Dos momentos de “espirituosidade” no Natal à “desobstrução imperial” na Endodontia

Ilusão''

Por Ronaldo Souza

Ah, a palavra!

Como é importante e tem peso na nossa vida.

Tão importante que Steven Spielberg, o mago da imagem, pediu desculpas por não lhe dar a atenção que merece:

Nós perdemos e devemos recuperar nosso caso de amor com a Palavra. Eu sou tão culpado quanto outros por ter exaltado a Imagem às expensas da Palavra.

Ah, a palavra!

Por que muitas vezes é tão maltratada e usada só pelo prazer da pretensa e descabida erudição?

Éramos seis casais em um jantar de confraternização às vésperas do Natal, na casa de um dos casais há alguns anos.

Todos os homens à mesa eram dentistas, dos quais quatro eram endodontistas. Entre as mulheres, três dentistas.

De repente, salta de lá um colega que sempre gostou de falar muito.

Conhece aqueles discursos cheios de gordura, com excesso de colesterol?

Por que quem pensa que sabe falar acha que deve falar bonito e difícil?

“Queria aproveitar esse momento de ‘espirituosidade’ para…”

Ainda que algumas pessoas relatem que não curtem muito o Natal porque lhes bate um pouco de tristeza pela lembrança de alguém que já se foi, não era esse o sentimento que reinava naquele momento.

Mas também estava longe de ser uma mesa de boteco, onde rolam as piadas, as amenidades, as conversas jogadas fora, enfim, coisas de boteco mesmo, onde a espirituosidade de alguém pode vir à tona.

É claro que nenhum momento, mesmo um jantar mais solene, impede que as pessoas contem piadas, fiquem alegres e riam, pelo contrário. Entretanto, parece ser mais usual que em um jantar de Natal as conversas girem principalmente em torno do que se fez naquele ano que se finda, das perspectivas para o próximo e, claro, das reflexões que nos invadem a alma pelo momento de maior espiritualidade que costuma reinar no período em que se comemora o nascimento de Cristo.

Soa como um absurdo, algo completamente despropositado, traduzir a espiritualidade que toma conta dos nossos espíritos nesse período do ano como um momento de espirituosidade.

Ah, a palavra!

Como é traiçoeira quando não temos um caso de amor com ela (como diz Spielberg) e simplesmente tentamos tirar proveito, como da mulher que o homem só usa para o sexo!

Quando busca os refletores, a palavra perde a força e o brilho.

Soltas, desconexas, superpostas, vazias.

Pior, perde o compromisso com a verdade.

E, ainda que nem sempre percebido, mostra-se farsante num universo maior.

Maltratada, “persegue” seu algoz e não escolhe lugar nem hora para traí-lo e mais uma vez jogá-lo na fria vala da ignorância exibicionista.

A ignorância ativa então ganha asas e faz mais um voo baixo, rasteiro.

“O ultrassom na endodontia tem papel fundamental, principalmente nos casos de dentes com obstruções cervicais e/ou terço médio, pois possui insertos diferenciados para cada tipo de situação. a desobstrução é imperial para que os canais sejam tratados”.

A desobstrução se faz uma necessidade imperiosa em vários momentos do tratamento endodôntico, como por exemplo, a desobstrução do canal para o retratamento.

Mas, o que será uma desobstrução imperial?

É possível que seja aquela realizada por um predestinado, um imperador da Endodontia.

Aí a desobstrução deve ganhar ares de imperial.

E somente aos “mãos santas”, eleitos pelos deuses, é dado esse privilégio.

Aí sim.

“A desobstrução é imperial”.

Instrumentação do canal cementário; um novo conceito. 2ª parte

Por Ronaldo Souza

Como é que você chama os espaços mostrados pelas linhas pontilhadas amarela e preta na figura abaixo?

 Forame apical menor e maior pontilhados'

Limite CDC/ponto de constrição e forame respectivamente, não é isso?

Quando se diz “instrumento que se ajusta no forame”, o que você pensa?

Que o instrumento está ajustado no forame, claro.

