A fatalidade nas nossas vidas

Batista 3

Por Ronaldo Souza

Desde 2000, ano em que iniciamos o Curso de Especialização em Endodontia da ABO-BA, Gilson Blitzkow Sydney, ou simplesmente Gilson, era um dos nossos professores convidados.

Foi muito além de ser um “simples” professor.

Tornou-se um amigo.

Um grande amigo.

Nunca pensei que a morte de alguém tão distante na convivência diária fosse machucar tanto.

A vida ensina sempre.

E ela me ensinou que, ainda que tenha importância inegável, as grandes amizades não dependem do se ver e se falar quase todos os dias.

Ali estava Gilson.

Ensinando-me com a sua ausência a força da sua presença.

No carnaval, com a minha mulher e as nossas filhas na avenida em Ondina, ligava para ele e brincava.

– Sabe quem passou aqui agora no trio elétrico e perguntou por você? Ivete Sangalo. Cobrou que era mais um ano que você enrolava e não vinha.

Vinham de lá as suas conhecidas gargalhadas como resposta e a promessa:

– Um dia eu vou.

Era assim.

Gilson

Como fazer agora que ele não poderia vir mais a Salvador?

Como fazer agora que ele não poderia vir mais para o nosso curso?

Confesso que fiquei um pouco perdido.

Não bastava que fosse um bom professor.

Era fundamental que fosse um amigo.

Consegui trazer como convidados de outros estados para o nosso curso grandes nomes da Endodontia; Estrela, Felippe, Figueiredo, Francisco Ribeiro e Gilson.

Na sequência, um pouco mais recentemente, Rielson, de maneira diferente. Ele não vem, vou com os alunos a Campinas.

Nesses 17 anos, sem exceção de um único aluno, todos aprovaram sem restrição a participação desses professores.

Mas havia um detalhe.

À competência deles, para minha enorme e confessa alegria, estava atrelada como característica fundamental a amizade.

Mesmo numa atividade profissional, confesso as minhas dificuldades quando não consigo juntar as duas coisas; competência e amizade. E não nego o peso desta.

Faço uma confissão.

Quando ele parecia estar em ascensão, já sondei um colega e cheguei a dizer a ele para vir dar aula no nosso curso.

Não levei adiante.

Apesar de, sob uma certa perspectiva, a ascensão se confirmar, percebi que faltava algo.

Definitivamente, não sou um cara pragmático.

Como fazer então tendo em vista que Gilson não viria mais?

Professor Antônio Batista.

Membro da equipe de Gilson e seu amigo, foi ele que me veio à mente.

Já conhecia o seu trabalho e o próprio Gilson já me falara bem dele. E tive a alegria de dar aula no mesmo evento que ele no ano passado.

Foram 16 horas de muita qualidade, tanto nas aulas teóricas quanto na prática.

Pude ver, agora com um tempo maior, a qualidade do trabalho de Batista e o seu conhecimento.

Os alunos adoraram e enquanto escrevia este texto recebi uma mensagem deles, da qual trago um pequeno trecho:

“A turma gostou muito das aulas (teóricas e práticas)”.

Batista, foi muito legal, tudo foi bom, tudo valeu a pena.

Aproveitando as suas palavras quando disse que a fatalidade trouxe você ao nosso curso, eu me permito dizer.

A fatalidade que nos fez chorar mostra que há sempre algo de bom que se pode tirar mesmo de acontecimentos que deixam muita tristeza.

Apesar da ausência, Gilson continua presente.

Mas agora ganhamos mais um amigo.

E ainda que nem todos estejam na foto lá em cima, que uma aluna me enviou, valeu como registro.

Não deixa de ser um registro da saudade de Gilson.

Mas é também um seja bem-vindo a Batista.

“Redondinho que nem moeda”. Parte 2

Moeda um Real

Por Ronaldo Souza

Começo a segunda parte do texto “Redondinho que nem moeda” fazendo três perguntas:

  1. A anatomia original dos canais é circular?
  2. Não parece estranho o sucesso do endodontista estar atrelado à necessidade de alteração da anatomia original dos canais?
  3. Em quantas outras outras áreas da Medicina o sucesso do ato operatório está atrelado à necessidade de alterar a anatomia original do órgão que está sendo tratado?

Qual é o canal mais utilizado para colocação de pinos protéticos no molar superior?

O palatino.

E no molar inferior?

O distal.

Já observou como os pinos colocados nesses canais costumam ser de grande calibre e que todos, endodontistas e protesistas, vibram com a “beleza” de canais bastante ampliados e pinos calibrosos?

Há uma percepção generalizada de que o canal palatino do molar superior e o canal distal do molar inferior são iguais, ou pelo menos muito semelhantes.

E como tal, canais amplos, circulares e retos, são igualmente instrumentados.

Ocorre que o canal palatino muitas vezes é amplo no terço cervical (seta verde na figura abaixo) e apresenta diminuição acentuada do seu diâmetro no terço apical (seta vermelha).

Molar superior anatomia'

Além disso, também muitas vezes apresenta curvatura voltada para a face vestibular (seta preta), que não se manifesta na imagem radiográfica. Na radiografia ele apareceria reto, como mostra a figura à esquerda.

Esse canal apresenta muitas curvaturas para vestibular que não são detectadas pela radiografia e que impediriam o uso de instrumentos de grande calibre.
Gani, O e Visvisian, C. J Endod Out 1999

Vejamos agora o que nos mostra o caso clínico abaixo.

Molar superior anatomia caso clínico

Observe como o canal palatino é muito amplo no terço médio (setas pretas), diminui de maneira considerável já no início do terço apical (setas vermelhas) e bem mais ainda no CT (setas brancas).

Perceba como a lima está adaptada no CT (setas brancas) e completamente “perdida” no terço médio (setas pretas). Aproveite e observe também que a obturação foi feita aquém do limite apical onde está a lima para instrumentar o canal cementário, que sai lateralmente em relação ao ápice radicular. Da mesma forma, as obturações dos canais vestibulares.

E o molar inferior!

Anatomia - canal distal

Na figura acima, o canal distal tem alguma coisa, qualquer coisa, por menor que seja, que sugira estarmos diante de um canal circular ou pelo menos parecido?

Qual será a relação de proximidade dele com a furca?

Diante do desejo de “arredondar” os canais e das facilidades que as grandes conicidades dos instrumentos atuais oferecem, que tipo de risco corremos com relação à proximidade com a furca?

Será que protesistas mais atentos já tiveram a atenção despertada para eventuais alterações de imagem da furca de molares com pinos?

Será que protesistas mais atentos já tiveram a atenção despertada para a maior frequência de fraturas de dentes com prótese com pinos em canais com conicidade acentuada?

Os primeiros registros sobre essa ocorrência  já surgiram.

Quantos equívocos foram cometidos em nome do travamento do cone principal de guta percha, como se isso fosse sinônimo de perfeita adaptação e vedamento hermético?

Inúmeros.

Quantos ainda são cometidos?

Inúmeros.

Será que a nossa eterna busca será sempre por instrumentos que façam uma boa modelagem, que tornem circular o que não é circular?

As consequências

“O aluno sairá apto a realizar o tratamento de canal com lima única”.

Frases como essa são de uma pobreza de imaginação absurda!

Ou, quem sabe, eu esteja completamente equivocado e seja somente um simples reflexo da ignorância endodôntica do(s) autor(es) dessa pérola?

Mas esse descompromisso com a seriedade que a Endodontia exige, como qualquer outra especialidade, vai além disso.

Como definir profissionais que usam esse tipo de marketing para seduzir jovens inexperientes?

Não sei porque me veio à mente a frase de Shakespeare em Hamlet:

Há algo de podre no reino da Dinamarca!

Quais são os riscos e as consequências de tudo isso?

Os seguidores.

Na sua infinita capacidade de repetir e disseminar essas distorções, causam danos difíceis de serem reparados.

Curso de Atualização Cebeo.png

E eis que a Endodontia, sob o manto da tecnologia, avança para o passado.

Abrir, alargar, obturar.

A tecnologia, tão importante e útil para a execução do tratamento endodôntico, tornou-se uma peça de marketing.

E “mostra” o quanto as faculdades de Odontologia estão defasadas e precisam urgentemente inserir a disciplina de Marketing na sua grade curricular.

O marketing já é mais importante do que o conteúdo de cada especialidade.

A embalagem se torna mais importante do que o conteúdo.

E esse presente só será devidamente “desembrulhado” com o tempo.

Mas até lá surgirão outros produtos bem embalados.

Tudo simples e fácil.

Com uma “vantagem”.

É tudo rapidinho.

É somente isso a Endodontia?

Pergunto outra vez.

O que eles pensam que são os jovens?

São todos idiotas, para aceitarem isso passiva e indefinidamente, sem que em nenhum momento venham a refletir e perceber a fragilidade da orientação que estão recebendo?

Como explicar a esses mesmos jovens porque os seus tratamentos endodônticos estão voltando para serem retratados nas clínicas e nos empregos dos quais fazem parte?

Quem comenta isso?

Os próprios colegas que trabalham com eles.

Vou recorrer outra vez ao professor Pécora, uma cabeça pensante na Endodontia brasileira:

Há uma Endodontia por ser feita“.

Mas peço permissão a ele para usa-la também de outra forma.

Há uma Endodontia por ser vista.

Só assim ela será, de fato, bem feita.

Na sua sabedoria, uma vez o professor Pécora me perguntou.

– Você come muito ovo de pata?

– Não, professor. Na verdade, não me lembro de ter comido alguma vez.

– Já procurou alguma vez por ovo de pata para comer?

– Não.

– Por que?

– ???

– Já viu quando a pata põe o ovo? Ela fica em silêncio. Ninguém sabe que ela pôs.

