Ano Novo

“Nesse espírito, acredito que poucos discordem da avaliação de que 2007 foi um ano excepcionalmente bom para o Brasil, em especial na frente econômica…

“Foram criados mais de 2 milhões de empregos formais e o crédito cresceu mais de 50% em um ano. A combinação desses fatores foi altamente benéfica para a economia. Mais de 100 000 novos imóveis foram vendidos, 2,5 milhões de carros novos saíram das revendedoras e ganharam as ruas. Mais de 10 milhões de novos computadores abriram as portas do universo digital a uma legião de usuários. Entre janeiro e dezembro a bolsa cresceu 40%, e ingressaram no país mais 35 bilhões de dólares em investimentos estrangeiros diretos – o dobro do ano passado. Como resultado, o PIB deve fechar o ano com o auspicioso avanço de mais de 5%.

“O novo Plano de Desenvolvimento da Educação, anunciado pelo ministro Fernando Haddad em abril, deixa claro que o governo finalmente passou a tratar o assunto como prioridade. Essa primazia foi reafirmada pela criação de um índice para acompanhar a evolução do ensino básico ao longo dos anos. O rumo está traçado”.

Estes são trechos da Carta do Editor da Revista VEJA, escrita por Roberto Civita* e publicada na última edição do ano da revista. Pelo visto, foi um ano absolutamente diferente do que a VEJA tem tentado mostrar nos últimos tempos. Pelo visto, também anuncia-se um Ano Novo diferente do que poderia imaginar quem a leu nesse tempo.

Independente do que dizem alguns homens e órgãos de informação, e do que pensamos sobre eles, sabemos que a chegada de um novo ano sempre traz consigo promessas, novos planos, perspectivas de mudanças, e tudo mais a que estamos acostumados nesses momentos. Sem dúvida, momentos interessantes que se repetem todos os anos.

Sobre isso, que tal ver o que diz o nosso poeta Carlos Drummond de Andrade?

"Quem teve a idéia de cortar o tempo em fatias, a que se deu o nome de ano, foi um indivíduo genial. Industrializou a esperança, fazendo-a funcionar no limite da exaustăo. Doze meses dão para qualquer ser humano se cansar e entregar os pontos. Aí entra o milagre da renovaçăo e tudo começa outra vez, com outro número e outra vontade de acreditar, que daqui para diante vai ser diferente."

É assim? O que fazemos, ou o que podemos fazer, de fato, para que o ano seja realmente novo? Vamos ver Drummond outra vez.

Receita de ano novo 
 
"Para você ganhar belíssimo Ano Novo
cor do arco-íris, ou da cor da sua paz,
Ano Novo sem comparação com todo o tempo já vivido
(mal vivido talvez ou sem sentido)
para você ganhar um ano
não apenas pintado de novo, remendado às carreiras,
mas novo nas sementinhas do vir-a-ser;
novo
até no coração das coisas menos percebidas
(a começar pelo seu interior)
novo, espontâneo, que de tão perfeito nem se nota,
mas com ele se come, se passeia,
se ama, se compreende, se trabalha,
você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita,
não precisa expedir nem receber mensagens
(planta recebe mensagens?
passa telegramas?)
 
Não precisa
fazer lista de boas intenções
para arquivá-las na gaveta.
Não precisa chorar arrependido
pelas besteiras consumidas
nem parvamente acreditar
que por decreto de esperança
a partir de janeiro as coisas mudem
e seja tudo claridade, recompensa,
justiça entre os homens e as nações,
liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,
direitos respeitados, começando
pelo direito augusto de viver.
 
Para ganhar um Ano Novo
que mereça este nome,
você, meu caro, tem de merecê-lo,
tem de fazê-lo novo, eu sei que não é fácil,
mas tente, experimente, consciente.
É dentro de você que o Ano Novo
cochila e espera desde sempre".

 

O “dia novo” está dentro de você. É você quem determina como serão os seus dias. É claro que entram aí vários fatores de interferência. É claro que determinados eventos têm um peso grande nesse sentido, como a perda de alguém que se ama. Mas, os dias não são todos assim.

