forças Armadas. Não cultivo nenhum ódio. Não sinto nada disso. Mas, esse gesto me daria segurança no futuro democrático do país”, termina o depoimento da jornalista ao colega Luiz Cláudio Cunha”.

Toda e qualquer mulher xingada, ofendida, agredida, torturada, representa uma violência inaceitável a todas as mulheres.

Como admitir que essa mulher, Míriam Leitão, que, como jornalista, sabe muito bem o que isso representa para o país, não consiga ver que, entre outras coisas, a concepção do seu primeiro filho esteve absurdamente ameaçada por homens das Forças Armadas e venha dizer que “minha vingança foi sobreviver e vencer. Por meus filhos e netos, ainda aguardo um pedido de desculpas das Forças Armadas”.

Sobreviver por seus filhos e netos teria sido sim uma grande vitória, se você tivesse sido capaz de perceber que ali você não era Míriam Leitão, que seria anos depois a “famosa” jornalista da Rede Globo.

Ali, você era a mulher brasileira torturada pela ditadura militar, como foi Dilma Rousseff.

Dilma Rousseff, muito jovem, percebeu que tinha um lado.

Não o negou; enfrentou aqueles que a fizeram sofrer pela tortura e, à força, impuseram a noite de trevas mais longa da nossa História.

De torturada pelas Forças Armadas, Míriam, Dilma Rousseff chegou ao posto de Presidenta do Brasil, portanto, como você deve saber como jornalista, Comandante Suprema das Forças Armadas.

Não houve vingança, Míriam, não houve retaliação. Durante todo seu governo tratou as Forças Armadas com a dignidade e altivez que o cargo exigia.

Dignidade e altivez que as Forças Armadas não souberam ter com ela no golpe de 2016, processo que você, como jornalista da toda poderosa Rede Globo, viu de muito perto, até porque foi peça importante dele.

Você, Míriam, não precisava escolher o caminho que Dilma escolheu.

Não precisava e não devia, porque seguir o caminho que ela escolheu exigia o que você não teve, não tem e jamais terá.

Mas você também sabia que tinha que ter um lado.

E escolheu!

Precisa dizer qual foi sua escolha ou as suas íntimas relações com pessoas como FHC, Aécio, Moro, Serra…, para citar as mais recentes e conhecidas, denunciam? Toda essa gente sempre sob o guarda-chuva da Globo e das Forças Armadas, aquelas que, segundo você mesma, lhe torturaram “nua e grávida, com cães pastores alemães e uma cobra jiboia, que foi colocada numa sala escura após ser despida pelos militares…”.

E agora, Bolsonaro!

Sim, aquele mesmo que desonrou o exército brasileiro e agora, como Comandante Supremo das Forças Armadas, cria todas as condições para que o mesmo exército, estranhamente, assuma o papel atual, manchando mais ainda a sua história.

Sim, Míriam, Bolsonaro.

Você e sua empresa criaram Bolsonaro.

Você, Míriam, mulher brasileira que nua e grávida do seu primeiro filho (hoje também jornalista da mesma Globo) foi torturada por gente como Bolsonaro (até hoje referências para ele) e pelo mesmo exército que o expulsou por desonra como “canalha, covarde e contrabandista… um homem com graves distúrbios psicológicos” e agora, perdendo-se nas suas funções constitucionais, o acolhe.

Você esteve todo o tempo ao lado dele.

Essa guerrinha particular e ridícula que a Globo parece travar com ele só existe porque interesses mútuos foram contrariados.

Por que a Globo, apesar de tudo, não quer o impeachment?

O que você fez de sua vida?

Sobreviver e vencer

O que significa sobreviver e vencer para você, Míriam?

Que honra pode haver em sobreviver e vencer do lado de quem fez e faz mulheres sofrerem da forma mais desumana, cruel e covarde, tendo sido você, mulher, vítima desse processo?

Há alguma honra nessa sua glória?

Você acha que honra a mulher brasileira?

Você acha que honra as tantas mulheres brasileiras que lutaram e continuam lutando por esse país, algumas das quais até à morte?

E agora vem você, em mais um texto oportunista e covarde, e agride Dilma.

Fazer analogias, quaisquer que sejam elas, entre Dilma e Bolsonaro (como fizeram com Fernando Haddad e ele) é de uma indignidade absurda sob todos os aspectos, porém, compreensível, porque é típico de gente como você.

Você sabe como poucos porque houve o impeachment de Dilma, para o qual você e sua empresa foram fundamentais, e não deverá ocorrer o de Bolsonaro.

Você sabe e aborda no seu texto covarde que o argumento utilizado para o impeachment dela era absolutamente ridículo (tanto é que depois de concretizado o impeachment ela foi inocentada pelo próprio judiciário, que também fez e faz parte de todo esse processo), como ridícula é a imprensa da qual você faz parte.

Você sabe também (até porque os inúmeros crimes de responsabilidade já foram listados por incontáveis juristas e professores de Direito) porque o impeachment de Bolsonaro não é levado adiante.

Por que a Globo não quer o impeachment dele?

Negar mais uma vez os fatos que mais do que ninguém você conhece é de uma covardia, para não dizer outra palavra, inominável.

Logo você, Míriam, desqualificar Dilma Rousseff!!!

Digo assim, mas o meu “espanto” é facilmente explicável. 

Dilma Rousseff, Míriam, tem uma dignidade e vive a liberdade que você jamais conheceu.

E jamais conhecerá.

Isso deve lhe trazer dificuldade incontornável para se ver diante dela e um enorme desgosto na vida.

Pobre Míriam Leitão, a famosa jornalista da Rede Globo que tão bem representa o jornalismo do qual faz parte.

Obs. Se quiser ver o depoimento de Míriam Leitão ao jornalista Luiz Cláudio Cunha, clique aqui Gazeta do Povo: Míriam Leitão revela como foi torturada nua, grávida e com cobra pela ditadura.