– ???

– Gosta de ovo de galinha?

– Muito.

– Já viu que quando a galinha põe o ovo faz o maior escândalo? Có, có, có, có, có… Todo mundo fica sabendo que ela pôs o ovo. E aí todo mundo come ovo de galinha.

Moral da história.

Todos conhecem e comem ovo de galinha.

Não importa se o ovo da pata é mais gostoso ou não.

Quem manda ela ficar calada.

“A massa ainda comerá o biscoito fino que fabrico”.
Oswald de Andrade

A Endodontia ainda será o biscoito fino que todos iremos degustar.

“Redondinho que nem moeda”


Moeda um Real

Por Ronaldo Souza

Apresentando-me as maravilhas daquele instrumento no meu consultório, o representante da empresa disse:

“Essa lima deixa o canal redondinho que nem moeda”.

Não ia precisar fazer nenhum esforço para guardar aquela frase na minha memória. Tinha plena certeza de que não só ficaria guardada como ocuparia um lugar de destaque.

Ela é um simples reflexo de como pensa, senão todos, a maioria dos endodontistas, entre os quais incluo muitos professores.

Você acredita que o representante da empresa, aquele que vai no seu consultório ou na sua faculdade lhe apresentar as maravilhas do novo instrumento, do novo motor, do novo sistema, do novo cimento obturador de canal, da nova resina, do novo implante… cria os argumentos para lhe vender, ou alguém faz isso para ele?

Já sabendo da sua resposta, afinal você é uma pessoa inteligente, pergunto quem é esse “alguém”?

Quem você acha que deu essa informação ao representante?

  • Um clínico
  • Um especialista
  • Um professor
  • Faustão
  • O consultor técnico da empresa
  • O cara que estava passando pela porta da empresa na hora
  • O cunhado dele
  • Nenhum desses

Por que precisamos de um canal redondinho que nem moeda?

Imaginemos espaços que tivessem o formato de qualquer uma das figuras geométricas abaixo.

Figuras geométricas planas

Imaginemos agora qualquer um desses espaços  e que temos que veda-lo com qualquer outra dessas figuras.

Alguém consegue vedar os espaços correspondentes a qualquer uma dessas figuras geométricas com qualquer outra delas?

Alguém acha possível?

Quais são as figuras geométricas acima que mais se aproximam uma da outra em termos de configuração?

1. O quadrado e o paralelogramo.

2. O círculo e o oval

Concorda comigo?

Existe cone de guta percha com o formato de um quadrado ou de um paralelogramo?

Não.

Então, que tal usarmos o círculo e o oval para a nossa conversa?

Lembra da figura abaixo?

Forame menor 1''

Pois é, um circulo (vermelho) “doidinho” para vedar um espaço oval.

Você acha que ele vai conseguir?

Parabéns!

Veja nesse texto aqui o que comentei sobre o que essa figura representa.

Agora, a figura abaixo.

Cone de guta percha'''

Esse material aí é um cone de guta percha.

Esse material tem o formato circular.

Por favor, alguém consegue me explicar como é possível o canal, que na sua maioria não é circular, ser hermeticamente vedado por esse material aí em cima?

Meu Deus!!!

Quando o óbvio ululante não é o óbvio ululante

É difícil conceber a praticabilidade de obturar hermeticamente um canal com um material pré-formado dada a complexa e variável anatomia radicular.
Oscar Maisto

Além de observação inteligente e ao mesmo tempo sutil e aguda, essa frase de Maisto, professor de Endodontia da Argentina, já falecido, representa um registro do momento da “necessidade” de mudança nas técnicas/materiais de obturação.

É difícil conceber a praticabilidade de obturar hermeticamente um canal…

O questionamento é claro.

É como se ele estivesse perguntando; vocês acreditam em vedamento hermético?

Quantos anos passamos acreditando que existia vedamento hermético em Endodontia?

Quantos anos passamos acreditando que era possível obturar hermeticamente um canal com um material pré-formado dada a complexa e variável anatomia radicular?

Vou direto ao ponto com a pergunta que faço há anos:

Alguém conhece algum trabalho que comprove a existência de vedamento hermético em Endodontia?

Por que ao longo de todos esses anos não se conseguiu comprovar a existência de vedamento hermético em Endodontia?

Por uma razão bem simples:

Não existe vedamento hermético em Endodontia!

Por que?

Graças principalmente a uma coisa chamada a-na-to-mia.

Mesmo quando o canal fica “redondinho”, não é como se imagina.

Você não acha que o canal da figura abaixo está muito bem vedado?

Canal redondo 1

Em magnificações de 40 (Fig. A) e 150 vezes (Fig. B), veja como está tudo “redondinho”. O cone de guta-percha perfeitamente adaptado em todas as paredes do canal.

Se em aumentos de 40 e 150 vezes a sensação de vedamento é tão flagrante, você consegue imaginar como deve ter ficado essa obturação na radiografia final?

Não tenho nenhuma dúvida ao dizer que na imagem radiográfica a obturação ficou perfeita.

Vedamento hermético.

Portanto, sucesso garantido.

Quantas vezes podemos imaginar que é assim que ficam as nossas obturações?

Agora acompanhe comigo a sequência das imagens das figuras A e B acima desse trabalho de Luiz Chávez de Paz, publicado no Journal of Endodontics.

Canal redondo 2

Observe na figura C (aumento de 300 vezes) a lacuna que existe entre a guta-percha e a parede do canal na área delimitada por um quadrado. Essa área pode ser vista em magnificações de 2.500, 7.000 e 10.000 vezes em D, E e F respectivamente.

Perceba como há acúmulo de bactérias nesse espaço, cada vez observado em mais detalhes à medida em que aumenta a magnificação.

Há um “mundo” de bactérias povoando aquele espaço.

Por essa razão, mesmo com a obturação perfeita, persistia a lesão periapical desse caso, como pode ser visto no artigo de Luiz Chávez de Paz, Redefining the Persistent Infection in Root Canals: Possible Role of Biofilm Communities.

Assim, o “portanto, sucesso garantido”, que escrevi logo aí em cima, não ocorreu.

Vamos juntos?

Mesmo quando a obturação parece perfeita, como a vista acima, os canais costumam apresentar espaços vazios onde microrganismos podem sobreviver e proliferar.

Estudos recentes de Khayat demonstraram que os canais perfeitamente obturados, se expostos à saliva, são recontaminados em menos de trinta dias.
Berutti, E et al., In: Scotti, R e Ferrari, M; Pinos de Fibra, 2003

O que são canais perfeitamente obturados?

Ora, canais perfeitamente obturados são canais perfeitamente obturados!

Não há falhas.

Estão hermeticamente vedados

E por que são recontaminados em menos de trinta dias???

Nunca esqueça.

Bactéria é um ser microscópico.

O vedamento hermético que lhe dizem existir e lhe “mostram” na obturação perfeita em uma radiografia periapical pode representar o mundo adequado à sobrevivência e proliferação das bactérias.

Mas observe que Maisto lançou a base para a mudança.

É difícil conceber a praticabilidade de obturar hermeticamente um canal com um material pré-formado.

Era uma deixa para mudanças nas técnicas e/ou materiais de obturação.

Aí surgiu a plastificação da guta percha.

Deixamos de ter um material pré-formado, o cone de guta percha, e passamos a ter um que podia se amoldar à anatomia do canal, a guta percha plastificada. Assim passamos a ter mais condições de melhor obturar a complexa e variável anatomia radicular.

E aí todos pensaram:

Ah, agora conseguimos vedar hermeticamente o canal!!!

Aí inventaram o “puff”.

Daí sofisticaram e foram para o “surplus” (leia “Surplus”, embuste em inglês).

Não pretendo e não vou discutir as maneiras de usar a guta percha e suas eventuais vantagens e desvantagens. Já o fiz em outros momentos e certamente voltarei a faze-lo, mas não aqui e agora.

Há algo muito maior para se discutir.

O que precisamos discutir é a compreensão do processo. Sem isso, continuaremos como estamos há mais de 60 anos; sem avançar para lugar nenhum.

Você acha que devemos parar a nossa conversa aqui?

Concordo.

Então vamos continuar no próximo texto.

Cartas à posteridade

Luz

Por Ronaldo Souza

“Perfeito o texto! Que sirva para reflexão de todos. Pena que poucos leiam.”

Este foi o comentário de Andrea Gomes de Freitas, aluna de uma das nossas primeiras turmas do Curso de Especialização em Endodontia, sobre o texto Evidências incômodas. Por isso, ignoradas. Parte 2.

Sempre muito educada e meiga, Andrea me inspirou a escrever este que mostro agora.

“Considero minhas obras como cartas que escrevi à posteridade, sem esperar resposta”.
Heitor Villa-Lobos

Tom Jobim, maestro soberano, como diz Chico Buarque em uma de suas músicas, tinha Villa-Lobos como referência máxima.

O hábito do charuto que Tom Jobim desenvolveu é um reflexo da idolatria assumida por Villa-Lobos.

Ter Tom Jobim entre os seus fãs certamente não é para qualquer um.

Entre as músicas de Villa-Lobos, uma sempre me tocou muito profundamente.

As Bachianas.

Curta essa maravilha, aqui interpretada pela soprano porto-riquenha Ana Maria Martínez, num concerto com a Filarmônica de Berlim, dirigida por Gustavo Dudamel, em 15 de junho de 2008, para uma platéia de 20 mil pessoas.

                                            Villa Lobos – Bachianas Brasileiras 5 – Aria

Não direi, Andrea, que o que escrevo tem como endereço a posteridade.