São cada vez mais comuns, particularmente na Internet, mensagens cheias de esperança, religiosidade, beleza. Leia, algumas valem a pena. Mas lembre, não são elas que fazem o seu dia. Você faz. E lembre que são os dias que fazem o ano.

Feliz Ano Novo.

* Roberto Civita – Presidente da Editora Abril e editor de VEJA.

Caso Clínico 22

Tratamento endodôntico do 35, que apresentava drenagem de exsudato pelo sulco gengival. A) Radiografia pré-operatória. B) Obturação pela técnica da condensação lateral, com pequeno extravasamento (não intencional) de cimento obturador. C) Reparo da lesão periapical.

Natal

Boas Festas

Anoiteceu, o sino gemeu
A Gente ficou feliz a rezar
Papai Noel, vê se você tem
A Felicidade pra você me dar.
Eu pensei que todo mundo
Fosse filho de Papai Noel
E assim felicidade
Eu pensei que fosse uma
Brincadeira de papel
Já faz tempo que pedi
Mas o meu Papai Noel não vem
Com certeza já morreu,
Ou então felicidade
É brinquedo que não tem

O que você acabou de ler é a letra da música de Assis Valente*. Composta em 1932 é tida por alguns como a música mais bonita de Natal (Clique aqui para ouvir) . Viu como é bonita?

Você sabia que Papai Noel é uma criação atribuída a uma peça publicitária da Coca-Cola? Talvez isso não importe muito, ou até mesmo não importe. O que importa, isso sim, é o famoso “espírito” de Natal.

Sempre gostei, e gosto, muito do Natal. A confraternização, os amigos, a família, a ceia, enfim, um clima maravilhoso. Nunca foi difícil de encontrar esse espírito de Natal entre nós. Constituimos um segmento da sociedade que tem acesso aos meios que permitem isso. Mas, será que há outros “natais”, ou será que para muitos não há Natal?

Na minha infância, em Juazeiro (Bahia), em mais uma manhã de 25 de dezembro, brincando na calçada da minha casa com o presente que Papai Noel tinha deixado para mim, perguntei a Dito por que ele não estava brincando com o dele, e a sua resposta foi que Papai Noel não tinha passado na casa dele.

Era uma criança de cor negra, pobre e morava na segunda casa à direita da minha. Um detalhe: o maior amigo de minha infância. Papai Noel estava sentado no batente da minha casa (quem morou em cidade do interior sabe o que é batente) curtindo a minha brincadeira e presenciou esse diálogo. Levantou-se, foi a algum lugar e trouxe um presente para Dito.

Naquele dia, mesmo sem saber, meu pai me “mostrava” a música de Assis Valente, que eu já cantava. Achava bonita aquela música, mas, é evidente que não “via” o seu real significado.

Certamente, para Assis Valente o Natal deveria ser algo mais do que tem sido. Se ele estivesse vivo talvez gostasse de saber que alguns milhões de brasileiros terão um Natal um pouco melhor.

Feliz Natal.

 

*Assis Valente (1911-1958), considerado (ao lado de Dorival Caymmi) o compositor baiano mais importante até o advento da Bossa Nova. É possível que você já tenha ouvido alguma música dele sem saber.

A negação de você

Não há tempo melhor na vida; ser criança. O que vem às nossas mentes? Brincar, com toda a abrangência que essa palavra comporta. Deixe-me falar uma coisa para vocês; brinquei muito, muito mesmo. Acho que era mais possível do que hoje.

Crianças, brincadeira, não percebemos, mas, nesse momento sublime, os nossos pais já estão introduzindo nas nossas vidas determinados sentimentos e conceitos; carinho, amor, proteção, solidariedade, respeito, dignidade, honestidade. Como? Através de conselhos (a importância da palavra chegando a você na orientação pela conversa) e exemplos (criança vê, criança faz).

Como sabemos, a vida vai chegando cada vez mais e passamos a ter contato com outras coisas; coisas que não são de criança, inclusive o chamamento do amor. Outras pessoas, outras formas de ver, outras formas de agir; outros mundos. Mas, em níveis absolutamente “administráveis”.

