Fim do caminho?

Por Ronaldo Souza

Como descrever esse depoimento do jornalista e acadêmico uruguaio Leonardo Haberkorn?

Li há poucos dias que ele pediu demissão e não continuará lecionando na carreira de Comunicação na Universidade ORT de Montevidéu.

Como deve se sentir um professor ao ler esse texto?

Tocado, comovido, assustado…?

Desesperançoso?

Quantos terão a real dimensão do texto?

Ou simplesmente colocaremos na cota daquilo que se convenciona chamar de desafios da docência e que o professor Haberkorn não teria sabido contornar?

O que é desafio da docência?

É algo quixoteano?

O professor terá que cada vez mais “lutar contra moinhos de vento”?

O comportamento dos alunos traz em si a complexidade de algo que vai muito além da sala de aula.

Não se pode tratá-lo de maneira tão simplória como mais um desafio da docência.

Já não chega ter que lutar contra a desconstrução do saber, que tira os moinhos de vento do terreno da imaginação e os torna reais?

Todo esse processo atingiu proporções inimagináveis e encontra nas tentativas de descontrução do saber não só mais uma dificuldade, mas uma barreira quase que intransponível.

Inimigos do saber não são amigos do professor.

É impossível!

Quando chegará o dia em que todos os professores, todos os países, todos os povos, irão lutar, juntos, contra os inimigos do saber?

No professor, nunca chora de forma solitária o coração.

Também chora a alma.

A demissão de Leonardo Haberkorn, que atinge a todos nós, foi anunciada por meio dessa carta que, segundo também li, vem mexendo com o mundo da educação em seu país.

Que ela sirva como denúncia dos professores que se alinharam a aqueles que são inimigos do que há de mais belo e nobre na vida: a construção do saber.

Mas, ao mesmo tempo, elevemos as mãos aos céus em uma prece aos deuses da sabedoria para que essa carta se transforme em mais uma ferramenta de resistência na luta da civilização contra a barbárie.

Leia a carta:

“Depois de muitos, muitos anos, hoje lecionei na universidade pela última vez. Cansei de lutar contra o celular, contra o WhatsApp e o Facebook. Eles me venceram. Desisto. Joguei a toalha. Cansei de falar sobre assuntos dos que sou apaixonado, para pessoas que não conseguem tirar os olhos de um telefone que não para de receber selfies.

Claro, é verdade, nem todos são assim. Mas há cada vez mais. Até três ou quatro anos atrás, o pedido para deixar o telefone de lado por 90 minutos – pelo menos para evitar ser grosseiro – ainda tinha algum efeito.

Já não. Pode ser que eu tenha me desgastado muito em combate, ou que acabei fazendo algo errado.

Mas há uma coisa certa: muitas dessas crianças não sabem o quão ofensivo e nocivo é isso que elas fazem. Além disso, é cada vez mais difícil explicar como funciona o jornalismo para pessoas que não o consomem ou veem sentido em ser informadas.

Nesta semana, o assunto Venezuela surgiu na aula. Apenas um aluno em 20 poderia dizer o básico do conflito. O básico. O resto não tinha a menor ideia. Perguntei se sabiam qual uruguaio estava no meio daquela tempestade. Obviamente, ninguém sabia.

Perguntei a eles se sabiam quem é Luis Almagro. Silêncio. Após um intervalo constrangedor, do fundo da sala, uma garota gaguejou: ‘não era o chanceler?’. Então segui, e perguntei o que está acontecendo na Síria. Silêncio.

Qual partido é mais liberal ou mais de esquerda nos Estados Unidos: os democratas ou os republicanos? Silêncio. Vocês sabem quem é Vargas Llosa? Adivinhem…

Sim! Alguém leu algum de seus livros? Não, nenhum. Lamento que os jovens não possam deixar seus celulares, nem mesmo na aula. Conectar essas pessoas desinformadas ao jornalismo é complicado.

É como ensinar botânica a alguém que vem de um planeta onde não existem vegetais. Num exercício em que tiveram que sair para procurar notícias na rua, uma estudante voltou com a notícia de que jornais e revistas ainda estão sendo vendidos na rua.

Chega um momento em que ser jornalista se torna uma realidade que joga contra você. Quando se é treinado para se colocar no lugar do outro, se cultiva a empatia como ferramenta básica de trabalho.

Então, podemos ver que esses meninos – que ainda têm a inteligência, a simpatia e o calor de sempre – foram enganados, que a culpa não é só deles. Essa ignorância, esse desinteresse e alienação não nasceram do nada.

Que mataram a curiosidade que tinham, que cada professor que deixou de corrigir seus erros ortográficos lhes ajudou a ensinar que tudo dava mais ou menos no mesmo.

Então, quando se entende que eles também são vítimas, quase sem perceber, eles baixam a guarda.

E o mau acaba sendo aprovado como medíocre; o medíocre passa a ser bom; o bom, nas poucas vezes que chega, é festejado como se fosse brilhante. Não quero fazer parte desse círculo perverso. Nunca fui assim, e nunca serei.

O que eu faço, sempre gostei de fazer bem. O melhor que posso. E não suporto o desinteresse em cada pergunta que faço, sempre respondida com silêncio. Silêncio. Silêncio. Silêncio. Eles queriam que a aula acabasse.

Eu também”.

Leonardo Haberkorn

*Publicado originalmente no blog do autor | Tradução de Victor Farinelli