Onde é o forame na figura acima?

Na linha pontilhada preta.

Posso lhe fazer uma pergunta?

O instrumento que se ajusta naquele local  e que, portanto, teria aquele diâmetro, passaria na porção mais estreita mostrada pela linha pontilhada amarela?

Vamos em frente porque quero lhe mostrar outras coisas.

O Prof. Pécora e seu grupo fizeram alguns trabalhos bem interessantes e que constaram do seguinte.

Testaram varias limas nos canais mesio-vestibulares de molares superiores (leia o artigo aqui). Aquelas que se ajustaram a 1 mm aquém do ápice radicular foram fixadas com Super Bonder. O ápice e a ponta do instrumento foram cortados simultaneamente e o terço apical das raízes foi seccionado. Nessas condições, os terços apicais foram levados ao microscópio eletrônico de varredura.

Você vê algumas das imagens na figura abaixo.

CT de Pécora

Tendo sua as pontas cortadas, é assim que as limas aparecem nas imagens.

Observe que elas estão folgadas, não tocam na maior parte das paredes dos canais.

Em outras palavras, as limas que deram a sensação tátil de que estavam ajustadas a 1 mm aquém estavam, na verdade, folgadas, como mostram as imagens.

Se  a 1 mm aquém, na região tida como de maior constrição do canal, as limas, apesar da sensação tátil de ajuste, estão folgadas, como você acha que elas chegarão no forame?

Forame apical maior pontilhado

A figura 3 A acima é de um trabalho que ainda não publiquei e em 3 B ela “aparece” trabalhada para este texto.

Perceba que a lima (sem a ponta cortada) apresenta o mesmo tipo de relação com o “limite CDC/zona de constrição” (porção escura à sua volta), ou seja, folgada, que mostrei no trabalho do Prof. Pécora (Fig. 2).

Há alguma relação de adaptação dela com as paredes do forame, cujo contorno pode ser visto melhor pelo traço pontilhado em 3 B? Ela está ajustada às paredes? Toca nelas?

Claro que não.

Sendo assim, se eu disser que não existe “instrumento que se ajusta no forame”, você concorda comigo?

Por que você concorda?

Porque percebeu que o instrumento simplesmente não passaria pelas porções mais estreitas do canal (linha amarela na figura 1), se tivesse o diâmetro do forame como mostra o contorno pontilhado na figura 3 B acima.

Faz algum sentido ficar falando de “instrumento que se ajusta no forame”?

Então vamos estabelecer juntos?

Não existe “instrumento que se ajusta no forame”.

Ampliação foraminal

O que significa de fato quando alguém diz que faz ampliação foraminal?

Que ele está ampliando o forame.

Quer coisa mais óbvia?

Mas, perceba; ampliando o forame!

Será que não perceberam que para fazer isso eles terão que “arrebentar” o ápice do dente?

Veja a figura 4 abaixo.

Forame menor e maior 1

Observe as setas amarelas. Em A ela aponta para o local de maior constrição do canal e em B para a lima “ajustada” nele.

As setas brancas em B apontam para os “limites” da reabsorção apical na região do forame, acentuando a divergência de suas paredes. Perceba que assim que a lima passa do local de ajuste (seta amarela) fica completamente “perdida” no forame.

As linhas pontilhadas em C mostram o quanto você teria que alargar o canal naquela porção apical para alcançar os “limites” do forame, mostrados pelas setas em B. A partir do momento em que alcançar o diâmetro do forame é que você vai fazer a ampliação foraminal.

Dá para imaginar o nível de desgaste de estrutura radicular que você terá que fazer para executar a ampliação foraminal?

Você pode executar a ampliação foraminal e quem sabe também o dente, por eventual fratura posterior da sua porção apical, de tão frágeis que ficarão as suas paredes.

Pode-se contra-argumentar dizendo que estou exagerando, por mostrar um caso de reabsorção apical, que acentuou as dimensões do forame.

Faço isso intencionalmente, para evidenciar o desconhecimento que existe sobre um procedimento tão disseminado e este caso clínico cai como uma luva, pela força de suas imagens.