Vida adulta. Um dia de glória; a formatura. Quem está mais feliz, você ou seus pais? Vida profissional, dificuldades iniciais (maiores hoje?). Ninguém está mais disposto a brincar, não dá mais tempo. Há muito tempo o mundo deixou de ser você, seus irmãos, seus pais e seus amiguinhos. Você não sabe o que é, mas, algo mudou. E tem uma coisa; dói.

Você não tem mais só amigos; agora tem colegas. Que bom seria se não existissem colegas, só amigos. Como pensam, do que gostam, quem são eles? Por que são assim?

Opa, cuidado. Será que você está achando que o mundo está errado? Não, não está. Ele é assim. Cheio de imperfeições. O mundo da criança é perfeito, o seu não. Mas, observe; na sua imperfeição, o mundo é perfeito. Como saber qual o valor do que é doce, bom, amoroso, honesto? Conhecendo o que é amargo, ruim, rancoroso, desonesto.

Por que você acha que você está certo? Não será ele? Você sabe que não. Você sabe que você está certo, porque está apoiado em princípios. Já ouvi falar de princípios, mas por que não se apoiar em algo mais atual? Afinal, você vale o que parece ser, não o que é. Seja mais pragmático. Palavra mágica e atualíssima; pragmatismo. Alguém sabe o que significa? Não se apóie em princípios, ninguém sabe o que é, tenha jogo de cintura.

O choque é inevitável; onde fica a sua infância e onde ficam as coisas que você aprendeu lá? Respeito, honestidade, princípios. Como viver sem essas coisas se elas são a base da sua vida? Você não consegue entender porque está com gastrite? E a pressão, está normal? Ao seu lado, todo mundo está “se passando para trás”. Não esquente (sábio conselho; se você conseguir, por favor, me ensine).

Alguém que não merece o seu bom dia, terá o seu bom dia. Incrível, as pessoas querem que você seja cordial. Cumprimente-o. E você se revolta; como vocês podem me pedir isso? Ele é um indigno, um mau colega, ele denigre a minha profissão. Faça. Isso é viver em sociedade.

Quando me vejo cumprimentando certos homens, penso; que bom, acho que estou aprendendo a viver em sociedade.

Podem ter certeza. O preço é muito alto.

Reminiscências

– Foi um golpe forte na memória, mas, ao mesmo tempo, algo que mostra o distanciamento do homem maduro que começo a ser.

São palavras de Gilberto Gil em um programa que acabo de ver no Canal Brasil (TV a cabo), realizado há 11 anos. Que delícia. Primeiro, por ver Gil revisitando alguns lugares da sua infância (neste momento ele estava em Bom Jesus da Lapa [Ba]) e por ouvi-lo cantando algumas das suas lindas músicas (Gil é talento puro). Uma delícia de programa. A lamentar que quando comecei a assistir imagino que já tinha começado há algum tempo.

Em segundo lugar, e acho que aí está a razão maior de ter me deixado tocar, porque, junto com Gil, revisitei a minha infância; Juazeiro (Ba). Me emocionei.

Como foi gostosa. Vou sempre lamentar não ter podido proporcionar às minhas filhas uma infância maravilhosa como a que tive. Foi infância em todos os sentidos que se pode dar a essa palavra, ou, melhor ainda, a esse momento divino do homem. É evidente que aqui falo do homem em um sentido abrangente, incluindo naturalmente a mulher.

Vi as casas de taipa, as ruas sem paralelepípedos, o chão rachado pela seca. Vi homens, mulheres e crianças, iguais aos da minha infância. Não sei por que, não sei se por associação à infância, mas quando vejo esses homens e mulheres, a imagem que me vem à mente é de dignidade.

Já em um momento financeiro melhor dos meus pais (meu pai agora era um funcionário do Banco do Brasil) do que na época dos meus dois imãos mais velhos (sou o do meio), já pude ter uma infância que toda criança devia ter; sem dificuldades. Por isso, e também pelo fato de ser criança, não via as dificuldades onde sempre existiram, mas as feições ficaram na minha memória e foram elas que eu vi com Gil. Mas, faço questão de repetir; sofridas, mas, dignas. Em quantos lugares, hoje, você vê de fato dignidade?

