Por Jean Pierre Chauvin
São Paulo, 25 de janeiro de 2019
Estimado Jean Wyllys,
Não me conheces, mas me orgulho de ti por vários motivos: primeiro por ser quem és; segundo, por que nunca ouvi qualquer notícia a teu respeito que não demonstrasse lisura e coerência (duas virtudes raras no meio em que suportaste a camarilha de homens-macho a xingarem, a invocarem Deus em nome do maior pecúnio, a defender moralidade somente para outras e outros).
A notícia da tua partida sensibilizou a mim e a todos que conheço. Não era para menos: um sujeito com a tua postura, a tua coragem, a tua luta pelas outras e outras (inclusive as criaturas que não te aceitam pelo que és, faz ou representas). Digo, cá, que podes contar, sempre, com o meu apoio, seja para ter com que te corresponderes, seja para ter a quem amplificar as palavras que mais guardaste.
Quero crer que logo tu estarás entre nós. Por ora, nosso país especializou-se em construir barragens que não barram; pontes que não atam; moralistas incapazes de autoexame; legalistas que manipulam as leis conforme o alvo de sua sanha pseudojusticeira, sem falar em figuras ainda mais ilustres que não se cansam de desarticular discursos, incapazes de pronunciar palavras como se se tratasse de sílabas em desarranjo: metáfora daquele terço (in)útil deste território, que finge confundir ordem com autoritarismo e todo o resto, que bem sabes, pois viste e sentiste de perto, durante teus mandatos, por sinal, impecáveis.
Tu, que foste merecidamente reconhecido como deputado exemplar (não só oficialmente, pelo “Congresso em Foco”); tu, que defendeste aqueles que não têm voz nem vez; tu, que mostraste aos misóginos e aos pseudopatriotas o avesso do discurso prepotente dos homens-pistola e dos latifundiários sedentos por rifar o que ainda resta desta neocolônia dos EUA.
Repara que, hoje, a Pauliceia completa 465 anos. Mas, como bem sabes, o Tucanistão só defende rodízio de poder e partidos e aplicação da justiça na escala FEDEral; aqui impera o discurso de que somos terra do trabalho (embora a quantidade de desabrigados só aumente); de que o sol nasce para todos (de fato, estamos a sofrer crescentemente com o efeito estufa e as ondas gigantes de calor); de que lugar de vagabundo é na prisão ou, de preferência, peneirado por balas calibre 12.
Nosso país voltou a se escrever em minúsculas, sabes? DESCALAbrO e desfaçatez traduzem bem parte dos eleitores — embora as palavras digam muito menos sobre a real tragicomédia que nos acomete. O rifão “primeiro atira, depois pergunta” foi institucionalizado. Quantos irresponsáveis, sem consciência de classe e cegos de ódio pelos outros, continuarão a posar com armas?
Dizia que me orgulho de ti por diversas razões. Haveria outras, que discutiremos quando tiveres retornado a um país em que a opressão não seja confundida com seriedade, ordem e macheza estúpida. Mas, devo mencionar mais um motivo: somos xarás: haverá milhões a levar teu nome, para além da certidão de nascimento, ruas e mentes afora.
Para ti, toda força, lucidez e coragem. Para nós, esperança.
Um abraço fraterno.
Jean Pierre Chauvin