Mas quer pegar um caso normal, sem reabsorção?

Volte à figura 3 e imagine também o nível de desgaste que você teria que fazer para alcançar as paredes do forame (delimitadas pela linha pontilhada) e a partir daí fazer a famosa ampliação foraminal.

É essa recomendação, ampliação foraminal, que vejo fazerem todos os dias, inclusive nessa grande proliferação de vídeos que existe hoje no YouTube falando desse e de outros temas.

Será que sabem do que estão falando?

Há uma real compreensão do procedimento ou são meros seguidores de protocolos, aliás, como alguns gostam tanto de alardear?

A essa altura acho que você já tirou suas conclusões.

Ângelo CT 2'

Confesso que não sei o que significa Física e geograficamente, a ampliação do forame apical não interfere na fisiologia do elemento dental.

Talvez por isso, também não entendo o que quer dizer “a diferença se faz mínima, já que apenas remove-se poucas camadas  ao derredor do forame“.

O que é diferença mínima e diferença de que?

Remove-se poucas camadas de que ao derredor do forame?

Se é ao derredor não é no forame, mas “no espaço circundante, em volta, à volta, em torno”, que é o que significa a palavra derredor.

Assim, remover “poucas camadas (???) ao derredor do forame” é trabalhar nos tecidos circundantes, em volta do forame; nos tecidos periodontais.

O que é “suficiente para eliminar a maior parte das bactérias aderidas às paredes do forame?

O que significa esse amontoado de palavras superpostas sem conexão?

Afinal, amplia-se ou não o forame?

Por outro lado, também não parece interessante dizer que “o desbridamento foraminal é realizado com limas de reduzido calibre utilizado para a limpeza do forame(Leonardo, M. Tratamento dos Canais Radiculares, 2005).

O calibre das limas não deve ser predeterminado, mas sim de acordo com cada caso.

Lima de pequeno calibre no forame

É possível que uma lima de calibre reduzido seja efetiva no caso da figura 4 A, mas não parece que seria no caso da figura 4 B.

A lima deve ser proporcional a cada situação. 

Continuaremos a nossa conversa sobre esse tema.

Faltam muitos is para pôr os pingos

Dúvida''

Por Ronaldo Souza

Refletindo sobre a vida, como tenho hábito de fazer há muitos anos, comecei a rever algumas coisas e percebi como “deixei pra lá” muita coisa.

E me chamou a atenção como “deixei pra lá” muita coisa na Endodontia.

Há nove anos escrevi um texto chamado Pondo os pingos nos is em que esclarecia determinado episódio.

Nessa recente reflexão percebi que tenho muitos is sem pingos.

Fiz então uma pergunta a mim mesmo.

Como deixar passar em branco afirmativas como a que diz que “a nova geração dos localizadores eletrônicos foraminais nos dá uma segurança de 100% na localização do  limite CDC?”

Que prejuízos uma frase dessa pode trazer à comunidade endodôntica, particularmente para aqueles que ainda estão na faculdade ou começando a vida profissional?

O que essa afirmativa reflete, grande desconhecimento, algum interesse inconfesso, ou as duas coisas?

O que deve fazer um professor em horas como essa, “levantar” a mão para questionar e discutir ou calar?

O que significa “levantar” a mão para questionar e discutir?

Pus o “levantar” entre aspas para dizer que, não só com o gesto da mão levantada, possível quando se está presente no momento em que o palestrante diz algo que lhe inquieta, como também manifestar-se quando essa inquietação lhe chega pela internet através de textos ou vídeos, tão na moda.

Entenda-se o “questionar e discutir” não como uma agressão gratuita, mas sim como discussão de ideias e conceitos.

Entretanto, mesmo quando parece estar claro que é somente isso, ou seja, discussão de ideias e conceitos, há sempre a possibilidade de que alguém imagine que você está querendo “derrubar” o palestrante.

Desde que me tornei professor, não consigo lembrar de nenhum momento em que “levantei” a mão. Mesmo quando não havia nenhuma dúvida de que era necessário.

