Por Ronaldo Souza
Meu caro Diógenes, não se trata de uma mensagem. Foi um texto sobre um tema recente da Endodontia que, para minha alegria, gerou o seu comentário e daí as minhas colocações.
O que se trata, isso sim, é de um momento em que pessoas de quem se esperava gestos e atitudes com um pouco mais de dignidade entraram num jogo perverso.
Em qualquer tempo, em qualquer categoria profissional, onde quer que seja, sempre foi assim. Disso tenho plena consciência.
Portanto, que não se imagine inocência da minha parte. Na verdade, depois de alguns anos vividos seria estupidez, não inocência.
No entanto, fatos mais recentes têm trazido muita preocupação, às vezes tristeza.
No nosso tempo, sem qualquer desejo de olhar para trás como saudosista, porque não sou, quantas faculdades de Odontologia existiam em Pernambuco e na Bahia?
Quantos profissionais saiam dessas faculdades por ano?
Quantas faculdades existem hoje em Pernambuco e na Bahia?
Quantos profissionais saem hoje por semestre?
Com que idade?
Mais do que nós quando nos formamos, não só pela quantidade, mas, sobretudo, pela inexperiência, eles se tornaram alvos fáceis para a sedução barata.
Sempre discordei, hoje mais ainda, de uma frase muito conhecida; o jovem sabe o que quer.
Será que de fato alguém aos 18 anos de idade sabe o que quer?
Olhemos para nós lá atrás e encontraremos a resposta.
Pelo desconhecimento das coisas, a insegurança é uma constante nessa idade.
Natural.
Olhemos agora também, mas de frente, para alguns (muitos?) professores.
Exibem-se diariamente como adolescentes carentes.
As redes sociais não possuem filtros, elas expõem tantos quantos queiram se expor.
E esses que querem se expor o fazem com tanto ímpeto que se perdem.
Há muitos anos meu pai me contou uma “história” que sempre gostei muito e jamais esqueci e muito menos imaginei que um dia a contaria aqui, como faço agora. Até como uma homenagem a ele, vou conta-la com o mesmo personagem de quando ele me contou.
Um alfaiate chega numa cidade (coloquemos Salvador), monta sua alfaiataria numa rua e põe uma “placa” na porta; Fulano de Tal, o melhor alfaiate de Salvador.
Começou a trabalhar bem, ganhar seu dinheiro e seguiu feliz da vida.
Um belo dia, talvez vendo o sucesso daquele alfaiate, vem alguém, monta outra alfaiataria na mesma rua e põe a placa na porta; Fulano de Tal, o melhor alfaiate da Bahia.
Ficaram os dois ganhando um bom dinheiro.
Mas todos estão de olhos abertos.
Vendo o sucesso daqueles dois alfaiates, outro resolveu seguir os mesmos passos e na mesma rua montou a terceira alfaiataria. Do mesmo jeito, a placa na porta; Fulano de Tal, o melhor alfaiate do Nordeste.
E assim foi.
O quarto pôs a placa na porta; Fulano de Tal, o melhor alfaiate do Brasil.
O quinto; Fulano de Tal, o melhor alfaiate da Terra.
O sexto; Fulano de Tal, o melhor alfaiate do Universo.
Aquela rua ficou famosa pelos alfaiates que tinha, cada um melhor que o outro, todos ganhando um bom dinheiro e tudo parecia resolvido.
Um dia, porém, para o espanto de todos, porque parecia não haver mais como destacar outra alfaiataria, chegou alguém e se instalou.
Foi enorme a curiosidade na cidade e o reboliço no dia da inauguração nem se fala.
Alfaiataria pronta, ele mesmo, o novato, subiu na escada, colocou a placa e desceu.
Estava lá.
Fulano de Tal, o melhor alfaiate dessa rua.
A Endodontia hoje é ensinada nas redes sociais e nos vídeos do YouTube e as placas precisam ser cada vez mais atraentes e sedutoras, não importa a que preço.
Há cerca de 6 anos, ao sugerir um livro para uma aluna estudar, eu mesmo tive o ‘privilégio’ de ouvir; “professor, por que eu vou estudar se vejo tudo na Internet? ”
Hoje muitos profissionais contratam equipes de marketing caras, algumas fora do seu estado e de reconhecimento nacional, para terem mais curtidas ou seguidores, como bem disse você no seu primeiro comentário.
Como você falou, “a importância de alguém está sendo mais valorizada pelo número de curtidas ou seguidores, do que pelos seus conhecimentos”.
Eles sabem que é assim.
Pagam bem aos marqueteiros pelas curtidas, têm muitos seguidores e aí se veem os melhores.
É o olho que faz o horizonte.
Ralph Valdo Emerson
Dentro desse pequeno mundo, todos se tornaram os melhores de Salvador, da Bahia, do Nordeste, do Brasil, da Terra, do Universo.
Por que se preocupar com esses melhores?
O exibicionismo tolo e infantil alimenta tolos e infantis.
Desde quando esses são considerados?
O problema está no que veio embutido nesse processo.
Quando falei da frustração com alguns professores que pareciam promissores, mas que se perderam e estão caindo em descrédito, este é um dos grandes problemas.
Concorde-se ou não, alguns se tornaram referências.
Entraram nessa luta insana pela luz dos holofotes, quando os egos se inflam sem controle. Conseguem mais curtidas e arrastam um número maior de seguidores e, pior ainda, entre professores.
Ainda que não percebam no que se transformaram e o preço a pagar.
E quando não se percebe o que está à sua volta, tudo parece normal.
Sabe aquele gesto que se faz com a mão tentando enxergar quando um foco de luz se põe entre você e o objeto que deseja ver?
Eles não conseguirão enxergar porque terão a visão ofuscada pelas fortes luzes dos holofotes.
A motivação é a mesma de sempre.
E é aí que se perde a credibilidade.
Há sim, Diógenes, algo obscuro nisso tudo.
Há qualquer coisa no ar além dos aviões da PanAir.
Mas não precisamos nos preocupar com a sua identificação.
As coisas acontecem naturalmente.
Para o bem ou para o mal.
Não preciso abrir os olhos para vê-los.
Como alguns já o fizeram, quem sabe outros também percebam.
Tornaram-se os melhores de Salvador, da Bahia, do Nordeste, do Brasil, da Terra, do Universo, mas, dessa rua, não.
Dessa rua chamada Endodontia.
Nela, ainda existem os de fato grandes alfaiates, que precisam somente despertar para o momento.
O homem deve alguma coisa ao homem. Se ele ignora a dívida, isto o envenena e se ele tenta pagá-la, o débito só faz crescer. Sim, o homem deve alguma coisa ao homem e a qualidade da sua doação é a medida do homem.
John Steinbeck