A grande farsa

Moro flagrado na armação

Por Ronaldo Souza

Há muito tempo vivemos uma grande farsa no Brasil.

Não pense em atribuir isso à ingenuidade.

Ainda que essa possibilidade exista, não ver o que na verdade nos rodeia constitui uma estupidez sem tamanho se considerarmos que vivemos num mundo de doutores.

Ressalve-se que quando cogito a possibilidade de ingenuidade não incluo a “reserva selvagem” de Bolsonaro, como muito bem definiu o jornalista Fernando Brito, referindo-se aos cães raivosos que, incansáveis, continuam vomitando barbaridades sem o menor pudor.

Para esse segmento não há retorno.

Escolheram o mundo da obscuridade e lá vão ficar, como também vão permanecer por muito tempo ainda no grande palco deles; as redes sociais. Onde todos já os identificam e conhecem o latido.

Ficarão sozinhos mais cedo do que podem imaginar.

O Bolsonarismo não resistirá e ficará restrito a essa “reserva selvagem”.

Muitos dos políticos que se elegeram com o mico, ratos que são, pularão do barco, como já estão fazendo.

Portanto, não falo para eles, mas para outros que, mesmo tendo votado no mico, ainda guardaram no seu íntimo algo que remeta à racionalidade que distingue o homem do animal.

Há, sim, muitas pessoas, anônimas ou famosas, jornalistas, profissionais liberais, artistas, políticos, que se arrependeram do pecado cometido contra o país.

Algumas já assumiram publicamente e outras assumirão

Tudo fica cada vez mais claro.

A começar por homens deploráveis como Miguel Reale Jr., o jurista que comandou a farsa jurídica do golpe contra Dilma e depois pediu desculpas por ter apoiado o golpe.

Claro que ela também não poderia ficar de fora; Janaina Paschoal, a tresloucada musa do golpe. Lembra dela?

Também reconheceu publicamente que foi golpe.

Janaína''

Como sabiam que Dilma não tinha nenhuma participação na corrupção mas precisavam elimina-la, inventaram a farsa das pedaladas fiscais, uma questão contábil à qual Reale Jr. deu suporte como jurista.

E agora, cinicamente, diz que Dilma não caiu pelas pedaladas.

O jornalista Fabio Pannunzio (Band) não deixou por menos e disse que a farsa acabou.

Mais uma vez, todos foram feitos de idiotas.

Ressalve-se, porém, que já aceitam essa condição naturalmente.

Como você já sabe, Dilma foi inocentada pouco tempo depois.

Os homens e mulheres que comandaram o golpe e controlam a corrupção ficaram soltos.

Mas como diria Moro, não vem ao caso.

O grande herói

E é justamente ele o grande responsável por todos os descaminhos que tomaram conta do país nos últimos anos.

Dispensem-se comentários sobre sua atuação, já por demais conhecida.

Ainda que muitos, por diferentes razões, continuem a defende-lo, Sérgio Moro representa o que há de pior em um homem.

Com a sua dissimulação, cinismo, covardia e canalhice, ele comandou o processo que jogou na cadeia o maior presidente que este país já teve.

Se, cinicamente, ele e sua equipe de procuradores, sempre argumentaram com o “ninguém está acima da lei”, foram eles próprios que se puseram todo o tempo acima dela, como vem mostrando o The Intercept.

Sabendo agora, como todos sabem porque já está comprovado e reconhecido, que tudo divulgado por Glenn Greenwald é verdade, forjaram situações inimagináveis que desonram qualquer juiz, procurador, desembargador, ministro, seja qual for o cargo que se ocupe no campo da justiça de um país.

Como homens e mulheres, como seres sociais e, principalmente, como seres humanos, foram de uma desumanidade e crueldade poucas vezes vistas, se vistas, na história do Brasil.

Ainda que permaneçam nos cargos que desonraram, o preço é alto.

Deltan Dallagnol hoje é o que é.

Nada.

E o que restou de Moro?

Humilhado publicamente seguidas vezes por Bolsonaro, aceita a humilhação com a passividade dos covardes que mendigam por cargos.