Simplesmente fiquei calado.

O que significa calar nessas horas?

Entre outras coisas, significa perder a oportunidade de trazer para a plateia uma discussão rica, com troca de ideias que provavelmente irão ajudar na compreensão das coisas da Endodontia.

Mas pode significar algo mais também.

“Garanto que provoquei uma reviravolta na cabecinha de vocês. Pensavam que eu ia dizer que a obturação é o fator determinante do sucesso e estou dizendo que não é”.

Lembra que há poucos dias postei um texto, Lavoisier e a Endodontia, em que falei sobre um professor que, na minha terra, “na minha cara”, assumiu a paternidade de uma nova concepção sobre o papel da obturação do canal? (Clique no título do texto acima em azul para ler).

Como pude ficar calado vendo aquele rapaz cometer tamanha desfaçatez?

Fiquei em nome do não “levantar” a mão para que as pessoas presentes não pensassem que eu estava querendo “derrubar” o palestrante.

Em primeiro lugar, ele não podia ser derrubado, pois já estava no chão.

Ainda que os holofotes pareçam resplandecer a imagem de alguém e que boa parte dos membros de uma especialidade não perceba o homem por trás da aparência, a desonestidade científica não permite que alguém se mantenha, de fato, em pé.

Não importa, a minha omissão é imperdoável.

Diante da indignidade, toda omissão é imperdoável.

E o meu não agir não me deixou mais em paz.

Viver em sociedade é se violentar todos os dias.

Entretanto, para tudo há um limite.

E após muita reflexão, tomei uma decisão.

Independentemente de qualquer coisa, os is da Ciência, e aqui estamos falando da Endodontia, não podem mais ficar sem que alguém lhes ponha os pontos.

De uma certa forma, já iniciei esse processo, mas pretendo intensifica-lo.

Instrumentação do canal cementário; um novo conceito. 1ª parte

Limas no forame apical

Por Ronaldo Souza

Por muitos anos, o canal dentinário foi tido como “o campo de ação do endodontista”.

Isso significa dizer que o endodontista não devia ousar ir além desse limite; não lhe competia qualquer ação no canal cementário.

No tratamento de canais com polpa viva ou necrosada, não importava, o canal cementário era uma região sagrada, intocável.

Lembremos que ali reside o que se conhece como coto pulpar.

O surgimento do conceito de patência apical (Stephen Buchanan, 1989), “um instrumento fino usado passivamente através da constrição apical sem amplia-la”, incorporou ao arsenal do endodontista a lima de patência, mas, sobretudo, mudou a relação do endodontista com aquela porção final do canal.

Proposta para evitar que raspas de dentina se compactassem nas porções finais do canal e assim interferissem no comprimento de trabalho, imaginou-se também, e alguns assim escreveram, que a patência apical faria a limpeza das referidas porções.

Daí foram surgindo diversas intepretações, muitas delas equivocadas e que trouxeram confusão e incompreensão sobre o tema.

A instrumentação deve ser feita em um nível suficientemente profundo para remover ou pelo menos reduzir significantemente os microrganismos”.
Wu, MK et al. O Surg O Med O Pathol O Radiol Endod Jan 2000

O que significa um nível suficientemente profundo???

Onde é esse nível?

Incrivelmente vaga e em cima do muro, a frase de Wu e colaboradores nada define e em nada ajuda.

Vamos ver isso mais de perto.

Cavidade pulpar

A cavidade pulpar é dividida em câmara pulpar e canal radicular e este em canal dentinário e canal cementário.

O canal dentinário representa a porção mais extensa do canal radicular e o cementário é significativamente bem menor.

A partir do terço cervical, o canal dentinário apresenta paredes convergentes em direção ao terço apical e lá se encontra com o canal cementário. Este, contrariamente, apresenta paredes divergentes até o seu final, quando já em contato com os tecidos periodontais.

Esse ponto onde os dois tecidos se encontram ficou conhecido como limite CDC; Canal-Dentina-Cemento. O limite CDC representaria o ponto de maior constrição do canal e ali se determina o comprimento de trabalho. Além disso, é também chamado por alguns autores de forame menor, uma definição anatômica pouco conhecida.

