No final do século XX (não foi há cem anos, lembre que o século foi até o ano 2000, ontem), podíamos ver cursos de Endodontia com títulos bem atrativos – “A Endodontia do novo século”, “A Endodontia do terceiro milênio” (lembre também que na mudança do século passamos do segundo para o terceiro milênio), e por aí vai. Ainda é comum “Técnicas Avançadas em Endodontia, “A Endodontia Moderna”, etc.
São títulos interessantes, nada contra, mas confesso que eles me incomodam.
Certamente você tem visto e ouvido falar do grande aumento da quantidade de Faculdades de Odontologia no Brasil. Você faz idéia de quantos cursos de especialização existem hoje? Eu não faço, sei que são muitos.
Você lembra do tempo, isso foi ontem, em que pouquíssimos eram Mestres e menos ainda eram Doutores? Já viu quantos são hoje? Onde todos parecem iguais, como fazer a diferença? Se você respondeu na qualidade respondeu errado. É no marketing.
Não é bom ter uma orientação sobre como conduzir o seu consultório, torna-lo mais rentável, atrair mais paciente? Bem-vindo o marketing. Mas, será que não está havendo um pouco de exagero?
Como “anunciar” qualidade? Não se anuncia. Quando você começa a mostrar uma boa Endodontia, uma boa Periodontia, uma boa Prótese, ela, a qualidade, aparece. Qualidade é uma coisa que se mostra ao longo do tempo. Mas tempo leva tempo. Não serve. Vou para o marketing, é mais rápido. Anuncio minhas qualidades e pronto. Se junto anuncio aparelhos, motores, técnicas modernas, é gol. Corro para o abraço.
Esse motor e essa técnica, aquele motor e aquela técnica, o outro motor e a outra técnica. Existiram outros antes deles, e existirão outros depois. Pense comigo: Se esse é o diferencial, você NUNCA fará uma boa Endodontia, porque os cursos precisam sempre mostrar aparelhos e técnicas “novas”, e você estará sempre sendo induzido a adotar o novo, o moderno, porque só aí você é bom. E você não quer ser chamado de ultrapassado, quer?
Em um texto recente, Oscar Niemeyer* diz que de acordo com Alvar Aalto** “não há Arquitetura antiga ou moderna e sim Arquitetura boa ou má”. Deixe-me beber um pouco da água de gênios da Arquitetura.
Gente, não existe Endodontia antiga ou moderna. O que existe é Endodontia bem feita ou mal feita. É evidente que hoje os recursos permitem mais facilmente fazer uma boa Endodontia. Temos esses recursos? Vamos usa-los. Mas o diferencial é quem está sentado no mocho: é você. E ninguém, isso mesmo, ninguém vai lhe transformar em endodontista. Somente a partir de bons cursos, com bons professores de fato, mas, sobretudo, a partir de você, da sua determinação, do seu desejo e da experiência que se adquire com o tempo, você será um bom endodontista. Marketing, qualquer um faz. E Endodontia bem feita, você tem visto qualquer um fazer?
Você está fazendo um curso de especialização. Você é bom. Parabéns ao curso que o faz bom. Olhe ao redor; são todos tão bons quanto você? Lógico que não. Alguns são melhores do que outros, ainda que façam o mesmo curso. Os parabéns acima são do curso ou seus?
Como sempre, os jovens são as grandes vítimas. Dificilmente eles identificam um vendedor de ilusões.
Vou parafrasear Chico Buarque: “Não quero o novo pelo novo. Quero o novo pelo que de bom ele pode trazer”. O manto da inovação sempre escondeu muita coisa e, é lógico, sempre o fará. Um colega nosso, Luiz Thadeu Poletto, a quem não conheço pessoalmente, diz que “inovar é fazer bem feito”. O que você acha?
* Oscar Niemeyer – Dispensa apresentações.
** Alvar Aalto – (1898-1976) Arquiteto finlandês, um dos primeiros e mais influentes arquitetos do movimento moderno escandinavo, que também se notabilizou como designer de mobília, tecidos, cristais, entre outros produtos.