Uma vez assistia a um curso e ouvi o professor dizer para a platéia: “No meu curso eu ensino a fazer um canal assim (e fazia um gesto com o dedo sugerindo um canal bem curvo), e aí você pega o cone de guta percha e ‘tcham’, trava perfeitamente”.
Eu era jovem, mas ali já sabia; não é assim. Tive, e ainda tenho, muitas dúvidas e incertezas, mas uma coisa sempre foi clara para mim, mesmo quando muito jovem: ninguém faz ninguém.
Vejo, há algum tempo, chegarem alunos nos nossos cursos de especialização e aperfeiçoamento praticamente com um único objetivo; “fazer rotatório”. Alguns chegam dizendo, até de uma forma um pouco mais arrogante, que já fazem e só querem trabalhar daquela maneira. Já houve casos em que durante o curso alguns deles mostraram que eram os mais fracos da turma.
Hoje, é cada vez mais fácil “fazer canal bem feito”. As técnicas e materiais atuais permitem obturações que proporcionam belíssimas imagens radiográficas. As três ou quatro melhores são escolhidas, mostradas em aulas, conferências, jornadas, e aí vem o grande desfecho: são os nossos alunos que fazem.
Quantos professores você já viu mostrando os casos ruins dos seus alunos?
Em uma turma de doze alunos, como costumam ser os cursos de especialização, você acha que todos respondem igualmente? Todos têm a mesma habilidade manual? Não há aqueles com mais dificuldades, inclusive de compreensão? Não há aqueles que “dominam” mais a técnica do que outros? Sairão todos iguais? Farão tratamento endodôntico com a mesma qualidade?
Claro que não. Aí eu lhe pergunto: se é o curso que faz o endodontista, por que não faz com todos? No dia em que você encontrar doze alunos fazendo tratamento endodôntico com a mesma qualidade, pode dizer, o mérito é do curso. Porém, se uns são bons, outros não, de quem é o mérito? De quem se fez bom.
Seu fracasso é só seu. A glória, é só sua. Você é que se faz.
Uma vez em uma entrevista, estudantes de jornalismo perguntaram a Nelson Rodrigues* que conselho ele daria aos jovens estudantes e recém formados. Envelheçam, foi a resposta.
Percebe-se que Nelson Rodrigues não entendia de nada. Se entendesse faria como fazem alguns professores, que espalham aos quatro ventos que no seu curso fazem dos jovens alunos, especialistas. E o que é pior, melhores do que os outros.
Envelheçam, vivam, experimentem, acertem, errem, acumulem experiências, e aí vocês estarão mais preparados para serem, de fato, endodontistas.
* Nelson Rodrigues – nascido em Recife (PE), antes de completar 4 anos foi morar com os pais no Rio de Janeiro, onde fez carreira como dramaturgo, jornalista e escritor. Um homem muito inteligente e, como Chico Buarque, torcedor do Fluminense do Rio.