Artistas e artistas

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Por Ronaldo Souza

É muito comum as pessoas pensarem que os artistas são seres predestinados e têm grande conhecimento.

Acredita-se que eles podem ajudar a eleger determinados políticos. Não é à toa que muitos são convidados a emitirem opinião a favor deles.

Quanto a ajuda nesse sentido, parece ser verdade.

No entanto, numa considerável quantidade de vezes, imagina-los com grande conhecimento constitui um belo equívoco.

Há que se considerar que há jogadores de futebol e jogadores de futebol, escritores e escritores, jornalistas e jornalistas.

Da mesma forma, há artistas e artistas.

Projete para a sua categoria profissional que você verá que também há e há.

Um episódio um pouco cruel pode servir de exemplo.

Uma das maiores cantoras do Brasil, e aí pode-se dizer uma artista de grande talento, Gal Costa, não costuma emitir opinião política. No entanto, não se sabe porque, sentiu-se impelida a elogiar José Serra em sua campanha para presidente do Brasil.

Foi um desastre.

Jards Macalé, também reconhecido pelo seu talento, não se conteve e em um momento de pouca inspiração, ao responder a questionamentos sobre a infeliz opinião de Gal, saiu-se com essa:

“Ela é uma cantora legal, mas é burrinha”.

Pediu desculpas depois.

Regina Duarte, artista da Globo e ex-namoradinha do Brasil, é criadora de gado, vai regulamente a encontros de pecuaristas e participou de comícios contra as demarcações de terras e os povos indígenas.

Virou garota propaganda da causa contra os índios. Claro, também participou de protestos na Av. Paulista.

Como “artista”, conseguiu ser a favor da extinção do Ministério da Cultura. Nada mais coerente!

Sensacional.

Nessa brilhante trajetória, houve um momento em que protagonizou um “tenho medo de Lula”, o que a fez ingressar no anedotário político brasileiro como autora de um dos seus momentos mais hilários.

Como se nada disso bastasse, está de volta, mais uma vez, em grande estilo.

Ao lado de João Ralph Lauren Dória, recém-eleito prefeito de São Paulo, apareceu varrendo a Av. Paulista, onde se manifestam os “barões famintos, o bloco dos napoleões retintos e os pigmeus do bulevar”, como canta Chico Buarque.

Assim são os “artistas”… da Globo.

Perceba, da Globo.

Pertencem à Globo.

E por isso estão sempre de plantão.

Ponto.

Mas há artistas.

O artista não tem necessariamente que ter engajamento político. Muitos não o têm e nem por isso deixam de ser grandes artistas.

Mas, os que têm, não há como negar, muitas vezes quando se manifestam só fazem aumentar o fosso entre artistas e artistas.

No recente Globo de Ouro, Meryl Streep recebeu um prêmio especial pelo conjunto da obra.

Ela podia aproveitar aqueles poucos minutos para falar de qualquer coisa, ou até mesmo somente agradecer pelo prêmio.

Mas não.

O que vimos foi o surgimento não da grande atriz, mas da grande artista.

Surgiu com o brilho das grandes estrelas.

Surgiu como mulher.

E como mulher se revestiu de grande coragem.

Elegante.

Por que Regina Duarte me veio à mente?

Porque, podemos até não perceber, a absurda diferença que existe entre elas, Meryl Streep e Regina Duarte, nos mostra que nos palcos da vida os atores não são iguais.

Assista ao vídeo e perceba que não se trata de uma “simples” atriz falando, mas de uma verdadeira mulher convicta do seu papel.

Permito-me antes, porém, fazer uma pequena correção na tradução da fala de Meryl Streep feita abaixo por Kiko Nogueira. Digo pequena, mas ela altera de forma significativa o entendimento do contexto.

No penúltimo parágrafo, terceira linha, está escrito; ‘não é um privilégio, Meryl, ser apenas um ator’.

Perceba aos 4’56 do vídeo que, na verdade, pela entonação de voz de Meryl Streep e construção da frase não é uma afirmação e sim uma pergunta.

“Isn’t such a privilege, Meryl, just to be an actor?”

O certo então seria; ‘não é um privilégio, Meryl, ser um ator’?

E aqui também me permito mostrar como o contexto toma outro rumo:

‘Não é um privilégio, Meryl, ser um ator’? Sim, é. E nós temos que nos lembrar todos os dias do nosso privilégio e da responsabilidade de agirmos com empatia. Nós todos deveríamos ter muito orgulho do trabalho que Hollywood honra aqui essa noite”.

Responsabilidade.

Esta não é simplesmente uma palavra, mas o compromisso que todos temos diante do país e que, lamentavelmente, tem faltado nos últimos tempos.

Inclusive a alguns artistas, entre os quais atores e atrizes.

Precisamos de artistas de verdade, aqueles que sabem que o papel deles vai além de fazer novelas e serem convidados com seus rostinhos bonitinhos para apresentar bailes de debutantes e desfilar em trios elétricos e camarotes de carnaval.

