A nacionalização do carnaval… do Rio de Janeiro

Você lembra da Copa do Mundo de 2002? Lembra quem foi o campeão? Respondeu Brasil? Acertou.

Lembra a campanha feita para levar Romário? Lembra quem fez uma pressão insuportável para isso? Respondeu Globo/Galvão (Bueno)? Acertou.

Chegou a ver a coletiva de Luis Felipe Scolari, o “Felipão”, no Rio de Janeiro, pouco antes de embarcar para a copa? Os jornalistas se queixavam de que ele não estava levando ninguém (nenhum jogador) do Rio. Chegou a um ponto que ele não agüentou e disse: “não tenho culpa se mataram o futebol carioca”. O mundo veio abaixo. A Rede Globo quase mandou matar o Felipão.

Não tinha lugar para Romário. O time voltou com o penta campeonato. Apesar de Galvão Bueno e da Globo.

Existem coisas sutis, outras nem tanto. Já há muito tempo a Globo vem perdendo a sutileza, o que não é bom. É um indício de que ela acha que já conseguiu o(s) seu(s) objetivo(s) e agora pode escancarar, pode deixar a sutileza de lado.

Por que falei que ela acha e não que já conseguiu? Porque, por exemplo, no final do ano passado, ali por outubro mais ou menos, ela, que abusou da não sutileza, sofreu uma derrota humilhante. Mas, deixa pra lá.

Futebol e carnaval andam muito juntos no imaginário popular. Não na recente administração, mas há alguns atrás, César Maia (sim, aquele mesmo que em vez de administrar a cidade ficou no note book brincando de blogueiro) tornou “oficial” uma guerrinha surda e boba. Numa absoluta falta de compostura, falou mal do carnaval de Salvador e disse que ia mostrar que o carnaval do Rio de Janeiro era melhor.  Para resumir a história, logo após o carnaval a manchete de capa da revista Veja foi: “A nação baiana venceu”.

Vou repetir Felipão: ninguém tem culpa se mataram o carnaval do Rio. A beleza do Rio de Janeiro dispensa qualquer adjetivo. É simplesmente uma cidade maravilhosa, ponto. Agora, que acabaram seu carnaval, acabaram (sobre o futebol a gente fala um dia desses). As famosas bandinhas que inspiraram tanta coisa (de onde veio a concepção e concretização da Banda do Canecão, que alegrou o carnaval de tanta gente?), as pessoas brincando nas ruas. Acabou.

O carnaval do Rio ficou bonito, asséptico, organizado, concentrado num só lugar. Não mais se brincava carnaval, via-se carnaval. Os cariocas perderam a brincadeira, a zona, a descontração total, a esculhambação, que só o carnaval permite. A televisão ficou com o carnaval bonito, os cariocas ficaram sem carnaval. O maior espetáculo da Terra? Provavelmente sim. O maior carnaval da Terra? Certamente não.

Os cariocas (não só eles) descobriram um lugar onde ainda existia carnaval; Salvador. Vieram aos milhares, de todo o Brasil (foram e são bem-vindos), sob o efeito de um tipo de publicidade de efeito avassalador: o boca-a-boca. Incontrolável.

Nós, baianos, achávamos (e torcíamos) que era uma coisa passageira. Os muitos anos se passaram e os nossos anseios não se confirmaram.

Alguma providência tinha que ser tomada. O carnaval de Salvador não podia continuar “bombando”. Viam como uma sangria inaceitável ao carnaval do Rio. Ao longo dos últimos anos tentaram a pecha de carnaval violento. Lembro bem. Quarta-feira de cinzas do carnaval de 2007, o primeiro sob o governo de Jaques Wagner (eleito governador da Bahia em outubro de 2006, numa derrota humilhante do grupo de Antônio Carlos Magalhães). Às 20:15, a voz empostada de William Simpson (leia aqui para saber por que) Bonner (devidamente municiado pela TV Bahia, de Antônio Carlos Magalhães, justamente ele, o painho da Bahia) anuncia aos quatro ventos como primeira manchete do Jornal Nacional: “Aumenta a violência no carnaval de Salvador” (o negrito é a voz empostada).  Não funcionou.

Depois aquela coisa ridícula de dizer que o povo não brinca, só “as pessoas que podem pagar”, numa referência aos blocos (um dia desses conversaremos sobre essa bobagem). Não cola.

Uma tentativa mais sutil (viu que reconheço que não perderam completamente a sutileza) tem sido posta em prática. Dedicar menos espaço ao carnaval de Salvador e mais a outros carnavais nos tele-jornais. Não tem funcionado. A cada ano, mais gente. O boca-a-boca é inigualável como peça de marketing.

Estou enxergando demais? Então veja o que foi publicado no Blog do Nassif.

Na Globo, folia do Rio teve tempo 400% maior que BA e PE

Claudio Leal

Na cobertura pré-carnavalesca, de 13 de fevereiro a 3 de março, a Rede Globo privilegiou o Carnaval do Rio de Janeiro em detrimento das festas em Salvador, Recife e São Paulo. Uma pesquisa realizada pela empresa MidiaClip, da Bahia, demonstra o desequilíbrio nos espaços jornalísticos da emissora. Os telejornais das redes Band, SBT, Record e TV Brasil também foram monitorados no mesmo período.

A Globo dedicou 60 minutos para a folia no Rio, 17min39s para São Paulo, 06min34s para Recife, 05min46s para Salvador, e 11min23s para outras praças. Estados com os maiores carnavais de rua do País, Bahia e Pernambuco foram desidratados no Bom Dia Brasil, Jornal Hoje, Fantástico, Jornal Nacional e Jornal da Globo.

O Rio ganhou, aproximadamente, um tempo 400% maior que Recife e Salvador. Quando se inclui São Paulo no cálculo, o carnaval carioca teve duas vezes mais tempo que os carnavais baiano, pernambucano e paulista somados.

Noutras palavras, o jornalismo da Globo “nacionalizou” apenas a folia carioca. A pesquisa não contabilizou as vinhetas promocionais das escolas de samba nos intervalos da emissora.

Na estatal TV Brasil, o Rio de Janeiro volta a vencer no tempo de promoção do Carnaval: 25min34s. Salvador mereceu 07min14s.

Segundo o monitoramento da MidiaClip, o SBT e a Band “foram as duas redes que deram mais primazia ao Carnaval de outros estados em detrimento do Rio. A TV de Silvio Santos ofereceu folgados 14 minutos e 11 segundos à cobertura do pré-carnaval baiano, enquanto a Band utilizou 06min57 segundos de sua cobertura para as escolas de samba de São Paulo”.

A Band tem se destacado pelo investimento na cobertura do carnaval baiano. Em 2011, ela e o SBT montaram camarotes próprios em Salvador.

Ah, ia esquecendo. O velho e bom carnaval do Rio está voltando. Parabéns cariocas. Aqui na Bahia a torcida é enorme para que isso aconteça. Mas, não es
queçam. Não deixem a Globo entrar. Ou então chamem o Felipão.