Mas, como o jovem escritor personagem de “Meia-noite em Paris”, o belíssimo filme de Woody Allen, se sentia maravilhado pela convivência com monstros sagrados como Ernest Hemingway, Cole Porter, George Gershwin e outros, me faz um bem enorme me sentir “entre” os homens que projetam gestos e ações mais consistentes para as suas vidas.

Como negar que gosto de saber que me leem.

Você me honra com a sua leitura.

Todos me honram ao ler os meus textos.

O site endodontiaclinica está fazendo 10 anos agora em 2017 e nunca fez parte do meu roteiro procurar ver as estatísticas dele.

Comecei a faze-lo mais recentemente há pouco menos de um ano, quando passei a postar a parte inicial dos textos no Facebook com um link para o site.

Foi a partir daí que comecei a acompanhar as estatísticas, não em detalhes, só para ter uma ideia do “movimento”.

Para se ter uma ideia, existem leitores de outros países. São poucos, claro, porque é escrito em português.

O mais recente deles é um endodontista do Japão, Naohiro Tsukmoto, que há pouco tempo me enviou uma mensagem pedindo outros artigos meus sobre a questão da limpeza do canal cementário, dizendo que tinha lido um deles e tinha gostado muito.

Enviei os artigos, mas nada falei sobre o Face, mas sabe como é japonês por tecnologia. Ele “pegou” e já se manifestou lá no Facebook.

Por que falo disso?

Por uma razão bem simples.

“Perfeito o texto! Que sirva para reflexão de todos. Pena que poucos leiam.”

Não são tão poucos os que me leem.

Para minha alegria e sei que também para sua, pela sua generosidade, posso dizer que é um número considerável.

Para você ter uma ideia, na semana retrasada na terça e quarta-feira a quantidade de visualizações foi pouco acima de 2.500, em cada um dos dias.

Na quarta-feira da semana passada, 3.506.

Ontem, dia em que vi seu comentário, foram 2.747 visualizações e hoje, na metade do dia, já estava em pouco mais de 2.200.

As pessoas estão vendo a “chamada” no Facebook e vão ao site para continuar lendo os textos, mas não se manifestam.

Não clicam no “curtir” e muito menos fazem comentários, mas estão lendo os textos.

Que os textos não sejam “perfeitos” para elas como você comentou, mas estão lendo.

Talvez elas não saibam, mas me honram muito com a leitura.

Fiquei um pouco “ausente” das coisas da Endodontia e já falei sobre isso.

Em boa parte, essa “ausência” foi intencional por algumas razões. “De fora” você observa melhor e nesse período observei muita coisa.

Vi pessoas e coisas.

E foi por conta disso que fiz uma mudança no foco do site.

É bem possível que essa mudança tenha passado despercebida, não sei.

Hoje, mais do que nunca, tenho muita consciência da importância do meu trabalho como professor de Endodontia e é isso que está me dando muito gás.

Ainda há muita coisa por dizer e fazer.

Aproveito o momento para dizer algo e em seguida fazer um pedido a você e aos que me leem.

Talvez alguns estranhem que eu não me manifeste nas curtições e comentários feitos nas minhas postagens.

Há razões para isso.

Mas, jamais pensem que é a desatenção de alguém que dá pouca importância. Entre outras razões, é questão de tempo.

Mesmo sendo poucos os que se manifestam, o que deu a Andrea a impressão de que são poucos os que leem, quero agradecer a todos eles por prestigiarem os meus textos.

E aí vem o pedido.

Fico feliz com cada curtição e comentário, mas quem quiser e puder, “entre” mais para curtir, comentar e compartilhar.

Como não são cartas à posteridade, espero a resposta de vocês.

Gostaria que os textos alcançassem o maior número possível de pessoas.

Tenho certeza de que muitos dos que me leem concordam em boa parte com a Endodontia sobre a qual conversamos aqui, mas, sobretudo, sei das razões que nos aproximam.

Sendo assim, vamos tornar forte essa Endodontia.

Reporto-me a Oswald de Andrade, um dos membros mais importantes da Semana de Arte Moderna, na década de 1920.

Renomado intelectual brasileiro e consagrado escritor, tinha consciência da qualidade do seu trabalho.

Recorro a ele.

“A massa ainda comerá o biscoito fino que fabrico”.
Oswald de Andrade

A Endodontia ainda será o biscoito fino que todos iremos degustar.

Evidências incômodas. Por isso, ignoradas. Parte 2

Reciprocante

Por Ronaldo Souza

Mas, professor, como fica o tocar nas paredes do canal?
Não precisa mais?
Ou o senhor já acha que os paradigmas podem ser quebrados sem as evidências necessárias?

Terminamos a primeira parte deste texto com as perguntas acima.

Continuemos.

Não seria interessante ter alguns trabalhos consistentes que mostrem resultados a longo prazo ou pelo menos a médio?

Vamos lá.

Existem inúmeros estudos falando sobre anatomia em Endodontia e poderíamos recorrer a qualquer um deles, inclusive os mais recentes, mas vamos voltar um pouquinho no tempo. Vamos lá atrás para ver há quanto tempo algumas informações importantes estão ao nosso dispor e, pelo visto, são ignoradas.

Em 1958, Green publicou um interessante artigo sobre a anatomia dos canais radiculares, como mostra a figura abaixo.

Vamos ver o que esse trabalho traz de informação importante para os dias atuais.

Forame menor 1'

Como mostra a figura A acima, Green fez cortes em diferentes grupos de dentes a 0,5 e 1 mm e a 5,5 e 6 mm aquém do ápice radicular e examinou ao microscópio.

Deixemos de lado as medidas de 5,5 e 6 mm. Vejamos as de 0,5 e 1 mm e vamos trata-las por igual.

A 1 mm aquém do ápice radicular, medida largamente utilizada como comprimento de trabalho, ele encontrou as configurações do canal que você vê em B e percebeu, como você também pode perceber, que nenhum canal era circular. Usemos a que está apontada pela seta amarela, por ser a que mais se aproxima da imagem que fazemos do canal a 1 mm aquém. Ela é vista em tamanho maior em C.

Observe que ela tem duas medidas, N e W, iniciais de narrow e wide, que significam estreito e largo respectivamente.

Green observou que o menor diâmetro anatômico apical dos canais a 1 mm aquém era, em média, 0,25 mm, o que corresponde à lima 25. Este é o diâmetro anatômico apical, por exemplo, dos canais mesiais do molar inferior.

Como todos sempre imaginaram que os canais instrumentados ficam bonitinhos, certinhos, perfeitamente centralizados, imaginemos que a lima 25 chegou ao CT.

Seria essa imagem que você vê abaixo.

Forame menor 1''

A lima estaria tocando nas paredes da porção mais estreita (N), mas bem distante das paredes da porção mais larga (W).

Você sabe qual é o diâmetro dessa porção mais larga?

Em média, 0,35 mm, o que corresponde à lima 35.

Qual é a lima reciprocante preconizada para instrumentar os canais de menor calibre, como os mesiais do molar inferior?

A lima 25.

Reciprocantes

Projeto algumas dúvidas no horizonte de certezas dos professores que idealizam e ensinam Endodontia com instrumento único.

  1. É possível formar uma boa matriz apical em um canal cujo diâmetro anatômico é 0,25 mm instrumentando somente com a lima 25?
  2. É possível assegurar uma efetiva ação mecânica na busca do controle de infecção, vou repetir, controle de infecção, instrumentando o canal somente com a lima 25, quando algumas partes dele não serão tocadas por apresentarem um diâmetro anatômico apical de 0,35 mm, o que exigiria pelo menos uma lima 35,?
  3. Posso imaginar algo como “onde eu não toco não limpo”?
  4. Em outras palavras, é possível que, ao não tocar nas paredes do canal, eu não consiga limpa-lo ou não faça isso com um mínimo de segurança, de previsibilidade como alguns adoram dizer?
  5. Onde são maiores as minhas chances de conseguir uma limpeza mais efetiva, quando instrumento o canal com instrumento único ou quando o faço com alguns instrumentos na sequência de uso de maiores calibres?

Vou fazer a mesma pergunta do item 5 de outra maneira.

Não importa se 2, 3, 4, 5, quantos forem, conhecendo as discrepâncias entre os instrumentos endodônticos e a anatomia dos canais, as minhas chances de conseguir uma limpeza mais efetiva são maiores quando uso alguns instrumentos para preparar o canal ou quando uso um só?

A simplicidade é recurso de poucos.

Leonardo da Vinci diz que “a simplicidade é o último grau de sofisticação.”

Mas estão confundindo simplicidade com simplismo.

Da inocência para a tolice é um passo.

Sim, neste momento não estou mais falando somente de instrumento único, mas de pensamento simplista, algo muito danoso à Endodontia.

Será que está correta a proposta do instrumento único?

Para não pôr certeza onde certezas têm pouco espaço, diria que, no mínimo, é muito provável que não.

Até que se prove o contrário, o conhecimento da anatomia e o bom senso não permitem pensar assim.

Mas, por outro lado, será que não foi também um equívoco predeterminar que o canal tinha que ser preparado com 4 ou 5 instrumentos?

Não seria mais?

Quem sabe, menos?

Em 2012, publicamos o artigo Apical third enlargement of the root canal and its relationship with the repair of periapical lesions (clique no título) no European Journal of Dentistry, em que os resultados mostraram não haver diferença quanto ao reparo de lesões periapicais entre o grupo I (canais instrumentados até 3 limas) e o grupo II (canais instrumentados até 4 limas).

Encontramos a verdade final?

Longe disso.

É claro que outros precisam confirmar os nossos resultados.

Os resultados do nosso trabalho simplesmente oferecem uma evidência que sugere não existir diferença quando você instrumenta o canal portador de lesão periapical com 4 ou mesmo 3 instrumentos e não com 5 (1+4), como manda a regra. Outros trabalhos podem ir na mesma direção ou na direção oposta,

A regra sugere que nos casos de necrose pulpar os canais devem ser preparados com 5 instrumentos (1+4).

