Por Ronaldo Souza
Com frequência, a discussão sobre o tratamento endodôntico tem sido feita sob a perspectiva de sua realização em uma ou duas sessões. Assim, estamos diante de uma questão numérica: uma ou duas sessões.
Por razões diversas, não é incomum que questões endodônticas fiquem resumidas aos números, quando abordagens importantes poderiam ser feitas.
Mais do que o tecido que constitui a porção final do canal e em que condições ele se encontra, discute-se o limite apical de trabalho sob a perspectiva de sua extensão.
Daí a força do 0 a 2,0 mm aquém do ápice radicular na determinação do comprimento de trabalho estabelecido pela literatura endodôntica!
Ainda que em situações específicas microrganismos possam ser encontrados nos tecidos periapicais, aceita-se que em condições normais não são esses os tecidos que habitam e sim o sistema de canais. É muito importante entender que, nessas condições, no sistema de canais, eles se encontram protegidos da ação da medicação sistêmica e do sistema imune do paciente.
Assim, a luta pelo controle de infecção se dará no sistema de canais e é altamente dependente da qualidade do trabalho do endodontista. Em outras palavras, a medicação antibiótica e o sistema imune do paciente não têm capacidade de resolver o problema quando o tratamento endodôntico é mal realizado. A compreensão desse aspecto assume papel de grande relevância no êxito do tratamento.
Uma das vantagens atribuídas ao tratamento endodôntico em sessão única é poder fazer a restauração definitiva na mesma consulta. Uma vez que não haveria mais a necessidade da segunda, o risco de contaminação do canal entre as consultas, claro, deixaria de existir.
A simplificação dos procedimentos técnicos será sempre bem-vinda, mas é necessário que a construção da linha de raciocínio que dará suporte a determinadas escolhas seja consistente.
Cabe ao preparo do canal o papel mais importante do tratamento endodôntico: o controle de infecção. Desse preparo, fazem parte e o constituem o acesso, a instrumentação e a irrigação. Nesse sentido, a ação mecânica da instrumentação desempenha função primordial.
Sabe-se, entretanto, há muito tempo, que cerca de 10 a 50% das paredes dos canais não são tocadas pelos instrumentos durante o preparo do canal.
Em condições normais, isso deveria bastar para ficar bem clara a possibilidade de falhas no nosso objetivo de remoção do conteúdo dos canais durante a sua instrumentação.
Particularidade do tratamento endodôntico e o que talvez o torne único nesse sentido, é aí que entram e ganham grande importância as substâncias químicas auxiliares do preparo. Substâncias químicas que serão também responsáveis pela indispensável ação física de que tanto precisa o tratamento endodôntico. E aí estamos falando especificamente das soluções irrigadoras.
Deixemos de lado todas as dificuldades, possibilidades e discussões sobre o uso dessas soluções. Nesse momento, é necessário tão somente que nos lembremos do que diz a literatura quanto à nossa real capacidade de exercer controle de infecção de maneira realmente efetiva.
São inúmeros os relatos sobre as dificuldades existentes nesse decisivo momento do tratamento endodôntico.
É em função disso que às ações desenvolvidas para o adequado acesso à cavidade pulpar e sua instrumentação e irrigação, incorpora-se outra: a realização da medicação intracanal.
Se das referidas e concomitantes ações pertinentes ao preparo do canal (acesso-instrumentação-irrigação) não faz parte a medicação intracanal, ela surge como um passo clínico a mais, cujo objetivo é fundamentalmente exercer ação antimicrobiana complementar a aquela já alcançada pelo preparo.
Por não fazer parte desse trinômio (acesso-instrumentação-irrigação), cuja realização é simultânea, e pelas suas características próprias, a medicação intracanal pede um tempo à parte. Por conta disso, torna-se necessário outro atendimento para que, entre esses dois momentos, ela possa desempenhar a sua ação antimicrobiana. Em outras palavras, torna-se necessária mais uma consulta, mais uma sessão.
