Li há algum tempo uma reportagem sobre Mina Bissell* no Jornal do Brasil, achei bem interessante e transponho parte dela aqui.
Há cerca de vinte anos, ela entregou uma pesquisa que tinha acabado de publicar sobre a origem do câncer a um famoso cientista. Ele pegou o trabalho, segurou sobre uma lata de lixo e perguntou o que ela queria que ele fizesse com aquilo; depois, jogou fora.
Desde então, ela lutou pela aceitação de uma idéia que parecia radical: mutações de genes fazem parte do processo de desenvolvimento do câncer, mas isoladas não são suficientes. O câncer envolve uma interação entre as células nocivas e o tecido ao redor.
Com frequência foi ignorada pelos pesquisadores, no entanto, agora cada vez mais eles investigam essas questões, estudando tumores em seus ambientes celulares, e alguns que passaram a vida estudando genes dizem que a concepção dela não pode mais ser ignorada.
“Você criou uma mudança de paradigma”, escreveu recentemente a Federação de Sociedades Americanas para Biologia Experimental, em carta anunciando que ela tinha ganho o prêmio Excellence in Science, de 2008.
Barnett Kramer, diretor associado de prevenção de doença no Instituto Nacional de Saúde, descobriu recentemente uma pesquisa publicada no jornal médico The Lancet, há 40 anos, que o assustou. Nela, o médico D.W. Smithers argumentou que o câncer não era uma doença causada por uma célula danosa que se divide e se multiplica até que destrua seu hospedeiro. Em vez disso, o câncer deveria ser uma desordem da organização celular.
O mundo está cheio de histórias como essa. Não é a primeira vez, nem será a última, que a quebra de paradigmas traz dificuldades ao propositor, e um dos exemplos mais marcantes, sem dúvida, teve como protagonista ninguém menos que Albert Einstein, com a Teoria da Relatividade. As idéias novas costumam provocar desconforto em muitos, e reações violentas não são incomuns.
Einstein disse que a imaginação é mais importante do que o conhecimento. Não é tão simples assim aceitar essa verdade, mesmo dita por ele. O mundo acadêmico, por exemplo, como demonstrado no caso acima, costuma, com alguma frequência, torcer o nariz quando diante de momentos assim. Um dos argumentos mais utilizados para isso hoje em dia é a falta de evidências: não existem evidências que respaldem…
Como surgem as evidências? Pegue qualquer uma, vá aos primórdios dela e você terá uma surpresa; elas surgiram de nenhuma evidência. Surgiram da imaginação de alguém, que idealizou, testou (nem sempre é o próprio autor da idéia quem a comprova) e criou a primeira evidência. É evidente. Como pode uma idéia, uma concepção, já nascer com respaldo científico de ‘evidências’? Há de surgir a idéia, depois a primeira evidência, a segunda, terceira… Como fazer surgirem as evidências negando a idéia?
Segundo Alon Feuerwerker** desde a inquisição a Humanidade gosta de jogar a inteligência fora.
Louve-se, e muito, não só o reconhecimento do trabalho de Mina Bisseli pela Federação de Sociedades Americanas para Biologia Experimental, concedendo-lhe o prêmio Excellence in Science de 2008, mas também a forma como o processo foi conduzido: reconheceu-se a origem da concepção. Nem sempre é assim, haja vista que não é incomum, e os mais atentos percebem isso, que após a aceitação da idéia, alguns queiram assumir a paternidade, às vezes até quem antes a condenava.
Uma vez perguntaram a Olga Soffer***:
– E o que está errado?
– Não é a Ciência. Alguns acadêmicos é que são arrogantes e se esquecem da mera condição de ser humano.
* Mina Bissell – Bióloga iraniana americana, pesquisadora pioneira no estudo do papel da matriz extracelular e do microambiente na regulação da função específica do tecido, área em que mudou alguns paradigmas.
** Alon Feuerwerker – Jornalista brasileiro de origem romena, criador do Blog do Alon.
*** Olga Soffer – Antropóloga e arqueóloga da Universidade de Illinois, co-autora do livro “Sexo Invisível”.