O nosso artigo aponta para o reparo de lesões periapicais com o preparo do canal realizado com 3 instrumentos, o que representa 1+2.

Se projetarmos isso para a figura que mostra acima uma lima 25 ajustada no diâmetro menor (N), veremos que se fizermos a instrumentação com mais 2 na sequência de calibres maiores, chegaremos à lima 35, que corresponde ao diâmetro maior (W) relatado por Green.

Instrumentando com a lima 35, que estaria tocando também nas paredes das porções de maior diâmetro do canal (W) e assim promovendo ação mecânica efetiva sobre essas paredes, onde estariam as minhas maiores chances de promover limpeza? Nessa forma ou com um único instrumento?

Interessante é que, “apesar” dos nossos resultados apontarem para a eficácia do uso de 3 instrumentos, em casos com lesão periapical, não mudamos a nossa orientação.

E qual é a orientação que damos aos nossos alunos?

De instrumentar os canais com algo em torno de 4 a 5 instrumentos.

Quatro instrumentos é igual a dizer 1+3 e cinco é dizer 1+4.

Isso, você está certo!

É exatamente a mesma coisa.

Sabe por que faço isso?

Para fugir da regra do 1+3 e 1+4, porque ela se tornou compromisso obrigatório para vários professores.

Mas percebeu que tem um algo em torno.

Os meus alunos não têm que instrumentar com 3, 4, 5, 6… instrumentos, por uma razão bem simples.

Quem dá as cartas é a anatomia, não o professor.

Os nossos alunos aprendem algo em torno, sempre que possível!

Professor, aqui pra nós, o senhor acha correto querer fazer valer a ideia do instrumento único sem as sempre exigidas evidências que suportem essa visão?

Sem elas, as evidências, dá para sair Brasil afora fazendo cursos de imersão ensinando a preparar canal com instrumento único?

“O aluno sairá apto a realizar o tratamento de canal com lima única”.
Autor (des)conhecido

Incrível!!!

Como ver tamanha tolice e ficar indiferente?

Então agora os cursos de Endodontia não visam mais deixar o aluno apto a realizar o tratamento endodôntico e sim a realizar o tratamento de canal com lima única!

Não se ensina mais a fazer tratamento endodôntico no tempo compatível com cada situação, respeitando-se a capacidade e experiência de cada um? Tem que fazer todos por igual, em sessão única?

Não se ensina mais a fazer tratamento endodôntico de acordo com a anatomia do canal, condição patológica…? Tem que fazer todos por igual, com um único instrumento?

Não se ensina mais a fazer tratamento endodôntico de acordo com cada paciente, respeitando a sua individualidade, a complexidade emocional-afetiva de cada um deles e as eventuais dificuldades que isso pode trazer para o tratamento? Tem que fazer todos por igual, em sessão única e com um único instrumento?

Será que nem de longe dá para desconfiar da insensatez da proposta?

Há como esquecer ou contestar a frase de Martin Trope?

“Uma lima, uma hora, uma sessão. Como matar uma especialidade!”

O que são os jovens?

Todos idiotas, para aceitarem isso passiva e indefinidamente, sem que em nenhum momento venham a refletir e perceber a fragilidade da orientação que estão recebendo?

O senhor, professor, não consegue imaginar a distorção que um marketing desse tipo pode gerar na formação deles?

O que de fato significa tudo isso?

O que está por trás disso?

Qual é o objetivo real?

Será que há alguma informação da qual não temos conhecimento?

Será que há alguma outra coisa qualquer que não percebemos?

Essa outra coisa tem a ver com Endodontia?

Professor, deixe-me lhe dizer uma coisa.

Sabe aquelas coisas que dizem sobre “domínio da anatomia”?

Aquelas frases de efeito tipo “o problema da endodontia são as bactérias, porém o problema do endodontista é a anatomia!”

Pois é.

Alguém diz algo desse tipo e os dadores de curso se encarregam de difundir.

E aí, numa bela manhã de domingo, “descobrem” que dominam a anatomia.

Pretendem que o domínio da anatomia represente a chave para o sucesso na Endodontia.

O domínio da anatomia é o passaporte para a felicidade.

Dominando-a, como dizem, dominam as bactérias.

Dominando as bactérias, têm o controle da infecção.

E auditórios cheios.

Simples.

Muito simples.

Mas como podem mostrar esse domínio se o preparo do canal não tem imagem própria?

De várias maneiras.

Uma delas, a obturação.

“Quando realizamos o preparo do canal com a técnica da FOP-UNICAMP com patência e ampliação do forame apical, é comum o extravasamento (surplus) de cimento, o qual demonstra que a área pela qual houve a saída do excesso foi limpa, deixando livre o caminho para o preenchimento completo”.
Freire, AM

Olha que maravilha! (veja meu comentário sobre essa afirmativa na primeira parte deste texto)

Foi essa a preocupação de Steven Spielberg quando disse que “nós perdemos e devemos recuperar nosso caso de amor com a Palavra. Eu sou tão culpado quanto outros por ter exaltado a Imagem às expensas da Palavra”.

As palavras são usadas assim, soltas, superpostas, vazias, sem nenhum compromisso com elas.

O importante é criar a imagem.

O pedestal está logo ali adiante.

O que me resta?

A dúvida.

Rio ou choro?

Por que historicamente muitas vezes o conhecimento foi retido e se tornou um bem dos predestinados?

Conhecimento é luz e isso o torna incômodo.

A luz costuma fazer caírem as máscaras.

A verdade é que o desconhecimento ainda ocupa espaço relevante na Endodontia.

É esse desconhecimento que permite o surgimento de propostas que, a despeito do seu poder de sedução, muitas vezes não passam de… propostas.

Algumas mirabolantes.

Quantas já vieram, quantas já se foram!

Não se trata de fechar olhos e mentes ao novo, muito pelo contrário.

Abram-se portas e janelas, mas observemos o que chega.

Como disse Chico Buarque:

Não quero o novo pelo novo. Quero o novo pelo que de bom ele pode trazer.

É chegada a hora de fazer uma imersão no desconhecimento.

Luz, por favor.

Evidências incômodas. Por isso, ignoradas

Forame menor 1'''

Por Ronaldo Souza

Há coisas que parecem passar despercebidas.

Mas só parecem, não passam.

Durante muitos anos uma regrinha desafiou a inteligência e o bom senso.

1 + 3 e 1+ 4.

No tratamento endodôntico de dentes com polpa viva, os canais deviam ser preparados com um instrumento inicial (aquele que se ajustasse no comprimento de trabalho, CT), e mais três de calibres superiores na sequência de alargamento (como muitos gostam de dizer).

E no tratamento endodôntico de dentes com polpa necrosada, os canais deviam ser instrumentados com o instrumento inicial e mais quatro de calibres superiores na sequência de alargamento.

Estava errada a orientação quanto aos níveis de instrumentação?

Possivelmente não.

Foi o conhecimento gerado à época.

Então por que “desafiou a inteligência e o bom senso”?

Você observou que falei “orientação” na frase um pouco acima?

Tornou-se compromisso obrigatório.

Aos alunos dizia-se que na polpa viva tinham que instrumentar com 1+3 e na polpa necrosada com 1+4.

Protocolo!

Aí estava o desafio à inteligência e ao bom senso.

Como se na Endodontia coubessem regras pré-determinadas.

Então, quando o aluno “partia” pra tratar um canal com polpa viva já sabia; 1+3.

Quando era polpa necrosada, 1+4.

Nada mais, nada menos.

O porque não importava.

Determina-se, faz-se.

Cumpra-se.

Independentemente de qualquer coisa, porém, era necessário, pelo menos assim se imaginava, que o instrumento e consequentemente a instrumentação, alcançasse todas as paredes do canal.

Diante de paredes dentinárias infectadas, e por consequência também os seus túbulos, sabia-se que um único instrumento não era capaz disso.

Daí, a necessidade de que outros de calibres maiores fossem, na sequência, tocando e “desgastando” as paredes.

Quantos?

1 + 3 e 1+ 4.

Sem dúvida, a regra mais utilizada.

Certa ou errada, o julgamento da regra não é a questão.

A questão é o consenso:

A necessidade do uso de alguns instrumentos para um bom preparo do canal, pelo reconhecimento de que um único não seria capaz de desempenhar esse papel.

Por que usamos soluções irrigadoras com algumas características como ação solvente de matéria orgânica, ação antimicrobiana, neutralizadora…?

Por sabermos que a ação dos instrumentos está longe de ser aquela que gostaríamos.

Virou chavão dizer que “estima-se que cerca de 35 a 40% das paredes dos canais não são tocadas pelos instrumentos…”

Como contornar essa situação?

Entre outras propostas, as soluções irrigadoras.

Já se preconizou de tudo.

De hipoclorito de sódio de 0,5% a 10% a ofurô, passando por detergentes, cremes, clorexidina…

Um evidente reconhecimento das limitações da ação mecânica dos instrumentos quanto ao seu maior objetivo:

Remover o conteúdo do canal.

Ora, ora, ora, que maravilha!

1+3=4.

1+4=5.

Quer dizer que 4 ou 5 instrumentos são utilizados na instrumentação do canal e mesmo assim se admite que “cerca de 35 a 40% das paredes dos canais não são tocadas” por eles!

E agora vem alguém e diz:

Basta usar 1!

“Era necessário, pelo menos assim se imaginava, que o instrumento e consequentemente a instrumentação, alcançasse todas as paredes.”

Lembra dessa frase?

Foi dita aí em cima.

Parece que isso hoje não é mais necessário.