Perceba-se, então, que a segunda sessão não é uma questão aleatória, desconectada da realidade. Ela não é ditada, por exemplo, por uma técnica defasada e/ou profissionais ultrapassados que desconhecem a tecnologia, que desconhecem as técnicas “modernas”.
Pensam assim os que ignoram o que é de fato um tratamento endodôntico.
Pensam assim os que, apesar de fazerem parte do coral que canta a necessidade de controle de infecção, não conseguem entender o que isso significa e o veem tão somente como um ato mecânico de alargamento e obturação.
A segunda consulta, que o simplismo do desconhecimento transformou em “mais uma sessão”, existe como resposta aos relatos da literatura, que diz que cerca de 10 a 50% das paredes dos canais não são tocadas pelos instrumentos.
Nunca lhes ocorreu que 50% correspondem à metade das paredes dos canais?
Nunca lhes ocorreu que esse dado demonstra claramente a possibilidade de em algumas situações a instrumentação do canal não ser suficiente para efetivamente controlar a infecção e que isso pode representar a causa de muitos dos seus insucessos endodônticos?
É assim que se faz ciência, contando sempre com as possibilidades, poucas vezes com a certeza.
Assim também deveria ser com a Endodontia, não fossem o desconhecimento, a desinformação e a informação de baixa qualidade, que se alastram nesses tempos.
Escolhas devem ser feitas dentro das possibilidades e perspectivas existentes, não de compromissos assumidos que, com frequência, colidem com princípios elementares da ciência, da clínica e do bom senso.
Como costuma ser, a literatura traz informações favoráveis às duas formas de tratar o canal, mas são evidentes e mais frequentes os relatos que apresentam melhores resultados quando se faz a medicação intracanal.
Diminuição da carga microbiana, pós-operatório e resultados a médio e longo prazos, melhor e mais rápido reparo, todos os dados a favor do uso da medicação intracanal.
O que os endodontistas ganham ao insistirem em fazer a segunda sessão? Não seria, também para eles, melhor fazer em sessão única?
Por que não o fazem?
Por birra?
Nunca lhes ocorreu que deve haver algo maior a justificar um procedimento que os faz gastar mais uma sessão e, consequentemente, ter menor lucro?
“Ganhar menos” não tem importância para eles?
Como devem ser tolos esses profissionais que insistem em ganhar menos mesmo sabendo que podem ganhar mais, não é mesmo?
Vamos lá!
A importância da restauração coronária já está estabelecida há muito tempo. Desde 1995, por exemplo, Martin Trope já dizia que “o sucesso clínico de dentes tratados endodonticamente parece depender mais do selamento coronário do que se imaginava”.
Nem de longe, portanto, querer negar a importância da sua realização o mais imediatamente possível. Mas não é incomum que depoimentos como esse sejam usados como argumentos, aparentemente consistentes, para justificar fracassos de procedimentos que frequentemente não se sustentam a médio e longo prazos.
Qual a grande vantagem da restauração definitiva na mesma sessão do tratamento endodôntico?
A garantia de que não haverá a chegada de novos microrganismos no canal porque ele já está obturado e o dente restaurado. Não parece haver mais dúvidas de que nessas condições, dente restaurado, a possibilidade de chegada de novos microrganismos é bem menor do que quando se realizam selamentos provisórios entre as “duas sessões”.
Se é garantida a não chegada de “novos” microrganismos pela realização imediata da restauração definitiva, o que dizer sobre a possibilidade de permanência de bactérias no sistema de canais, deixadas por um preparo mais focado no fator tempo do que na execução de ações que podem exercer mais previsivelmente efetivo controle de infecção?
Por que será que a maior causa de fracasso do tratamento endodôntico é a permanência de bactérias no sistema de canais pós-tratamento, inclusive entre a obturação e o forame apical?
É porque não se restaura imediatamente o dente ou porque o preparo de canal malconduzido não consegue efetivamente removê-las?