Teríamos assim dois forames, o forame apical menor e o forame apical maior, este sim, bastante conhecido, simplesmente como forame apical.

O forame apical menor, ainda “dentro” da raiz, representa o ponto de maior constrição do canal, enquanto que o forame apical maior, bem mais amplo que ele, representa a saída do canal da raiz.

Esse espaço entre os dois forames apicais constitui o canal cementário, de extensão tão variável quanto o canal dentinário.

O tecido contido no canal dentinário é polpa e no canal cementário é periodontal.

Como foi dito, imaginou-se por muito tempo que o limite CDC existia como um ponto bem definido e era o local mais constrito do canal.

Ângelo CT 1

Há muito tempo, porém, essa concepção não faz mais nenhum sentido. O conhecimento atual não permite mais pensar assim

E o marketing pessoal não pode se sobrepor à Ciência porque isso torna a Endodontia menor.

Não se trata de uma questão de tecnologia, como alguns imaginam.

É uma questão de anatomia.

O encontro entre a dentina e o cemento se dá em diferentes níveis no mesmo canal e não em um único local.

Forame apical 2

Há uma grande variabilidade na extensão do cemento no canal”.
Ponce, EH e Vilar Fernández, JA. J Endod Mar 2003

Observe a figura A. Nela está o limite CDC como se imaginava há anos atrás. Não é o que se vê nas figuras B e C.

Mesmo mostradas sob a perspectiva bidimensional, como se estivéssemos olhando duas radiografias periapicais, vemos que as setas vermelhas e verdes nas figuras B e C apontam para os locais onde se encontram a dentina e o cemento no canal.

Tomemos a figura C como exemplo. Onde “a nova geração dos localizadores eletrônicos foraminais nos dá uma segurança de 100% na localização do limite CDC”? No local para onde aponta a seta vermelha, a 1,5 mm aquém do ápice, ou a seta verde, a 2,1 mm?

Considere-se ainda que numa imagem tridimensional é bem possível que em outras paredes do canal o encontro entre a dentina e o cemento ocorra em locais mais diversos ainda.

Nem que fosse como no desenho da figura A, a nova geração dos localizadores eletrônicos foraminais nos daria uma segurança de 100% na localização do limite CDC, graças a outras peculiaridades anatômicas da “zona crítica apical”.

Não existe limite CDC. Existem limites CDC!

Um conhecimento que pode parecer recente, mas não é. Existe há muitos anos.

“O encontro dessas estruturas, canais dentinário e cementário, não se dá em um único ponto, isto é, existem vários pontos de união do cemento com a dentina. Em outras palavras, há vários limites CDC, portanto,…”

Está escrito exatamente assim, inclusive com o negrito, na página 11, Capítulo 2 (Limite Apical de Trabalho), do livro Endodontia Clínica, 2003.

Capa do livro

Ainda a se considerar, o limite CDC também não representa o ponto mais constrito do canal.

Como poderia se esse ponto não existe?

O conhecimento atual nos ensina que seria muito mais uma zona de maior constrição do que um ponto.

Já sabemos que o canal cementário apresenta extensão bastante variável, mas para efeito didático, digamos que seja de 1 mm, provavelmente o comprimento de trabalho mais aceito atualmente.

Independente de ponto ou zona de constrição, se as paredes do canal dentinário convergem em direção ao ápice radicular e as do cementário divergem, deverá haver algum local de estreitamento do canal, que será maior ou menor em função de algumas características anatômicas de cada raiz, de cada canal.

Patência foraminal

Buchanan define patência apical como “um instrumento fino usado passivamente através da constrição apical sem amplia-la”.

Que fique bem claro desde já que nessas condições, “um instrumento fino usado passivamente…”, não se pode associar patência apical com limpeza do forame, como tem sido dito.

Patência apical é uma coisa, limpeza do forame é outra completamente diferente.

Façamos uma recapitulação.