Ou será que esse instrumento único é capaz disso?

Nesse sentido, o que há de tão revolucionário nele?

Sistemas de Rotação Alternada

Técnica da Força Balanceada

A Técnica da Força Balanceada foi proposta por Roane JB, Sabala CL e Duncanson MG Jr (The “balanced force” concept for instrumentation of curved canals. J Endod 1985 May; 11(5):203-11).

Deixemos de lado os detalhes para dizer que consiste da rotação da lima em um quarto de volta no sentido horário, para prender-se à dentina, e de meia a uma volta no sentido anti-horário.

Um quarto à direita, meia a uma volta à esquerda.

Percebeu que o maior giro (vamos chamar assim) é à esquerda?

No Brasil, o professor De Deus, Quintiliano Diniz de Deus, adaptou-a e criou a Técnica dos Movimentos Oscilatórios.

Ambas são realizadas com instrumentos manuais.

Uso a técnica de movimentos oscilatórios desde 1992, quando De Deus lançou a 5ª edição do seu livro.

Há 25 anos.

O que representam a “rotação da lima em um quarto de volta no sentido horário e de meia a uma volta no sentido anti-horário” e os “movimentos oscilatórios”?

Movimentos de rotação alternada.

Só que realizados com instrumentos manuais.

Os movimentos de rotação alternada “à direita e à esquerda” foram incorporados a sistemas mecanizados de instrumentação dos canais como o M-4 (Kerr), o Endo-Gripper (Moyco-Union Broach) e o Tep 10R, para citar três.

M 4

Endo Gripper

Passamos a ensina-los nos nossos cursos a partir da primeira turma de especialização em 2000, com o professor Gilson Sydney, da Universidade Federal do Paraná (UFPR).

Usávamos no curso o M 4 e o Tep 10R (trazidos pelo professor Gilson) e o Endo Gripper, que era nosso.

Movimentos reciprocantes

O que são movimentos reciprocantes?

São movimentos de rotação alternada à esquerda e à direita.

São movimentos oscilatórios.

Com algumas modificações em relação aos citados anteriormente, a começar pelos instrumentos utilizados e pela cinemática aplicada a eles.

No M 4 e Endo Gripper os instrumentos utilizados eram os manuais, como se pode observar nas figuras acima, enquanto que nos reciprocantes, instrumentos próprios desenhados para esse objetivo.

Se no M 4 os movimentos eram igualmente de 30º à direita e à esquerda e no Endo Gripper também igualmente de 45º à direita e à esquerda, nos reciprocantes são diferentes.

Reciprocantes

No Reciproc, são girados 150º à esquerda e 30º à direita, o que faz um “total” de 120º.

Feito em três ciclos, ao final cumprem um giro de 360º.

No Wave One, 170º e 50º respectivamente, cumprindo também ao final um giro de 360º.

Percebeu que o giro maior é à esquerda, tal como a Força Balanceada de Roane e colaboradores?

Novo instrumento, nova cinemática, nova proposta.

A de instrumentar o canal com um único instrumento.

“Uma lima, uma hora, uma sessão. Como matar uma especialidade!”

Foi assim que Martin Trope definiu essa questão.

Mas não há como negar.

O poder de sedução é inegavelmente enorme, como também é a dificuldade em resistir a ele.

Num auditório cheio causa um impacto SEN-SA-CIO-NAL.

Saímos e vamos direto para o stand comprar.

“O aluno sairá apto a realizar o tratamento de canal com lima única”.
Autor (des)conhecido

Tem sido anunciado de diferentes maneiras, geralmente como algo de eficiência comprovada e irrefutável.

Desde o início é assim, quando ainda era um bebê recém-saído da proveta. 

Maravilha!!!

Vamos lá.

Instrumentos desenhados para esse tipo de uso; ótimo.

A qualidade do instrumento é inquestionável; ótimo.

Quanto à cinemática, particularmente gosto muito, razão pela qual utilizo a que lhe deu origem há 25 anos; ótimo.

Mas, professor, como fica o tocar nas paredes do canal?

Não precisa mais?

Ou o senhor já acha que os paradigmas podem ser quebrados sem as evidências necessárias?

Continuaremos nossa conversa.

Quem ama, blinda

Quem ama, blinda

Por Ronaldo Souza

A vida impõe regras.

E assim nos limita.

Ao mesmo tempo, porém, parece dizer bem baixinho, sussurrando ao ouvido para que, pela proximidade, chegue mais rapidamente às nossas mentes:

Não siga as regras!

A vida parece ensinar a todo instante que a rigidez de pensamentos e ideias não encontra espaço tão facilmente, particularmente na ciência. Por isso a rigidez não sobrevive por muito tempo.

Custei a aceitar que posso defender o acesso à câmara pulpar sem ainda ter feito o isolamento absoluto.

Já entendia que podia e devia fazer em algumas situações, mas tinha dificuldade em preconizar. Há alguns anos, porém, decidi.

Acho que preciso explicar isso.

Fazer acesso à câmara pulpar sem isolamento absoluto fere princípios básicos do tratamento endodôntico executado dentro dos conhecidos e recomendáveis critérios de manutenção de rigorosa cadeia asséptica.

Quando não é feito nessas condições, o acesso à câmara pulpar oferece todas as possibilidades e riscos que conhecemos. Um deles, a eventual contaminação do sistema de canais.

De procedimento técnico recomendável passou a obrigatório.

Mas às vezes essa questão é tratada como se os microrganismos estivessem de tocaia, só à espera de uma porta se abrir e fazer o toque de ataque.

– Cavalaria, atacar!

E aí, em correria desenfreada, os microrganismos invadiriam as fronteiras do inimigo, no caso o desguarnecido sistema de canais radiculares.

Não, não é assim.

Em primeiro lugar, bactéria não corre.

Nem anda.

Proliferam-se e ocupam espaços.

E é dessa maneira que, mesmo antes da porta se abrir, elas já terão “chegado” ao canal via túbulos dentinários.

É aí que entra a vida.

Apresentando as suas dificuldades e nos apresentando ao bom senso.

Diante de dentes em que se detecta previamente que haverá dificuldades acima do normal para localizar a câmara pulpar e com isso risco iminente de, por exemplo, ocorrer uma perfuração de furca, não seria recomendável fazer as fases iniciais do acesso sem isolamento absoluto? Assim que a câmara pulpar for localizada, o procedimento é interrompido para a execução do isolamento.

A irrigação inicial com hipoclorito de sódio e a complementação do acesso à câmara pulpar, removendo todo o seu conteúdo com curetas e irrigação com hipoclorito de sódio, seriam então realizados.

Não pode ser assim?

O que pode representar mais risco à preservação do dente?

O acesso inicial à câmara pulpar sem isolamento absoluto em casos de grande dificuldade de localização da câmara pulpar, ou a contaminação do orifício de localização da câmara pulpar nas condições descritas, contornada pelo procedimento também descrito?

Anuska2''

Não parece aceitável fechar horizontes nos procedimentos de um ato operatório.

A possibilidade de alternativas deveria ser sempre bem-vinda. A Endodontia agradece.

Quando começa o tratamento endodôntico?

O paciente começa a ser tratado assim que entra no consultório do endodontista.

É naquele momento que, ao conversar com o paciente, explicar-lhe o que é e como é o tratamento, que o endodontista começa a mostrar a sua segurança e assim tranquiliza-lo. Naquele momento ele começa a ser tratado, “sem que nada ainda tenha sido feito”.

Precisamos não só entender, mas pôr em prática a concepção de paciente como um todo, em toda sua plenitude.

Ao vir para a cadeira, nela sentar para ser tratado e ao sair dela ao final do tratamento, ele é todo o tempo o ser pleno. Disso nenhum dentista, e especificamente o endodontista, pode esquecer.

Ao mesmo tempo, porém, naquele momento do tratamento, ele é um paciente endodôntico.

Ele não é paciente da Dentística Restauradora ou de Prótese.

Ao repetir, reforço. Ele é paciente endodôntico.

Concordo inteiramente com você que ao ler o que acabo de escrever, pensou; conclusão óbvia.

Então vamos ao óbvio.

O que é Endodontia?

“Endodontia é a especialidade que tem como objetivo a preservação do dente por meio da prevenção, diagnóstico, prognóstico, tratamento e controle das alterações da polpa e dos tecidos perirradiculares”.

Esta é a definição de Endodontia que consta no Conselho Federal de Odontologia (CFO).

Se há alguma mais nova no site do CFO, não consegui encontrar. E nela vejo que está bem explicitada a função do endodontista.

Pelo menos em tese, uma vez que o endodontista não é um profissional que atua nas áreas de Dentística Restauradora ou Prótese, é possível que, voltado para as coisas da Endodontia, ele não tenha desenvolvido as competências exigidas para atuar nessas áreas.

É possível, por exemplo, que não esteja apto a realizar restaurações coronárias como de fato elas devem ser feitas.

E o “como de fato elas devem ser feitas” apresenta algumas exigências, como todo o conjunto de alternativas de materiais restauradores adequados a cada necessidade, confecção de pinos apropriados a cada situação e não somente um predeterminado, conhecimento mais aprofundado de oclusão, restabelecimento dos pontos de contato daquela unidade com os dentes vizinhos e outros mais. Todos muito importantes.

Não devo estar enganado se disser que não me parece que essas sejam as condições apresentadas pelos endodontistas de um modo geral.

Podem ser desenvolvidas por eles?

Claro que sim.

Acredito, porém, que não seja a realidade da maioria deles.

Não cabe aqui a discussão sobre o que isso acarretaria. Uma discussão muito mais complexa e profunda sobre a formação do Cirurgião Dentista – “você está apto a exercer a Odontologia…” – e questões como as áreas de competência de cada especialidade.

