Fui criado no cinema americano. Os artistas, as artistas (estas eu achava maravilhosas, quantos desejos me provocaram, todos satisfeitos na solidão), era perfeito. Não considerava outros filmes porque simplesmente não os conhecia. Sonho maior, morar nos Estados Unidos, provavelmente no Havaí, graças a Elvis Presley e a aquelas mulheres que só ele podia ter.
Na adolescência, novos horizontes, uma vez assistia a um filme, produção franco-brasileira, com um amigo, com cenas rodadas no Brasil e na França. As cenas no Brasil, uma delas rodada em uma feira livre com o samba como pano de fundo, feias, um desastre. As da França, uma maravilha, com a bela e sensual música francesa a me fazer sonhar, e agora também a desejar as mulheres francesas. Ainda ali, o desprezo pelas nossas coisas, a idéia de que o outro é melhor.
A vida está aí, para quem quiser. Evolui-se ou não. Vi grandes filmes brasileiros. A música, não sei se há igual. A Música Popular Brasileira está entre as melhores do mundo. O futebol, apesar dos dirigentes e da imprensa, dispensa comentários. E as mulheres! Meu Deus do Céu. Essas eu faço questão de comentar. São demais. Bonitas, gostosíssimas, super sensuais (arrebentam). Tem mais, não tem? Tem sim, mas é melhor não se entusiasmar demais, dá problema.
Não sei, mas ainda acho que aquela sensação esquisita do outro ser melhor continua solta por aí. O que, você não concorda?
Não são poucos os casos em que a importância do que se pensa, diz e faz tem muito a ver com a origem geográfica. A nossa história registra isso de forma clara, faz parte da nossa cultura. Nesse sentido, a Europa e os Estados Unidos, principalmente este nos últimos tempos, sempre exerceram um grande fascínio, em todos os aspectos, sobre a sociedade brasileira. Há uma frase famosa na política, certamente desconhecida por muitos, que expressa bem essa condição; “o que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil”. O comportamento tupiniquim já foi usado para definir essa postura como um que de subserviência, de colonialismo.
Talvez se possa verificar isso com mais clareza nas ciências. Os grandes cientistas, as grandes pesquisas, as grandes descobertas, sempre aconteceram “lá”, razão pela qual os nossos congressos sempre criaram condições e espaços generosos para que toda essa obra pudesse ser vista. Porém, também não foram poucas as vezes que muitos desses monstros sagrados nos frustraram com aulas e conhecimentos incompatíveis com a sua condição geográfica. Mesmo assim havia, e ainda há, o peso da tradição. Numa cultura tupiniquim isso ainda funciona, e muito.
Num país de dimensões continentais como o Brasil também se pode observar esse tipo de comportamento dentro das suas próprias fronteiras. Regiões mais ricas do país criaram, por exemplo, nas artes, as condições mais favoráveis para o surgimento e crescimento de artistas. Assim surgiu o “sul maravilha” e o cantor e compositor pernambucano Alceu Valença construiu uma frase lapidar para situar isso: “o artista nordestino precisa fazer o vestibular do sul. Se for aprovado, aí ele será aceito no nordeste”.
Natural que essas regiões também tenham assumido a vanguarda nas pesquisas científicas e tenham feito surgir um “sul maravilha” da ciência. Alceu Valença diria então que o pesquisador nordestino precisa fazer o vestibular do sul para ser aceito no nordeste. Projete-se isso para qualquer outra região do Brasil.
É um traço cultural nosso, brasileiro.
Um neurocientista brasileiro, Miguel Nicolelis, paulistano, preterido por importante universidade brasileira, foi buscar o seu reconhecimento e hoje, radicado nos Estados Unidos há quase vinte anos, é tido como um dos mais relevantes pesquisadores do mundo na sua área, inclusive com indicação ao Prêmio Nobel. Está liderando pesquisas importantes no Brasil há cerca de três anos, com pesquisadores americanos que ele está trazendo de lá para trabalhar com pesquisadores brasileiros. Tem um belíssimo projeto de implantação de centros de pesquisa, inicialmente no nordeste brasileiro, com um deles já instalado, o Instituto Internacional de Neurociências de Natal Edmond e Lily Safra (IINN-ELS), no Rio Grande do Norte, e outro em processo de instalação em Serrinha, cidade do interior da Bahia.
Outro dia presenciei uma discussão interessante sobre as coisas da endodontia. Mudanças conceituais em foco. Lá para as tantas, uma mudança de concepção foi defendida e não só causou surpresa aquela defesa em si, nunca antes feita naquele grupo, mas, sobretudo, a ênfase com que ela foi feita.
Nada demais, pelo contrário, altamente louvável. Um problema; João já falava daquilo há muitos anos. Será que não o tinham ouvido antes? De repente, algo novo, aquela ênfase, aquela defesa vibrante. Veio a luz (ou você acha que devo dizer caiu a ficha?). Não era o que e muito menos porque João falava. Era que agora John também estava falando. Agora era considerável.
O outro ainda é melhor.
A vida está aí, para quem quiser. Evolui-se ou não. Se não pode ser com João, que seja com John.