A palavra de um homem era o que havia de mais importante. Onde você a encontra hoje? Você deve estar dizendo; nossa, ele está pesado hoje. Estou? Se não me engano, foi um filósofo chamado Chapman que disse; “quando você olha a vida com mais profundidade, só encontra o desespero”.

Hoje, homem, entendo melhor o desespero de certos homens, pesados, amargurados.
Não, não se preocupe, não estou desesperado. Reflexivo, não desesperado. A minha infância deixou muito pouco espaço para o desespero no homem maduro que começo a ser.

Hereditariedade ou exemplo?

A hereditariedade é há muito tempo assumida pela Medicina. De maneira bem simples, nascemos e herdamos dos nossos pais alguns dos seus caracteres físicos e psicológicos. A Psicanálise, pelo menos alguns dos seus membros, vê de uma outra forma e aquilo que se atribui à hereditariedade, eles preferem dizer que se trata de exemplo, isto é, vemos e fazemos. È o que se diz muito com relação às crianças; criança vê, criança faz.

Diante da sua extrema complexidade, não me atreveria a discutir pensando em definir um tema como esse. Porém, na minha modesta opinião (aqui modéstia não tem nada a ver com aquela tão bem definida por Schopenhauer*; um dia converso com vocês sobre isso, vale a pena), deve ter um pouco de cada coisa.

A nossa ignorância chega a assustar, apesar da estupidez demonstrada todos os dias por homens que, detentores de um pequeno saber, exibem uma arrogância que mal conseguem disfarçar, quando querem. Sem dúvida, ainda teremos que avançar muito para identificar o nível de influência que sofremos por sermos filhos daquele pai e daquela mãe. Porém, não parece fácil negar essa influência.

Ao mesmo tempo, acredito firmemente que o exemplo é fundamental nas nossas vidas. O que ouvimos, de todos, mas, particularmente dos nossos pais, é muito importante, mas o que os vemos fazer talvez seja mais. Eles são os nossos ídolos; eles fazem, nós fazemos.

E é aí que reside um dos grandes problemas do momento; os pais se perderam. São cada vez mais freqüentes as notícias de jovens que infringem as mais elementares regras de convivência, e o farão por toda a vida. Será que tem relação com alguma coisa que vemos no dia-a-dia?

Já viram os pais na porta das escolas, levando e trazendo os filhos? Onde e como param os seus carros é o que menos importa. As faixas para pedestres, aquelas elevadas melhor ainda, não servem para outra coisa que não seja para parar os carros para entrarem e saírem os “donos do mundo”. Isso é tão elementar que qualquer estudante de psicologia sabe; se os pais não têm noção de limites, como esperar que os filhos tenham? São eles que chegam às faculdades cada vez mais arrogantes, mal educados. Certamente, muitos vão dizer; que bobagem, nada a ver uma coisa com a outra.

Dos 11 aos 17 anos morei em um edifício em que as famílias tinham um padrão sócio/cultural/financeiro relativamente próximo, mas também moravam algumas, digamos, com nível mais elevado. Nesse período presenciei algumas vezes, e até hoje vejo isso, os pais brigarem com os porteiros do edifício por estes reclamarem, com o maior cuidado do mundo, dos seus filhos. Malditos porteiros (reclamar dos nossos filhos, só podem ser malditos). Assim crescem, podendo tudo.

Parece que as escolas e os professores existem para agradar aos filhos. Nas particulares, incluam-se aí as faculdades, cada vez mais comum na vida dos brasileiros, esse processo é mais marcante, pois eles “pagam para isso”. O estacionamento destinado aos professores (será que ainda existe algo que se pareça com respeito às normas?) é frequentemente utilizado por alunos. O argumento? Eu pago.

Lembram da cena chocante de recente episódio de agressão a uma mulher (somente mais um) flagrada pelas redes de televisão, em que um dos pais entra na delegacia com o argumento, “eles são crianças, não podem ser presos, são jovens, universitários, têm endereço”?

Hereditariedade ou exemplo?

* Arthur Schopenhauer – filósofo alemão do século XIX, conhecido como o filósofo do pessimismo.