Curta o vídeo com o depoimento dessa verdadeira grande artista.

VÍDEO: o discurso de Meryl Streep detonando Trump no Globo de Ouro

Por Kiko Nogueira, no Diário do Centro do Mundo

O ponto alto da cerimônia do Globo de Ouro foi o discurso de Meryl Streep ao receber o prêmio Cecil B. DeMille pelo conjunto de sua obra.

Ela foi anunciada pela colega Viola Davis, que levou o prêmio de melhor atriz coadjuvante por seu papel em “Cercas”.

Em pouco mais de cinco minutos, Meryl falou sobre a diversidade em seu meio, enfatizando como é isso que dá essência à indústria, e criticou fortemente Trump e suas políticas — sem citar seu nome.

“Desrespeito convida ao desrespeito, violência convida à violência”, disse.

Eis os highlights de sua fala:

“Obrigada, Hollywood Foreign Press [Associação dos Correspondentes Estrangeiros de Hollywood]. Só lembrando o que o Hugh Laurie já disse. Vocês e todos nós nessa sala, realmente, pertencemos ao segmento mais difamado da sociedade americana agora. Pensem. Hollywood, estrangeiros, e a imprensa. Mas quem somos nós? E o que é Hollywood mesmo? É só um monte de gente de outros lugares.

Eu nasci e fui criada nas escolas públicas de Nova Jersey. Viola [Davis] nasceu em uma cabana de agricultores na Carolina do Sul, e cresceu em Central Falls, Long Island. Sarah Paulson foi criada na Flórida por uma mãe solteira no Brooklyn. Sarah Jessica Parker era uma de sete ou oito crianças de Ohio. Amy Adams nasceu na Itália. Natalie Portman nasceu em Jerusalém. Cadê o certificado de nascimento delas? E a maravilhosa Ruth Negga nasceu na Etiópia, foi criada em — não, na Irlanda, acredito eu. E ela está aqui sendo indicada por interpretar uma garota de uma cidade pequena da Virginia. Ryan Gosling, como todas as pessoas mais bacanas, é canadense. E Dev Patel nasceu no Quênia, foi criado em Londres e está aqui por interpretar um indiano criado na Tasmânia.

Hollywood está cheia de forasteiros e estrangeiros. Se você expulsá-los, não sobrará nada para assistir a não ser futebol americano e diversas artes marciais, que não são as Artes. Eles me deram três segundos para falar isso. O único trabalho de um ator é entrar nas vidas das pessoas que são diferentes de nós e deixá-las sentir como isso parece. E houve tantas tantas tantas performances poderosas no último ano que fizeram exatamente esse trabalho tão passional e de tirar o fôlego.

Houve uma performance esse ano que me deixou atordoada. Não porque era boa. Não teve nada de bom nela. Mas porque foi efetiva e cumpriu com seu papel. Fez a sua audiência rir e mostrar os dentes. Foi o momento no qual uma pessoa que pedia para sentar na cadeira mais respeitada de nosso país imitou um repórter deficiente, alguém que era menos privilegiado com menos poder e com menos capacidade de responder à altura. E meio que quebrou meu coração quando eu a vi. Eu ainda não consigo tirá-la da minha cabeça porque não estava em um filme. Foi a vida real.

E esse instinto de humilhar, quando é feito por alguém em uma plataforma pública, por alguém poderoso, impacta negativamente na vida de todo mundo, porque ele dá permissão para que outras pessoas ajam igual. Desrespeito convida desrespeito. Violência incita violência. Quando as pessoas poderosas usam sua posição para intimidar alguém, todos nós perdemos.

E isso me traz à imprensa. Nós precisamos que a imprensa com princípios mantenha esse poder em conta, que ela denuncie os poderosos por cada um desses ultrajes. É por isso que nossos fundadores consagraram a imprensa e suas liberdades em nossa Constituição. Então eu apenas peço aos famosamente bem endinheirados da Hollywood Foreign Press e a todos de nossa comunidade a se juntarem a mim em apoio ao comitê de proteção aos jornalistas. Porque nós precisaremos deles para progredirmos. E eles precisarão de nós para falarem a verdade.

Só mais uma coisa. Uma vez, quando eu estava em um set um dia, reclamando de algo, que nós teríamos que trabalhar na hora de jantar, ou por causa das longas horas de trabalho, não me lembro, Tommy Lee Jones me disse: ‘não é um privilégio, Meryl, ser apenas um ator’. E sim, é. E nós temos que nos lembrar todos os dias do nosso privilégio e da responsabilidade de agirmos com empatia. Nós todos deveríamos ter muito orgulho do trabalho que a Hollywood honra aqui essa noite.

Como a minha amiga, a querida falecida Princesa Leia, me disse uma vez, ‘pegue o seu coração partido e o transforme em arte’. Obrigada”.