Por Ronaldo Souza
“O indivíduo crítico deve então recorrer a estratégias de resistência diante de tais discursos hegemônicos dentro dos quais há pouca liberdade para expressar pensamentos”.
Holmes D, et al. (Int J Evid Based Healthc 2006; 4: 180–186)
Teria sido esse artigo aí em cima uma “estratégia de resistência”?
Não foi essa a intenção.
O que ocorre é que ele era a primeira parte de uma tríade. Quando foi publicado, eu já estava com o segundo e mais importante artigo da tríade praticamente pronto. Ou seja, o caso clínico apresentado no artigo aí em cima não estava só, perdido no firmamento da Endodontia.
Isso mostra o quanto os professores, movidos por sentimento(s) que desconheço, fizeram uma crítica, além de desastrada, precipitada. Havia um trabalho clínico, realizado durante 10 anos (entre 1987 e 1996), com acompanhamento clínico/radiográfico de até 21 anos (o último feito em 2008), que estava guardado esperando o momento para ser redigido e publicado.
Racionalismo X Empirismo
Quando se fala de ciência, não há lugar para o dogma.
Ciência não é a casa da fé, do dogma, da certeza!
Ciência é onde deveriam morar o racionalismo e o empirismo que, juntos, podem tornar mais fácil chegar ao conhecimento e assim criar evidências sólidas.
Vou trazer da 2ª parte deste texto uma provocação que fiz:
“Dessa forma, parece haver quantidade abundante de evidências dando suporte à concepção de que a obturação do canal é o fator determinante para o sucesso do tratamento endodôntico e, ao contrário, praticamente nada sobre a possibilidade de que esse papel caberia ao preparo do canal”.
Por que usei “parece haver quantidade abundante de evidências…” se sei que há?
Não parece. Há!
Pelo menos é assim que todos pensam!
Agora, em cima dessa provocação, faço um questionamento:
- essas evidências foram construídas em base sólida?
- constituem, realmente, um conjunto consistente de evidências?
Evidentemente que não!
Como podem ser sólidas se jamais foram comprovadas?
Permito-me mais uma vez citar Silvia Regina Siqueira, Professora Associada da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (USP).
“Na prática, muitos caem na crença dogmática das evidências publicadas, que podem ou não ser aceitas no futuro e que poderão muito em breve ser substituídas por alguma outra novidade.
A evidência não é uma verdade sobre os fatos, mas uma teoria sobre a aparência, aguardando a próxima proposta revolucionária”.
Isso ocorre graças à ideia generalizada de que, se está publicado, merece fé. Por isso, é tão necessário que se estabeleçam normas que enquadrem.
Categorizar faz parte do processo.
Daí, nascem os qualis e os fatores de impacto!
E bíblias são criadas!
Por acaso, alguém comprovou o travamento do cone de guta percha como sinônimo de vedamento hermético?
Alguém comprovou a existência de vedamento hermético?
E, no entanto, todos os qualis e fatores de impacto deram isso como verdades inquestionáveis!
Dogmas também fazem parte do processo!
“Isso torna difícil para os estudiosos expressarem novas e diferentes ideias em um círculo intelectual onde a normalização e padronização são privilegiadas no desenvolvimento do conhecimento”.
Holmes D, et al. (Int J Evid Based Healthc 2006; 4: 180–186)
Para ajudar na discussão, trago, também da construção de minha linha de raciocínio, um trecho do 1º texto:
“Ao longo de todos esses anos, não se tem conhecimento da existência de um único trabalho que tenha comprovado a existência de vedamento hermético!”
Diante de todo esse contexto, deixemos de lado o que foi estabelecido, o que está consagrado (mas, jamais confirmado) e observemos sob a perspectiva da ciência.
Como vimos, há centenas, milhares de evidências que dizem que o reparo da lesão periapical se deve à obturação e, ao contrário, raríssimas evidências que apontam para o preparo do canal.
Onde está, de fato, a robustez científica?
Na quantidade de referências existentes que dizem que o reparo se deve à obturação, ainda que estejamos esperando há 70 anos pela sua comprovação, ou nas raríssimas evidências que apontam para o preparo do canal como o responsável por esse reparo?
Faço-lhes outra vez o mesmo questionamento e apresento a mesma resposta da 2ª parte desse texto.
“Há espaço para uma discussão desse tema?”
Sob a perspectiva de que as evidências existem em quantidade absurdamente maior a favor da obturação, não parece haver”.
Só que, agora, mudo a minha resposta: há espaço, sim! Basta tão somente, se não, ver, pelo menos imaginar a possibilidade de…
Se a lesão periapical é consequência da presença de infecção no sistema de canais e a Endodontia diz que, controlando a infecção, desaparece a lesão… o que estamos esperando?
Se enchemos o peito para falar aos nossos alunos da Endodontia apoiada em evidência, como ensinar tendo como base, como referência, ideias e concepções que durante longos 70 anos nunca se comprovaram?
Quando virá à luz a Endodontia que está aí, pedindo passagem?
Quando virá à luz e se tornará visível essa Endodontia?
Quando será permitido que isso aconteça?
O que nos impede de ver?
Se a visão física muitas vezes encontra limitações, a visão da imaginação não conhece limites.
De que vive a Ciência?
Da dúvida, da incerteza, da curiosidade, da busca, toda uma engrenagem que ativa a imaginação de professores e pesquisadores e acende a grande fogueira da Ciência.
A fogueira está aí, diante de nós!
O que estamos fazendo nós, professores e pesquisadores, para acendê-la?
O que faremos?
Achei muito forte quando em entrevista à TV Educativa da Bahia (em rede com as outras TVs Educativas do Norte/Nordeste), o psicanalista Christian Dunker (USP), respondendo a uma das perguntas, disse:
“Nós perdemos o desejo de melhorar!”
Muito forte!