Recapitulação é a palavra intencionalmente utilizada aqui para mostrar que a patência apical é semelhante à recapitulação, que tanto se fazia quando se usavam as técnicas escalonadas para instrumentar os canais.

O objetivo da recapitulação era evitar que as raspas de dentina geradas durante a instrumentação em diferentes níveis se acumulassem e compactassem nas porções finais do canal, frequentemente promovendo a perda do comprimento de trabalho (CT).

Isso era feito com o que se chamou de instrumento memória.

O que é a patência apical se não evitar que as raspas de dentina se acumulem e compactem nas porções “mais” finais ainda do canal, que frequentemente promovem a perda do acesso ao forame?

Isso é feito com o que se chama de instrumento de patência.

Detalhe.

O instrumento memória então determinado era o último que tinha instrumentado no CT, geralmente a lima K 25.

Nesse procedimento havia um equívoco.

Ao preconizar o último instrumento como o de memória, esquecia-se de que, estando de uma certa forma ajustado ao calibre por ele deixado, era grande a possibilidade de que, ao voltar ao CT para fazer a recapitulação, ele funcionasse como o êmbolo de uma seringa, “empurrando” o que estivesse à sua frente.

Pela mesma razão, não recomendo que a lima de patência esteja ajustada ao forame.

A patência foraminal é então testada a cada troca de instrumento, sempre com a lima de patência, que corresponde à última usada na limpeza de forame”.
Lopes, H; Siqueira Jr, JF; Elias, CN. Endodontia-Biologia e Técnica 2015

A minha recomendação é a de que a lima de patência seja sempre mais fina do que aquela que se ajustou. Sempre que possível, pelo menos 2 calibres a menos.

Prof. Lars Spangberg (e uma endodontia que não existe)

Hoje bem cedo, antes das seis, busquei um texto no meu site e terminei me deparando também com outro.

E o li.

Escrito há cinco anos, acho que não poderia ser mais atual, razão pela qual trago para vocês.

Faço, entretanto, uma ressalva. Dos quatro links que estão no texto dois já não levam a lugar nenhum (são estes confira aqui e professores sérios e comprometidos). É que alguns textos foram perdidos na mudança de formatação do site. Mantive os links para não mexer no texto.

Peço desculpas por isso.

Caminho a seguir

Por Ronaldo Souza

Há 4 anos escrevi um texto (Pondo os pingos nos is), em que falo de como a minha concepção endodôntica mudou a partir de outubro de 1986, graças ao Prof. Larz Spångberg, editor científico da seção de endodontia do Triple O. De lá para cá tentei acompanhar com muito interesse boa parte da sua vida profissional, até fazer um contato por e-mail, em 2007, quando narrei aquele acontecimento que mudara a minha forma de ver a endodontia.

Mostrou-se surpreso pela minha narração detalhada de um fato ocorrido há 21 anos. Como um cavalheiro, gentilmente agradeceu pelo meu texto e humildemente discordou de mim ao não se dar o mérito da sua influência sobre o meu trabalho. Foi naquele momento, entretanto, que para minha surpresa e tristeza, ele me antecipou a sua “aposentadoria” para breve, confirmada pelo editorial escrito em julho de 2011, no Triple O.

A surpresa foi menor do que a tristeza, por ser compreensível o seu desejo de “dedicar mais tempo à família”, como ele relatou à época. A grande tristeza foi pelo fato de que a endodontia perde uma voz importante.

A importância do Prof. Larz Spangberg, entretanto, não se fez traduzir na repercussão do seu editorial no Brasil. Estranho isso, não só pelo que ele representa, mas também pelas sábias colocações sobre um tema da maior importância, em um momento preocupante pelo qual passam o ensino e, consequentemente, também a prática da endodontia. Terá sido justamente essa a causa, ou seja, o seu posicionamento a favor do verdadeiro ensino e não o só ensinar a “fazer um canal”, para a não repercussão do seu editorial? Afinal, a quem deve interessar a reflexão em detrimento de como usar instrumentos/materiais e técnicas?

