Conversei com vocês há pouco tempo sobre Mina Bissell (veja aqui). Naquela oportunidade disse que um famoso cientista jogou no lixo uma pesquisa que ela tinha acabado de publicar sobre a origem do câncer, cujo pecado era quebrar o paradigma de que somente as mutações de genes faziam parte do processo de geração do câncer. Dizia ela que o câncer envolve uma interação entre as células nocivas e o tecido ao redor.
Em uma pesquisa publicada no jornal médico The Lancet há mais de 40 anos, o médico D.W. Smithers já argumentava que o câncer não era uma doença causada por uma célula danosa que se divide e se multiplica até que destrua seu hospedeiro. Em vez disso, o câncer deve ser uma desordem da organização celular. A partir dos estudos de Mina Bissell, aceitava-se que os tumores deviam ser estudados em seus ambientes celulares.
Às vezes fico tonto, sem entender as coisas direito. Talvez um dos verbos mais usados nos dias de hoje seja interagir. Uma maior interação entre o público e o privado, entre pais e filhos, entre países, entre professores e alunos…
Em 1992, em um clássico da literatura endodôntica (veja aqui), Sundqvist demonstrou a grande interação que havia entre as bactérias no sistema de canais radiculares. Aquele trabalho e vários outros posteriormente nos trouxeram um grande conhecimento da relação existente entre os microorganismos e o delicado ambiente ecológico em que vivem no sistema de canais, permitindo entender melhor as razões dos nossos sucessos e fracassos. Bactérias que competem com outras por determinados substratos, bactérias que sintetizam substâncias letais a outras, bactérias que sintetizam substâncias das quais outras dependem para existir… um mundo em sintonia.
Quer ver outra palavra bastante utilizada atualmente? Contextualização. Ela nos diz que o significado das coisas pode mudar a depender de estar ou não no contexto. Se você tirar uma determinada frase do contexto, ela pode passar a significar algo absolutamente diferente do que queria dizer quando nele.
Acho que foi isso que Mina Bissell mostrou com o seu trabalho, ou seja, que para entender o desenvolvimento do câncer, as mutações de genes não deviam ser estudadas de forma isolada, mas sim num processo de interação com os tecidos ao redor, em seus ambientes celulares, dentro de um contexto.
De acordo com Luiz Chavez Paz (veja aqui), tem sido sugerido que as infecções persistentes após tratamento endodôntico são causadas por uma ou duas bactérias que resistem mais à eliminação. Veja o que ele diz sobre o tema em seu artigo no Journal of Endodontics:
Parâmetros ecológicos indicam que a sobrevivência bacteriana após o tratamento de canal depende não da resistência dos organismos, mas de quão bom ele é em se adaptar aos novos fatores limitantes nos nichos correspondentes.
O ‘patógeno’ mais perigoso não é uma espécie individual, mas uma entidade polimicrobiana que desenvolve mudanças fisiológicas e genéticas geradas por alterações no meio ambiente do canal.
As pesquisas não devem ser direcionadas a determinados organismos, mas a um grupo de organismos bem-adaptados que possuem grande resistência a uma variedade de agentes antimicrobianos.
Os casos de fracasso não podem ser analisados sob um único prisma, fora do contexto. As bactérias apresentam comportamentos bastante diferentes, de acordo com as condições ambientais. Por exemplo, o atual conhecimento mostra que em biofilmes elas apresentam uma resistência muito maior à sua eliminação do que na forma planctônica.
Há alguns anos tenho a convicção de que ainda há muito por descobrir. Como diz um grande amigo, o Prof. Pécora: “há uma Endodontia por ser feita”.
De repente, amanhece o dia e leio nos jornais que o combate ao Enterococcus faecallis é o passo mais importante do tratamento endodôntico, e que todos os canhões devem ser voltados para ele.
A Endodontia tem umas coisas.