“Apesar de todo o avanço das técnicas operatórias e dos instrumentos disponíveis no mercado, o desafio da complexidade anatômica dos canais radiculares enfrentado pelo endodontista permanece”.
Por Ronaldo Souza
“Ser mãe é padecer no paraíso”.
Tantas vezes ouvi essa frase, principalmente nas proximidades do Dia das Mães.
Ser mãe deve ser a coisa mais linda e importante da vida.
No entanto, nem por isso, ela deixa de padecer.
Ainda que seja no paraíso.
Acredito que muitos devem imaginar o quanto deve ser bom ser professor.
É sim.
Por diversas razões, que não vou enumerar, é bom sim.
Mas não vou romancear ao falar do “ser professor”.
Roubo a frase dedicada às mães.
“Ser professor é padecer na sala de aula”.
Num momento em que as “distâncias” entre professor e aluno parecem se acentuar, é natural que haja alguns desencontros entre eles.
Quantas vezes me surpreendi pensando em sala de aula; “o que estou fazendo aqui?”.
Ou alguém imagina que ser professor é ser homenageado a cada turma que conclui a faculdade?
Não, não pense nisso, ou, pelo menos, não pense somente nisso.
É muito pouco.
Ainda que alguns planejem assim, ser professor vai muito, muito além disso.
Sequer pensem que ser professor seria, por exemplo, entrar frequentemente em ação para auxiliar o aluno no ambulatório.
Quantas vezes paramos para pensar que muitas vezes talvez seja justamente isso que não se deve fazer?
Ainda há muito para aprendermos nessa relação.
A verdade é que há muitos desencontros nessa caminhada.
Estariam esses desencontros se tornando mais comuns?
Por outro lado, se há esses desencontros, haverá sempre aqueles momentos de reencontro.
Nessas horas, também pode ser incomensurável a alegria de ser professor.
Mais uma vez tive a honra de receber o convite para fazer parte da banca de qualificação e na sequência da banca de defesa de dissertação de mestrado de um aluno, neste caso de uma aluna, do Programa de Pós-Graduação em Processos Interativos dos Órgãos e Sistemas, do Instituto de Ciências da Saúde da UFBA.
A Pós-Graduação em Processos Interativos dos Órgãos e Sistemas do ICS tem como coordenador o Prof. Roberto Paulo Correia de Araújo, reconhecido entre outras coisas pela sua competência, dedicação e seriedade.
Foi ele o orientador do trabalho, que teve como co-orientadora a Profa. Luciana Soares de Andrade Freitas Oliveira.
Nos dois momentos, qualificação e defesa da dissertação, tive a satisfação de participar da banca com os professores Silvio Albergaria e Luciana Soares de Andrade Freitas Oliveira.
A aluna em questão é Bruna Geórgia Lordêlo Seixas de Oliveira, Bruna Seixas, como ela é mais conhecida. Aqui, ela será Bruna. Na foto acima, é a da esquerda, de óculos.
Seu trabalho: “Estudo In Vitro da Morfologia da Raiz e do Canal Radicular de Pré-Molares Inferiores através de Tomografia Computadorizada de Feixe Cônico”.
Bruna foi minha aluna de graduação no Curso de Odontologia da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública.
Depois de alguns poucos anos, reencontrei-a na qualificação do Mestrado, já como especialista em Endodontia.
Já nos momentos iniciais da sua qualificação, ouvindo dela onde tinha feito o curso de especialização em Endodontia, veio-me à mente que eu poderia estar diante de duas Brunas; a Bruna especialista e a Bruna pretendente à mestra.
Como seria esse duelo?
É que a especialista tinha aprendido a ver a Endodontia, e consequentemente o tratamento endodôntico, como algo muito simples, banal, fácil de ser executado.
Dentro do conceito de “domínio da anatomia”, muito comum nos dias atuais, aprendera que esse domínio faria dela uma grande endodontista. Para isso, dispunha de instrumentos, técnicas e tecnologia.
Era alargar e obturar. Nada mais simples e fácil.
E ali estava ela, diante dos seus próprios resultados, na sua primeira experiência como investigadora das coisas da Endodontia.
E eu via o trabalho perguntando a ela.
– Bruna, você consegue dominar essa anatomia que você está mostrando através das suas tomografias?
O choque seria inevitável.
E foi.
“Apesar de todo o avanço das técnicas operatórias e dos instrumentos disponíveis no mercado, o desafio da complexidade anatômica dos canais radiculares enfrentado pelo endodontista permanece”.
Essa frase é da dissertação de Bruna.
Ainda que o seu trabalho, como de resto todos os outros, encontre as naturais limitações por abordar apenas uma das faces da Endodontia e do tratamento endodôntico, a complexidade anatômica do sistema de canais radiculares observada em “apenas” dois dentes, primeiro e segundo pré-molares inferiores, foi suficiente para “despertar” a endodontista que agora ensaia surgir.
“A complexidade da morfologia do canal radicular e raiz do primeiro pré-molar inferior parece ter sido subestimada no passado”.
Quando Bruna diz isso em outra parte da dissertação, parece querer mostrar que identificou e reconheceu que o “seu passado”, tão recente, como especialista em Endodontia subestimou a complexidade da morfologia do canal radicular.
E essa tomada de consciência é, talvez, somente a primeira consequência.
Porque, na verdade, Bruna, o conhecimento da complexidade do sistema de canais não é de agora. Já existe há anos. E você verá que em outros dentes pode ser maior ainda.
É que parece não ser de interesse discuti-la mais profundamente.
Dessa maneira, o conceito de “domínio da anatomia” se apresenta mais sedutor e a sua disseminação mais confortável. Torna-se mais fácil “ensinar” Endodontia em função do tempo que se gasta para “fazer canal” e não do tempo que talvez precisemos para, como conversamos na sua defesa, exercer controle de infecção.
E assim, mais facilmente os jovens são atraídos, mesmo que sejam inteligentes como você.
“Este estudo confirma a complexidade da anatomia interna de pré-molares inferiores e revela que as classificações vigentes não refletem plenamente as configurações apresentadas pelos pré-molares inferiores, evidência que reforça que o endodontista deve estar atento para a ocorrência destas variações a fim de evitar possíveis causas de insucesso no tratamento endodôntico”.
Sim, Bruna, a sua conclusão é verdade.
Por isso o seu trabalho ganha importância. Ele ratifica a necessidade de maior atenção de nossa parte “a fim de evitar possíveis causas de insucesso no tratamento endodôntico” e está de acordo com Orhan e colaboradores quando analisam o segundo pré-molar inferior com ramificação apical complexa e dizem que “a configuração do canal radicular tem papel significante no resultado do tratamento endodôntico” (Journal of Endodontics, janeiro de 2017).
Você subiu mais um degrau na sua caminhada endodôntica, não só por ter se tornado mestra, mas por começar a ver além do jardim.
Por tudo que vi e ouvi, tive a certeza de que a mestra Bruna Seixas começou a perceber as limitações que existiam no universo da especialista Bruna Seixas.
Na defesa de dissertação de mestrado de Bruna Geórgia Lordêlo Seixas de Oliveira, Bruna Seixas, não padeci na sala de aula.
Pelo contrário.
Senti o quanto sou importante por ser professor.
E essa é a glória do professor.