Se você observar bem perceberá que tenho “conversado” com você quase que sistematicamente nos últimos tempos sobre a questão da seriedade no ensino da endodontia. É só ver a quantidade de posts publicados recentemente no nosso site sobre esse tema (confira aqui).

As novas técnicas serão sempre bem-vindas em endodontia, pelo que de bom podem trazer, mas, sem nenhum receio de como posso ser interpretado, arrisco-me a dizer que, neste momento, do que menos precisamos é de técnicas novas. Precisamos, isso sim, consolidar os princípios estabelecidos e consagrados que deveriam reger a endodontia. Assim, saberemos ver o real valor do que já existe e do que ainda virá. Caso contrário, veremos cada vez mais profissionais serem induzidos por caminhos no mínimo duvidosos.

É cada vez mais comum jovens profissionais “escolherem” esses caminhos, devidamente auxiliados pelos novos donos da verdade que, mesmo sob o manto da humildade e de um altruísmo tão sólido quanto uma geléia, frequentemente deixam vir à tona a sua arrogância e prepotência cada vez que se sentem contrariados nas suas sábias e doutas opiniões.

A preocupação com esse aspecto sempre foi uma tônica na vida do Prof. Spangberg, ao ponto de chamar à responsabilidade a Associação Americana de Endodontia (como você verá no texto), tão endeusada entre nós. Lá como cá, há uma farsa no ar. A endodontia brasileira carece de uma associação nacional forte, séria e isso só será possível quando professores sérios e comprometidos de fato com a qualidade da endodontia estiverem à frente desse processo. Enquanto isso não acontecer, a nossa especialidade não terá uma representatividade à altura; estará voltada somente para o seu interesse paroquial e político.

Como uma homenagem, traduzi há algum tempo e somente agora transcrevo abaixo o último editorial do Prof. Larz Spangberg. É possível que em algum momento você ache que há um pouco de exagero nas suas considerações, mas, certamente, será bem pontual.  Preciso esclarecer que a tradução é literal, inclusive preservando todas as aspas do texto original, e em pouquíssimos momentos precisei adaptar a construção da frase ao nosso idioma para melhor compreensão. Somente me permiti fazer negritos em determinados trechos por me parecerem relevantes. Quem quiser ter acesso ao texto original, por favor, clique aqui Are we doing enough?

Estamos fazendo o suficiente?

Este será o meu ultimo editorial neste periódico, porque recentemente renunciei à função de editor da seção de Endodontia. Desfrutei imensamente essa função e pude ver o crescimento do conhecimento básico na endodontia. Durante os 10 anos em que desempenhei essa função testemunhei um aumento assombroso da submissão de artigos. A pesquisa endodôntica não está mais limitada a um pequeno número de países mas se espalha por todos os cantos do mundo. Entretanto, enquanto o interesse pela pesquisa em endodontia está crescendo, a preservação dos dentes na prática clínica está sendo questionada por muitos interesses, particularmente aqueles do lucro mais fácil dessa loucura dos implantes. Acredito que estamos numa encruzilhada e que precisamos avaliar cuidadosamente onde estamos e para onde vamos. Uma análise crítica é muito importante neste momento, para que possamos juntos traçar planos para o
futuro.

Regularmente recebo artigos de estudos de cortes transversais de tratamentos endodônticos de vários países ou grupos populacionais. Esses estudos relatam resultados que são, na maioria das vezes, deprimentemente similares. Eles mostram que a doença residual após tratamento endodôntico, nos grupos populacionais, é elevada. Sob qualquer ângulo que olhemos os resultados, o número de insucessos na prática clínica é inaceitável se compararmos com os resultados de estudos controlados. O resultado de um ano após tratamento endodôntico de canal com polpa viva deveria ser altamente previsível e de sucesso.

Por que estamos nessa situação embaraçosa em uma disciplina que em periódicos científicos costuma apresentar altos índices de sucesso? Na maioria das vezes, os avanços em anos recentes têm sido associados ao desenho dos instrumentos e materiais, o que tem resultado em melhora onde o tratamento pode ser feito com o menor sofrimento para o paciente em menor tempo. Entretanto, há pouca evidência de que o resultado do tratamento seja melhorado de forma significante.

