Belo filme. Lembram? Nos dias atuais é difícil alguém sair do cinema pensando. Tudo gira em torno dos efeitos especiais, violência e sexo, não necessariamente nessa ordem. Apesar da tecnologia sofisticadíssima, por trás desses ingredientes o que existe, na verdade é uma pobre história, um pobre enredo.
O cinema não tem culpa. Como parece acontecer com tudo mais, há uma tendência alienante nas coisas que se faz nos dias de hoje. É claro que todos nós sabemos que tudo é muito complexo, nada é tão simples. É claro que sabemos, por exemplo, que o cinema também é usado para “distrair” as pessoas (alienar pode soar muito forte). Nesse sentido, o seu parente mais próximo, a televisão, parece inigualável. Apesar de raras e honrosas exceções, a programação da televisão consegue “distrair” como nenhum outro meio de “ëntretenimento”, a tal ponto que, mesmo quando há um momento em que se pode utilizá-la para alguma coisa, não captamos.
Lembro-me de uma determinada novela de uma das nossas redes de televisão (é assim que os jornalistas fazem quando querem ser bem sutis). A novela era Que Rei sou eu? Da Rede Globo, assim é melhor. Ela satirizava de maneira interessante a cobrança de pedágio feita pelo governo à época, através da obrigatoriedade da fixação de um selo na testa do burro, que representava o carro no período retratado pela novela, o que permitia o livre trânsito do “veículo”. Pelos índices de audiência que a Rede Globo sempre atinge, é natural esperar-se que todo o país tenha visto e se deliciado com isso. Apesar de, nesse caso, tão evidente, quantos, além de rir, souberam ou quiseram correlacionar esse e outros aspectos da novela com a vida real?
Também não é culpa das pessoas. Esses meios poderosos de comunicação e até mesmo as instituições educacionais, há muito tempo deixaram de formar cidadãos. Informam, não formam. Todos vamos ao teatro, ao cinema, aplaudimos, rimos, choramos e depois vamos a um jantar, deixando para trás qualquer relação que aquilo que nos fez aplaudir, rir, chorar, possa ter com as nossas vidas. É só diversão, lazer, entretenimento. Perdemos o senso crítico. Não aquele de julgar o desempenho do ator e da atriz, mas, o que nos leva a fazer projeções, inferências, tentando trazer aquela obra para a vida, ou vice-versa, ou, o que é ainda melhor, as duas coisas, fazer da arte e da vida uma única coisa, afinal, é isso que muitas vezes os autores querem.
Central do Brasil. Belo filme. Fantásticas as atuações dos atores. Fernanda Montenegro então, nem se fala. Ambos, filme e Fernanda, à época sérios candidatos ao Oscar de melhor filme e atriz. Também ali, surgia um grande ator; Matheus Natchergale, excelente.
Todos torcemos para o sucesso do filme. Um grande espetáculo que as redes de televisão se encarregam de esgotar. Justo, justíssimo, diria alguém, não sei quem. Todos ganhamos, o cinema nacional, tão necessitado, os atores, os produtores, diretores, o país, sem dúvida. Mas, além da qualidade incontestável do filme, conseguimos ver o que ele mostrava? Conseguimos ver as dificuldades que determinados segmentos da sociedade enfrentam, como por exemplo, o analfabetismo? Como isso doeu. Como corrigir?
A vida é bela. Viram? Então, com toda certeza, riram e choraram. Mais uma vez, a arte tenta mostrar como, às vezes, fazem a vida. Quem poderia, nas nossas vidas, gerar atos de tamanha violência, mesmo que disfarçada. Quem, pelo poder, poderia esquecer os mais elementares direitos à vida, através da arrogância e da prepotência. Mas, sobretudo, quem, como a personagem do filme, tem procurado dar vida à vida?
Mesmo assim, a vida é bela.