Eles se perderam

Folha 95 1'

Por Ronaldo Souza

Acredito que muitos devem ter percebido que raramente trato de números quando estes saem das pesquisas eleitorais realizadas no Brasil.

Mesmo no auge da campanha presidencial de 2014 poucas vezes me reportei às pesquisas como instrumento de discussão válido. E nessas poucas vezes não deixei de registrar a minha incredulidade, pelo tratamento que é dado aos números nesses momentos.

Sim, números são confiáveis, fazem parte das ciências exatas, não o tratamento que é dado a eles.

Para não citar outros, frequentemente vergonhosos, fiquemos nos dois mais conhecidos institutos de pesquisa; Ibope e Datafolha.

E para não perdermos tempo, lembremos das muitas vezes em que foram literalmente desmascarados pelos resultados das eleições.

Já aconteceu em diversos estados e a Bahia é pródiga nisso. São três eleições consecutivas em que os institutos dão como certa a derrota do PT para governo do estado no primeiro turno e o PT vence no primeiro turno.

Nesse sentido, o Ibope já perdeu a credibilidade há muito tempo. O Datafolha, ainda que numa escala menor pelo seu tamanho e importância quando comparado ao Ibope, não fica muito atrás.

Assumo não gostar dessas pesquisas e sempre as observo com alguns cuidados. Não seria eu, portanto, quem iria se preocupar em mostrar a inconfiabilidade delas no campo político. Se a obviedade mais óbvia (permito-me o pleonasmo) em outros campos não é percebida, imagine neste.

Relembremos o que já deve ser do conhecimento de todos.

As ligações do Ibope com a Globo dispensam comentários e o Datafolha pertence à Folha.

Precisa ser mais claro?

A novidade parece ser o fato de que vivemos um momento muito especial, em que o homem se perde com extrema facilidade. E isso acontece por razões diversas.

Antes das manifestações do dia 13/03, com patrocínio dos segmentos mais nobres e dignos da sociedade brasileira, como a Globo (maior símbolo de austeridade e dignidade desse país, um verdadeiro ícone), judiciário, Ministério Público, Polícia Federal e a oposição, o Brasil foi trabalhado para o grande momento.

As televisões (toda a mídia) fizeram convocações ostensivas para as manifestações e no dia transmitiam ao vivo diretamente dos locais onde iam ocorrer. Um trabalho, sem dúvida, bem feito.

A voz das ruas foi então galgada à condição de fator determinante para o golpe.

E o povo atendeu. Foi às ruas.

Camarote VIP 1

Camarote VIP

Camarotes com ar condicionado, grades de isolamento e proteção, champagne, doces especiais…

Ambientes definidos como áreas VIP.

Uma grande festa. De fato, uma típica festa do povo.

Os maiores inimigos da coerência e do bom senso são a vaidade e a ambição. No entanto, preconceitos exacerbados também têm participação nesse processo. Nesse sentido, racismo e homofobia ganham papel de destaque.

Não parece sensato negar a existência dessas características em escala acentuada em boa parte da sociedade brasileira nos tempo atuais.

E é para ela que trabalha a imprensa.

Dito assim pode parecer que a imprensa estaria a serviço dela.

Não, não faça essa leitura.

A imprensa trabalha para um público que ela própria formou e agora, sem esforço, conduz.

Ao lhe negar informações e manipular as que não podem ser negadas, leva-a correnteza abaixo.

Nada, porém, justifica o absurdo cometido pela Folha.

A única razão que pode explicar, mas não justifica, o desatino do jornal é o desespero.

Já foi demonstrado por cálculos de entendidos no assunto (perdoe-me por não dizer expert) que seria impossível abrigar determinadas quantidades de pessoas naquela avenida, como já foi dito algumas vezes pelo Datafolha.

As manchetes foram unânimes (já reparou como ultimamente as manchetes são iguais e conduzem à unanimidade?) em anunciar que era a maior manifestação de todos os tempos.

Quinhentas mil pessoas.

Fui pego de surpresa e fiquei meio tonto.