Mas o que não cabe mesmo é a forçação de barra que se percebe com o uso abusivo de determinadas expressões e procedimentos, como se fossem a única solução para os problemas endodônticos.

Há catorze anos chamei a atenção para uma dessas questões. Veja.

“Ao se preconizar o vedamento hermético apical como o fator responsável pelo sucesso em Endodontia durante todos esses anos, cometeu-se um grande equívoco. Em condições normais, não há bactéria na região periapical, portanto, não é lá que reside o problema. As bactérias existem aos milhões na cavidade bucal e é o reconhecimento desse fato que faz com que, mais recentemente, alguns autores comecem a demonstrar a sua preocupação com o selamento coronário, a ponto de o considerarem, provavelmente, tão ou mais importante do que o apical (RAY & TROPE, 1995; WALTON & JOHNSON, 1997). De nossa parte não há nenhuma dúvida; o selamento coronário é mais importante do que o apical”.

Está escrito exatamente assim, inclusive com os negritos, na página 209, Capítulo 7 (Obturação do Sistema de Canais), do livro Endodontia Clínica, 2003.

Capa do livro

Você acha que para mim é alguma novidade falar da importância da restauração coronária?

Não, não é novidade.

Como também não há nenhuma novidade no oportunismo de se aproveitar mais uma chance para fazer mais marketing na Endodontia.

É mais um pedestal construído para se colocarem como diferenciados.

Fazer parte da Confraria dos Eleitos pelos Deuses.

Ah, como é uma delícia essa sensação!

Não é difícil, diria que até muito pelo contrário, é cada vez mais comum, encontrar quem adore dourar a pílula e se empavonar.

Estou me colocando contra a importância da restauração coronária?

“De nossa parte não há nenhuma dúvida; o selamento coronário é mais importante do que o apical”.

Você acha possível para quem disse isso há catorze anos?

A ênfase ao dizer que o selamento coronário é mais importante do que o apical, uma frase arriscada, dita num momento em que ninguém entendia assim e ninguém fazia essa abordagem, foi justamente para chamar a atenção sobre a importância desse tema.

Você está convidado a ir ao livro Endodontia Clínica para ver porque ele foi o único no Brasil a colocar essa questão nesses termos.

Há 14 anos.

Quando termina o tratamento endodôntico?

Às vezes tenho a impressão de que querem estender a conclusão do tratamento endodôntico.

O tratamento endodôntico é concluído quando o canal é obturado.

É nesse momento que ele é concluído.

A atenção ao paciente, não.

Essa não está concluída.

Ela se continua por um tempo que não há como preestabelecer. Varia de acordo com as necessidades e objetivos de cada caso.

Portanto, não vamos confundir uma coisa com a outra, isto é, tratamento endodôntico com atenção ao paciente. São diferentes.

Concluiu o tratamento endodôntico?

Faça um bom selamento coronário.

Há risco de fratura coronária?

Faça uma boa proteção da estrutura remanescente.

Quer fazer o que chamam de blindagem?

Faça.

Quem ama, blinda'''

Você acha que consegue blindar o dente?

Blinde.

Brinde pela façanha.

Mas, por favor, não diga que é indispensável ao sucesso do tratamento endodôntico, deixando clara a insinuação de que quem assim não faz…

Não faça isso porque mais uma vez é um jogo cruel e covarde para muitos profissionais cuja realidade pode não ser a mesma que a de alguns em grandes centros urbanos do país.

Por falar em grandes centros urbanos do país, é neles onde há também maiores riscos com relação à segurança pessoal e da família. As empresas do ramo sabem disso e exploram muito bem.

A blindagem é cada vez mais procurada, tanto por pessoas que compram veículos novos, como por empresários, profissionais bem sucedidos ou de grande patrimônio – alvos fáceis de sequestros, assaltos ou qualquer outro tipo de violência.

Essa frase é de uma propaganda de blindagem de carros.

Ao dizer “Quem ama, blinda”, o que será que querem dizer?

Será que querem dizer que quem não blinda não ama a família, como insinua a primeira imagem lá em cima?

Ao acenar com essa mensagem – empresários, profissionais bem sucedidos ou de grande patrimônio” a empresa sabe que está mexendo com o imaginário das pessoas e tocando fundo no sonho de consumo; o de serem profissionais bem sucedidos.

Entenda-se bem sucedidos.

Quantos gostariam de blindar os seus carros?

Arrisco dizer que muitos.

Quantos blindam?

Não muitos.

Só os profissionais bem sucedidos.

Por que?

Custo.

Mas quantos ficarão desconfortáveis por se saberem e, pior, pelos outros também saberem, que eles não estão entre os profissionais bem sucedidos?

Crie categorias que enquadrem os que não são, os que não fazem parte, os que não pertencem, que eles farão de tudo para serem, fazerem parte, pertencerem.

Blindarão seus carros, acredite.

Aí serão, farão parte, pertencerão.

E se sentirão diferenciados.

E segue o baile.

Há os que fazem blindagem dental.

Há os que não fazem.

Quantos temerão não serem vistos como profissionais bem sucedidos?

Quantos querem ser, fazer parte, pertencer?

Quantos “fazem um canal rapidinho”?

Quantos serão pressionados e se sentirão desconfortáveis por não fazer?

Quantos farão de tudo para fazerem?

E segue o baile.

É assim que funciona.

Prezado colega endodontista, dirijo-me agora diretamente a você.

Tenha também entre as suas preocupações de endodontista a de restaurar e proteger a coroa dental.

Dentes com grande destruição coronária merecem cuidados especiais. Restaure-os da melhor maneira possível.

Os materiais seladores/restauradores provisórios desenvolvidos cumprem bem o papel para o qual são destinados: selamento provisório.

Concluiu o tratamento endodôntico?

Faça um bom e cuidadoso selamento provisório, oriente o paciente quanto à importância e necessidade da restauração coronária e o encaminhe para faze-la.

Se você mesmo faz a restauração, ótimo.

Não se preocupe, seja de uma forma ou de outra, dá tempo.

O canal não será invadido por bactérias em correria desenfreada.

Cabe o mesmo raciocínio.

Não haverá toque de avançar cavalaria.

Não é assim.

A vida é simples.

Bela e simples.

Ela chega pra você e diz.

– Olha, quero lhe apresentar ao bom senso. Quero que você o conheça.

E aí o conhecemos.

Usá-lo ou não é uma questão de… bom senso.

Instrumentação do canal cementário; um novo conceito. 3ª parte

Por Ronaldo Souza

Canal cementário

Como foi dito na 2ª parte deste texto, alguns autores chamam de forame menor aquela porção do canal que corresponderia ao limite CDC/ponto de constrição (linha amarela na figura 1). Dali o canal se continua até o forame apical, chamado pelos mesmos autores de forame maior, que constitui a saída do canal da raiz (linha preta na figura 1).

Esse espaço entre o forame menor e o maior constitui o canal cementário (seta dupla azul na figura 1).

Forame apical menor e maior pontilhados

Percebe-se com relativa facilidade que a anatomia dessa região, particularmente no que concerne às dimensões dos dois forames, o menor e o maior (Fig. 1), tem gerado muita incompreensão sobre patência apical e ampliação foraminal.

Já conversamos sobre esses dois temas na primeira e segunda parte respectivamente deste texto e expliquei porque essas expressões, apesar de consagradas, não são adequadas e contribuem para o entendimento  equivocado generalizado que existe a respeito dessa questão.

Forame é o nome dado a uma abertura para passagem de vasos e nervos em ossos ou entre ligamentos.

Esta é uma definição simples, interessante e objetiva de forame da Wikipédia.

O forame apical é representado então pelas linhas pontilhadas em preto (Fig. 1) e azul (Fig. 2B).

Quando você diz que preparou o canal está dizendo que preparou o comprimento de trabalho (CT) ou que preparou todo o canal?

Você não diz que preparou o CT e sim que preparou o canal, porque sabe que a infecção está em todo ele.

Por outro lado, sempre que se diz que o canal foi preparado fica subentendido que foi o canal dentinário, afinal ele sempre foi e ainda é tido como “o campo de ação do endodontista”.

Canal cementário infectado''

As imagens da figura acima são da dissertação de mestrado do Prof. Francisco Ribeiro (UFES).

Observe o retângulo preto que envolve o canal cementário e pequena parte da lesão periapical na figura 2 A. Essa imagem é vista em maior aumento em B.

A seta vermelha aponta para uma “colônia” de neutrófilos tentando entrar no canal para combater a infecção contida nele.

Não há como.

As “estradas” foram cortadas.

Como não há mais circulação sanguínea (é uma polpa necrosada), os neutrófilos ou qualquer outra célula de defesa não têm como ter acesso ao canal.

Observe também em B que em toda a extensão do canal cementário, as suas paredes apresentam reabsorções.

Essas reabsorções estão povoadas por bactérias Gram negativas e Gram positivas, como mostra o Prof. Francisco Ribeiro no detalhe de uma delas na figura 2 C.

Vamos juntos?

Todo o canal cementário está infectado.

Sendo assim, o que deve ser feito?

O mesmo que você faz quando prepara o canal dentinário; instrumentar o canal cementário.

Não só para remover o conteúdo da “luz do canal” cementário como também o que está aderido às suas paredes.

Para entender mais facilmente essa questão, sugiro que, se você não leu a 2ª parte deste texto leia agora, como também a leitura do artigo “Relationship between Files that Bind at the Apical Foramen and Foramen Openings in Maxillary Central Incisors – A SEM Study”. Souza, RA; Sousa, YTCS; Figueiredo, JAP; Dantas, JCP; Colombo, S; Pécora, JD (leia aqui).