Chegou a tal ponto que membros da Polícia Federal pediram que ele se demitisse para não perder o pouco de credibilidade que ainda lhe restava.

Não resta mais, porque se agarrou ao posto que ocupa e dele não quer arredar pé.

Assumiu de vez que se transformou em um bajulador frágil, por descartável, de Bolsonaro.

Ao ponto de criticar a Globo, que o criou e sem a qual nada seria, pela matéria da revista Época que envolvia a mulher do 03.

Moro sequer pensa em deixar o governo por conta de um detalhe; foro privilegiado.

Moro morre de medo de perder o foro privilegiado porque sabe de todos os riscos que corre.

Um breve comentário.

Já se sabe hoje que ele manipulou a questão da nomeação de Lula como ministro de Dilma, como demonstraram recentes divulgações do The Intercept.

Ele tinha 22 gravações de conversas de Lula com outras pessoas, entre elas conversas com Michel Temer (ainda vice-presidente), pois Lula acreditava que poderia evitar o golpe em Dilma.

Observe que no programa Roda Viva de ontem, 16/09, Temer não só confirma que foi golpe por duas vezes, como também confirma as conversas em que Lula tentava impedir que o golpe se confirmasse.

Temer é somente mais um que assume a farsa do golpe, da qual, apesar de tentar negar, fez parte.

O mais importante, porém, é saber que algumas das conversas gravadas de Lula mostravam claramente que ele não queria aceitar ser ministro de Dilma. Pensava somente em salvar o governo dela.

Moro escondeu todas, mas vazou para o Jornal Nacional uma delas que, bem editada, poderia fazer as pessoas pensarem que Lula estava atrás somente do foro privilegiado.

Justamente ele, Moro, que fez de tudo para passar a impressão de que Lula quis ser ministro de Dilma somente para ter foro privilegiado, hoje faz qualquer negócio para preservar o seu próprio foro privilegiado.

Por isso, poucos levam a sério a possibilidade de ele deixar o ministério da justiça.

Ameaça e fica, ameaça e fica.

Ele não vai se demitir.

Bolsonaro já percebeu e por isso o humilha, mas o mantém no cargo para desgasta-lo mais ainda.

Enfraquece-lo significa um eventual concorrente a menos nas próximas eleições presidenciais.

Bolsonaro sabe mais do que ninguém que um país que o elege é capaz de eleger qualquer um.

Talvez não haja um sentimento mais deprimente do que ter pena de alguém, mas hoje é o que muita gente sente por Sérgio Moro, por vê-lo, sem dignidade, arrastar-se na lama de quem perdeu a honra.

Estamos diante de um ministro da justiça completamente incapaz e inoperante.

Nada mereceu sua investigação e o que não falta são casos que a exigiram.

Como o Diabo foge da cruz, ele foge de qualquer coisa que lembre Queiroz.

A revista Veja (a “reserva selvagem” a conhece, já ouviu falar dela?) fez o papel que cabia à Polícia Federal e descobriu onde está Queiroz.

Sim, e daí?

Alguém foi lá?

Será que deixaram de ler a Veja e por isso não ficaram sabendo que Queiroz foi localizado e está morando no Morumbi, ali pertinho de uma das sedes da própria Policia Federal?

Você ouviu falar de alguma investigação, interrogatório ou qualquer outra coisa sobre os milicianos?

Sobre as mortes que vêm acontecendo?

Sobre as ameaças que várias pessoas estão recebendo?

Você soube que Bolsonaro demitiu o chefe da polícia federal no Rio de Janeiro, justamente onde ocorriam as investigações sobre as ligações de Flavio Bolsonaro com Queiroz e as milícias?

Se choca a surpreendente ausência de firmeza e falta de atitude de Sérgio Moro como ministro da justiça diante de tantos fatos, muito mais chocante se tornou a sua falta de dignidade.

O que fazem os poderes constituídos?

Nada, além de se acovardar como faz o Supremo Tribunal Federal.

Estamos perdidos e sem ter a quem apelar.