Já tinham colocado 2 milhões em outra manifestação e agora uma de 500 mil pessoas era a maior de todas!!!

Mas eles podem e isso não vem ao caso.

O que vem ao caso, isso sim, é a perfeita sintonia entre o judiciário brasileiro e a nossa gloriosa imprensa.

Ao ver a maior manifestação de todos os tempos, Moro não se conteve e entrou em contato direto com os superiores; mandou uma mensagem para a GloboNews.

E disse lá algumas coisas, mas uma chamou a atenção:

“Ouçam as vozes da rua”.

Pronto. Bastou isso.

Lembra da ‘perfeita sintonia entre o judiciário brasileiro e a nossa gloriosa imprensa’?

Bingo.

“Captei a vossa mensagem, amado, idolatrado e iluminado mestre”.

Baixando o espírito de Rolando Lero, foi o que a Globo disse ao juiz Moro. A mensagem sub-liminar (por falar em liminar, já percebeu que agora é liminar a todo instante?), todas as manchetes se voltaram para a importância da participação popular, a voz das ruas.

O povo exige mudanças.

E aí os 500 mil se tornaram o maior feito da história

“Duvido que façam uma igual à nossa”.

Houve quem achasse que ali não tinha 500 mil.

Ora, ora, esse pessoal da esquerda é muito chato, insuportável.

Se a Globo já colocou ali, naquela mesma avenida, 2 milhões de pessoas, porque a Folha, mais modesta e com menos recursos, não pode colocar 500 mil?

Me poupe.

Mas aí vieram as manifestações do dia 18/03.

Fraquinha, muito fraquinha.

Como pode ser visto na matéria de primeira página aí em cima, a Folha afirma que 95.000 pessoas participaram das manifestações do PT, PCdoB, partidos de esquerda e movimentos sociais na Av. Paulista no dia 18/03.

Não sei porque, mas voltou aquela sensação desconfortável com os números; foram trabalhados?

Mas, o que fazer?

Eles podem tudo e algo mais.

Quando vi as imagens, porém, tudo clareou.

Somente o desespero poderia responder pela insanidade cometida dessa vez.

18.03.2016 DataFolha vergonhosa

A Folha diz que na figura à esquerda existem 500 mil pessoas e na da direita 95 mil.

Não acreditei. Fui conferir.

E não é que estavam certos? Na da esquerda tem exatamente (eles são precisos, não falham) 500 mil mesmo.

O que me deixou um pouco, só um pouquinho, intrigado foi a da direita. Tem 501 mil e não 95.

E olha que na hora em que fiz os cálculos alguns tinham ido fazer xixi, tomar umas cervejinhas, comer coxinhas (eles adoram), fazer selfies com a polícia militar de São Paulo (se dão muito bem) e aí não entraram na contagem.

Mas deixa pra lá, não precisa mais.

Como ela foi fortíssima não só na avenida Paulista como em todo o Brasil (quem podia esperar que aqueles infelizes fossem conseguir aquilo em todos os estados), mudou toda a programação.

A Globo já disse no editorial do dia seguinte, 19/03, que “legitimidade é do congresso e não das ruas”.

Aí entendemos melhor o “ouçam a voz das ruas”.

Depende de quem está nas ruas.

Como já tinham reativado a amizade com Eduardo Cunha (eles têm vários amigos guardados para horas de aperto), agora, mais do que nunca, voltaram a ser amigos de infância.

Cassaram o povo.

Cunha, odeio você 5

Eles se perderam.

E perderam.

Agora podem ganhar o que ganharem, mas perderam.

Criadores e criaturas.

Quando se perde a dignidade, nada mais resta.

A tristeza é grande.

Amizades não resistiram.

Algumas já se foram e outras ainda irão, por conta do preconceito e ódio que foram implantados nos corações.

Percebe-se em todos uma amargura, como em Wagner Moura.

Veja o semblante carregado e sombrio de quem se sente derrotado e impotente, que para mim atinge o ápice a 1 min e 08 seg do vídeo.