Deixemos de lado o fato de que o canal cementário varia bastante na sua extensão e que teria, portanto, diversos comprimentos e consideremos que ele apresenta 1 mm de extensão, medida largamente utilizada como comprimento de trabalho.

Uma vez que a infecção, além de instalada no canal dentinário, também está contida no cementário, como demonstra amplamente a literatura endodôntica, por que a instrumentação do canal teria que ser feita somente no canal dentinário?

Qual o sentido que existe em se instrumentar somente o canal dentinário se o cementário, tal qual ele, também está infectado?

Essa resistência está amparada em evidências ou se escora no paradigma de que o canal dentinário é o campo de ação do endodontista e somente ali cabe a ele trabalhar?

Estabelece-se uma norma e pronto?

É assim?

Ninguém ousa repensa-la?

A imaginação é mais importante do que o conhecimento

Digamos que alguém acha que não há evidências suficientes que suportem esse procedimento.

Se as evidências existentes ainda não são em quantidade suficiente, para onde nos leva a nossa inteligência?

Ou ela não nos leva a lugar nenhum?

Para onde nos leva a nossa imaginação?

Diz Einstein que “a imaginação é mais importante do que o conhecimento”.

Como imaginar um canal preparado sabendo-se que uma porção dele permaneceu infectada?

Como imaginar que à luz do conhecimento atual, que mostra a presença da infeção no canal cementário, o endodontista deve ficar preso às determinações de quando não existia esse conhecimento?

Observe novamente as figuras 1 e 2 B. Onde estão os forames apicais nessas imagens?

Nas linhas pontilhadas em preto e azul respectivamente, confere?

E na figura abaixo? No círculo pontilhado em B.

Perceba que o forame apical, como foi dito na 2ª parte deste texto, é a saída do canal cementário da raiz.

Forame apical maior pontilhado

Instrumentação do canal cementário – o novo conceito

Vou fazer duas perguntas cujas respostas parecem óbvias.

O canal cementário tem paredes?

Sim.

O forame apical tem?

Não.

Ângelo CT 2''

Apesar de alguns pensarem assim, o forame apical não possui paredes.

Representado neste texto pelas linhas pontilhadas mencionadas, o forame apical é tão somente o final das paredes do canal cementário.

Forame é o nome dado a uma abertura para passagem de vasos e nervos em ossos ou entre ligamentos.

Lembra?

No caso da Endodontia, por onde passam os vasos e nervos que compõem o tecido conjuntivo pulpar.

Vejamos algumas definições do Dicionário de Termos Médicos:

Forame aracnoide – abertura mediana do quarto ventrículo
Forame carótida – abertura de cada extremidade do canal carotídeo na porção pétrea do osso temporal
Forame dextrumabertura diafragmática por onde passa a veia cava inferior
Forame infraorbital – abertura externa do canal infraorbital na superfície do corpo da maxila

Estão consagrando outro equívoco, como fizeram com o coto pulpar.

O coto pulpar é conhecido como coto pulpar sem ser coto pulpar.

A construção da frase é intencional.

Quando lhe dizem coto pulpar você pensa nele como tecido periodontal?

Claro que não.

E o que ele é?

Tecido periodontal.

Ah, mas não tem importância, já está consagrado.

Legal!

E aí os nossos alunos morrem sem saber o que, na verdade, é o coto pulpar.

Como posso ser um bom endodontista se não sei o que são e como reagem os tecidos que trato?

Simples.

Vá lá, entre no canal, alargue e obture bonito.

Fez isso?

Fez rapidinho?

Ficou bonita a obturação?

Fez surplus?

Pronto.

Você é um endodontista de excelência!

Seu professor?

É o cara.

É nas paredes do canal cementário que ocorrem as reabsorções (figura 2 B) e é o detalhe de uma dessas reabsorções que é visto povoado por bactérias na figura 2 C.

Não alcançadas pela instrumentação convencional do canal e fora do alcance do sistema imune, elas habitam o canal cementário.

É isto que precisa ser entendido; a necessidade da instrumentação do canal cementário para efeito de limpeza, para efeito de remoção do seu conteúdo necrótico e infectado.

Para efeito de controle de infecção.

Não se trata de ampliar o forame.

Este é um conceito equivocado.

É o mesmo que se usa para alargar canal.

Devia ser proibido “alargar canal”.

Devia ser ensinado como preparar o canal.

Enquanto não aprendermos a diferença entre uma e outra coisa, continuaremos nessa mesmice que não consegue alterar o panorama da Endodontia.

E tome retratamento!

E tome cirurgia parendodôntica!

E tome extração!

E tome implante!

Por que diante de tantos bons instrumentos/técnicas de instrumentação e de tecnologia a literatura registra que os nossos percentuais de sucesso não se modificam ou não o fazem de forma significativa?

Porque usamos os bons instrumentos/técnicas de instrumentação e a tecnologia para alargar e obturar os canais e não para, de fato, fazer bons preparos de canais.

Ao se enfatizar muito a modelagem e não o preparo do canal, como tem sido feito, comete-se um grande equívoco.

Modelagem é escultura, modelar é esculpir, e isso é usado para dar ao dentista ares de um refinado artesão, como historicamente sempre se fez e se faz ainda hoje.

Preparar o canal é voltar-se para um ato operatório em que o conjunto da ação mecânica/física/química visa fundamentalmente o controle da infecção, seja evitando a sua instalação, seja “eliminando-a” caso já tenha se instalado.

“O tratamento endodôntico é fundamentalmente o manejo clínico de um problema microbiológico”.
Figdor, D. Periodontite apical. Oral Surg, Oral Med, Oral Pathol… Editorial, Dez 2002

Da mesma forma que patência foraminal e ampliação foraminal são coisas distintas, ampliação foraminal e instrumentação do canal cementário são conceitos diferentes.

Há equívocos também na maneira de executa-lo.

Enfim, adotou-se um procedimento sem o devido entendimento do que realmente significa e de como faze-lo e assim uma grande corrente foi formada.

Formou-se uma confraria.

Muitos hoje fazem parte desse movimento e em nome dele dizem coisas completamente equivocadas.

E eles se acham!

A plateia ainda aplaude, ainda pede bis
A plateia só deseja ser feliz
(Gonzaguinha)

Descartes, Universidade e a Endodontia

Descartes e Endodontia

Quando realizamos o preparo do canal com a técnica da FOP-UNICAMP com patência e ampliação do forame apical, é comum o extravasamento (surplus) de cimento, o qual demonstra que a área pela qual houve a saída do excesso foi limpa, deixando livre o caminho para o preenchimento completo.

Por Ronaldo Souza

Mesmo tendo frequentado as melhores universidades da Europa, (René)Descartes, o filósofo francês, achava que não tinha aprendido nada de importante, ou pelo menos consistente, em seus estudos, exceção feita à matemática.

Não parece muito provável que diante de uma formação acadêmica de reconhecida qualidade ele estivesse certo no seu pensamento.

Parece mais provável que ele tenha se deixado levar pelo seu elevado nível de cobrança com ele próprio, muito comum às mentes inquietas.

Penso, logo existo

Não é difícil imaginar essa possibilidade quando vinda de um homem que pensava na razão humana como única forma de existência.

Acreditava no “verdadeiro conhecimento”, algo irrefutável, inquestionável.

Mas como todas as teorias científicas são refutáveis, passou a duvidar de tudo, inclusive da sua própria existência.

Porém, ao duvidar da sua própria existência Descartes se deparou com algo irrefutável.

A dúvida.

E a dúvida o trouxe para a compreensão e aceitação da sua existência.

Se estivéssemos presentes naquele momento e pudéssemos “ouvir” seu pensamento, talvez fosse algo desse tipo:

Ao duvidar de algo, estou pensando, se estou pensando, existo.

“Penso, logo existo”.

Assim, a sua existência parece ter sido a primeira verdade irrefutável que ele encontrou.

É possível, quem sabe, que Descartes tenha percebido que a certeza é a convicção do idiota.

Descartes nos ensina a “descerteza”, a dúvida.

E a dúvida é amiga inseparável do pensamento.

E, de acordo com Descartes, é o pensamento que nos faz existir.

Mas o mundo não vive só de Descartes.

O mundo não vive só de quem ainda se permite ter dúvidas.

Há homens que de tudo têm certeza.

E tudo afirmam.

Pense, para existir

Por que falo de mentes inquietas e de Descartes como um dos seus mais importantes representantes?

Porque, além de se questionar tanto, questionou as melhores universidades da Europa.

E aí ele nos ensina mais uma vez.

A falibilidade da Universidade.

Ainda que tenha importante papel a desempenhar na nossa formação acadêmica, não é ela, universidade, que nos torna diferenciados.

Muito menos a busca do seu guarda-chuva protetor pela repetitiva citação do seu nome. Isso só expõe a insegurança de quem usa esse artifício.

“Respaldar-se” na tradição da instituição mostra toda a fragilidade do profissional, ao demonstrar que, sem ela, ele não é capaz de “segurar” determinados conceitos.

A instituição se torna seu salvo-conduto.

“Surplus” como sinônimo de limpeza

“Quando realizamos o preparo do canal com a técnica da FOP-UNICAMP com patência e ampliação do forame apical, é comum o extravasamento (surplus) de cimento, o qual demonstra que a área pela qual houve a saída do excesso foi limpa, deixando livre o caminho para o preenchimento completo”.
Freire, AM

Da mesma forma que é equivocado imaginar que a matriz apical impede que o material obturador extravase para os tecidos periapicais durante a sua condensação, é um grande equívoco imaginar o que diz a frase acima.

A sua inconsistência é flagrante.

Imaginemos o tratamento de um canal com polpa viva.

Sem entrar no mérito, imaginemos agora quantos milhares de canais com polpa viva foram tratados mundo afora preservando-se o coto pulpar, pelo simples fato de que era assim que se ensinava.

Você é capaz de dizer em quantos houve extravasamento de material obturador?

Claro que não, mas, provavelmente lembra que isso aconteceu em diversos casos que você mesmo tratou e muito mais ainda nos que você viu de outros colegas, em cursos de Endodontia, em congressos, jornadas e encontros de Odontologia.

Mais uma vez, sem entrar no mérito da questão se é certo ou errado “preservar” o coto pulpar, naquele momento da obturação ele ainda tem corpo, oferece resistência ao toque, ou seja, a porção final do canal, a área pela qual houve a saída do excesso de obturação não está vazia.

Mesmo assim, como você sabe, há extravasamento de material obturador.

Imaginemos agora o tratamento endodôntico de um canal com polpa necrosada.

Nesses casos, como você também sabe, não há mais coto pulpar vivo.

Agora, o canal cementário está “preenchido” por um tecido necrosado que, diferentemente do coto pulpar vivo, não tem corpo, não tem consistência e, portanto, não oferece nenhum tipo de resistência.

Nessas condições, a simples irrigação será capaz de “empurrar” esse material para os tecidos periapicais.

Diante da compressão que se faz para condensar bem a obturação, dá para imaginar o que pode acontecer com ela?

Diante da “compressão hidráulica” (bonito o nome, não?) da guta percha plastificada, dá para imaginar o que pode acontecer com ela?

Diante do bom escoamento do cimento e de uma boa compressão, dá para imaginar o que pode acontecer com ele?

Vamos juntos?

Nessas condições, você seria capaz de afirmar que o extravasamento (surplus) de cimento é uma demonstração de que a área pela qual houve a saída do material obturador foi limpa?

Ao duvidar de algo, estou pensando, se estou pensando, existo.

Lembra?

“Penso, logo existo”.

Não pensar leva a afirmativas desprovidas de qualquer sentido como a feita acima.

Não pensar compromete a compreensão das coisas mais elementares e compromete a própria atuação clínica. Afinal, que importância tem “fazer” se se desconhece os princípios mais básicos do que se está fazendo?

É isso que se chama de ignorância ativa.

Por mais que não se perceba, e pelo visto não se percebe, a Endodontia exige um pensar no dizer e no fazer.

Diante da certeza de que o extravasamento (surplus) de cimento demonstra que a área pela qual houve a saída do excesso foi limpa, recomenda-se uma visita a Descartes.

A especialista e a mestra

Bruna Seixas 1

Apesar de todo o avanço das técnicas operatórias e dos instrumentos disponíveis no mercado, o desafio da complexidade anatômica dos canais radiculares enfrentado pelo endodontista permanece.

Por Ronaldo Souza

“Ser mãe é padecer no paraíso”.

Tantas vezes ouvi essa frase, principalmente nas proximidades do Dia das Mães.

Ser mãe deve ser a coisa mais linda e importante da vida.

No entanto, nem por isso, ela deixa de padecer.

Ainda que seja no paraíso.

Acredito que muitos devem imaginar o quanto deve ser bom ser professor.

É sim.

Por diversas razões, que não vou enumerar, é bom sim.

Mas não vou romancear ao falar do “ser professor”.

Roubo a frase dedicada às mães.

“Ser professor é padecer na sala de aula”.

Num momento em que as “distâncias” entre professor e aluno parecem se acentuar, é natural que haja alguns desencontros entre eles.

Quantas vezes me surpreendi pensando em sala de aula; “o que estou fazendo aqui?”.

Ou alguém imagina que ser professor é ser homenageado a cada turma que conclui a faculdade?

Não, não pense nisso, ou, pelo menos, não pense somente nisso.

É muito pouco.

Ainda que alguns planejem assim, ser professor vai muito, muito além disso.

Sequer pensem que ser professor seria, por exemplo, entrar frequentemente em ação para auxiliar o aluno no ambulatório.

Quantas vezes paramos para pensar que muitas vezes talvez seja justamente isso que não se deve fazer?

Ainda há muito para aprendermos nessa relação.

A verdade é que há muitos desencontros nessa caminhada.

Estariam esses desencontros se tornando mais comuns?

Por outro lado, se há esses desencontros, haverá sempre aqueles momentos de reencontro.

Nessas horas, também pode ser incomensurável a alegria de ser professor.

Mais uma vez tive a honra de receber o convite para fazer parte da banca de qualificação e na sequência da banca de defesa de dissertação de mestrado de um aluno, neste caso de uma aluna, do Programa de Pós-Graduação em Processos Interativos dos Órgãos e Sistemas, do Instituto de Ciências da Saúde da UFBA.

A Pós-Graduação em Processos Interativos dos Órgãos e Sistemas do ICS tem como coordenador o Prof. Roberto Paulo Correia de Araújo, reconhecido entre outras coisas pela sua competência, dedicação e seriedade.

Foi ele o orientador do trabalho, que teve como co-orientadora a Profa. Luciana Soares de Andrade Freitas Oliveira.

Nos dois momentos, qualificação e defesa da dissertação, tive a satisfação de participar da banca com os professores Silvio Albergaria e Luciana Soares de Andrade Freitas Oliveira.

A aluna em questão é Bruna Geórgia Lordêlo Seixas de Oliveira, Bruna Seixas, como ela é mais conhecida. Aqui, ela será Bruna. Na foto acima, é a da esquerda, de óculos.

Seu trabalho: “Estudo In Vitro da Morfologia da Raiz e do Canal Radicular de Pré-Molares Inferiores através de Tomografia Computadorizada de Feixe Cônico”.

Bruna foi minha aluna de graduação no Curso de Odontologia da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública.

Depois de alguns poucos anos, reencontrei-a na qualificação do Mestrado, já como especialista em Endodontia.

Já nos momentos iniciais da sua qualificação, ouvindo dela onde tinha feito o curso de especialização em Endodontia, veio-me à mente que eu poderia estar diante de duas Brunas; a Bruna especialista e a Bruna pretendente à mestra.

Como seria esse duelo?

É que a especialista tinha aprendido a ver a Endodontia, e consequentemente o tratamento endodôntico, como algo muito simples, banal, fácil de ser executado.

Dentro do conceito de “domínio da anatomia”, muito comum nos dias atuais, aprendera que esse domínio faria dela uma grande endodontista. Para isso, dispunha de instrumentos, técnicas e tecnologia.

Era alargar e obturar. Nada mais simples e fácil.

E ali estava ela, diante dos seus próprios resultados, na sua primeira experiência como investigadora das coisas da Endodontia.

E eu via o trabalho perguntando a ela.

– Bruna, você consegue dominar essa anatomia que você está mostrando através das suas tomografias?

O choque seria inevitável.

E foi.

Apesar de todo o avanço das técnicas operatórias e dos instrumentos disponíveis no mercado, o desafio da complexidade anatômica dos canais radiculares enfrentado pelo endodontista permanece”.

Essa frase é da dissertação de Bruna.

Ainda que o seu trabalho, como de resto todos os outros, encontre as naturais limitações por abordar apenas uma das faces da Endodontia e do tratamento endodôntico, a complexidade anatômica do sistema de canais radiculares observada em “apenas” dois dentes, primeiro e segundo pré-molares inferiores, foi suficiente para “despertar” a endodontista que agora ensaia surgir.

A complexidade da morfologia do canal radicular e raiz do primeiro pré-molar inferior parece ter sido subestimada no passado”.

Quando Bruna diz isso em outra parte da dissertação, parece querer mostrar que identificou e reconheceu que o “seu passado”, tão recente, como especialista em Endodontia subestimou a complexidade da morfologia do canal radicular.

E essa tomada de consciência é, talvez, somente a primeira consequência.

Porque, na verdade, Bruna, o conhecimento da complexidade do sistema de canais não é de agora. Já existe há anos. E você verá que em outros dentes pode ser maior ainda.

É que parece não ser de interesse discuti-la mais profundamente.

Dessa maneira, o conceito de “domínio da anatomia” se apresenta mais sedutor e a sua disseminação mais confortável. Torna-se mais fácil “ensinar” Endodontia em função do tempo que se gasta para “fazer canal” e não do tempo que talvez precisemos para, como conversamos na sua defesa, exercer controle de infecção.

E assim, mais facilmente os jovens são atraídos, mesmo que sejam inteligentes como você.

Este estudo confirma a complexidade da anatomia interna de pré-molares inferiores e revela que as classificações vigentes não refletem plenamente as configurações apresentadas pelos pré-molares inferiores, evidência que reforça que o endodontista deve estar atento para a ocorrência destas variações a fim de evitar possíveis causas de insucesso no tratamento endodôntico”.

Sim, Bruna, a sua conclusão é verdade.

Por isso o seu trabalho ganha importância. Ele ratifica a necessidade de maior atenção de nossa parte a fim de evitar possíveis causas de insucesso no tratamento endodôntico e está de acordo com Orhan e colaboradores quando analisam o segundo pré-molar inferior com ramificação apical complexa e dizem que “a configuração do canal radicular tem papel significante no resultado do tratamento endodôntico” (Journal of Endodontics, janeiro de 2017).

Você subiu mais um degrau na sua caminhada endodôntica, não só por ter se tornado mestra, mas por começar a ver além do jardim.

Por tudo que vi e ouvi, tive a certeza de que a mestra Bruna Seixas começou a perceber as limitações que existiam no universo da especialista Bruna Seixas.

Na defesa de dissertação de mestrado de Bruna Geórgia Lordêlo Seixas de Oliveira, Bruna Seixas, não padeci na sala de aula.

Pelo contrário.

Senti o quanto sou importante por ser professor.

E essa é a glória do professor.