Aspectos essenciais para o sucesso do tratamento endodôntico têm sido acumulados pelas pesquisas, no entanto, todas essas informações se perdem nos consultórios, onde o conhecimento tem sido brutalmente ignorado num processo chamado de “fazer um canal”. A literatura diz que o tratamento de um dente com polpa viva tem um percentual de sucesso significantemente maior do que um com polpa necrosada, infecção do canal e lesão periapical. Na primeira situação, o tratamento tem como foco a assepsia, enquanto que na segunda o foco é a antissepsia. A despeito desse conhecimento, a maioria dos dentistas usa somente uma forma de tratar o canal, superficialmente conhecida como “fazer um canal”. Não é nenhuma surpresa porque a maioria dos programas de pré e pós-doutorado não fazem a distinção entre as várias doenças pulpares e seus tratamentos, uma prática corroborada pelas normas de seguro da American Dental Association/American Association of Endodontists (AAE), que não fazem distinção para o tratamento de dentes com patologia simples ou complexa. É ridículo imaginar que graduandos de bom nível e dentistas/endodontistas são relutantes ou incapazes de diferenciar os 2 conceitos de tratamento limitados a 2 doenças fundamentalmente diferentes. Isso resulta em um ambiente em que o tratamento baseado em ciência dá lugar a um procedimento mecânico (“fazer um canal”).

Há alguma solução para esse sério problema de tratamentos endodônticos precários que proporcionam elevado número de resultados desfavoráveis? Sim, mas não até os especialistas (e suas associações) e educadores da endodontia mudarem profundamente a abordagem do ensino endodôntico, nos dois níveis, pre e pós doutorado. A tendência tem sido descer à mediocridade. Por isso, temos que aceitar que na maioria das faculdades nos Estados Unidos (e provavelmente no mundo), os alunos de graduação possuem experiência suficiente para começar como endodontistas. A experiência que se exige para a graduação vem continuamente baixando a um nível em que mesmo o melhor estudante possui o mínimo de competência, ainda que uma pobre explicação, falta de pacientes, seja dada como causa do problema. Assim, o modelo clássico de ensino não funciona mais e deve ser modificado. Um procedimento endodôntico é irreversível e mais complexo do que uma restauração de amálgama ou resina composta. O currículo escolar também geralmente limita severamente o ensino a um nível em que a técnica ocupa a maior parte do tempo e o conhecimento de patologia, microbiologia e os objetivos do tratamento são minimizados.

Esses tópicos também são geralmente esquecidos em programas de pós-graduação, especialmente naqueles de 2 anos de duração. Os assuntos são ensinados, mas os fatos são raramente praticados. O protocolo de tratamento é modificado regularmente em função do diagnóstico pulpar ou perirradicular? O material de biópsia é regularmente discutido à luz da microscopia ótica? A assepsia é sistematicamente ensinada pelo uso de técnicas microbiológicas? O sucesso da antissepsia é regularmente avaliado por uma simples técnica de cultura ou acompanhamentos sistemáticos durante alguns anos? São técnicas simples de ensino que ajudam o entendimento dos alunos e demonstram fatos. Ao contrário, os futuros especialistas leem infindável quantidade de artigos sobre esses assuntos que frequentemente entram por um ouvido e saem pelo outro sem serem mentalmente absorvidos. Em microbiologia, os alunos de pós-graduação leem e aprendem a regurgitar centenas de espécies bacterianas e mediadores moleculares sem entenderem o que significam clinicamente, se alguma coisa significam. Parecemos estar apaixonados por brinquedos de alta tecnologia e biologia de engenharia tecidual esquecendo os princípios básicos. Sou antiquado o suficiente para acreditar que iremos retornar ao ensino de base sólida e por acompanhamentos rigorosos ter certeza de que alunos de graduação possuem desenvolvimento intelectual para compreender de fato os objetivos do tratamento endodôntico. Isso requer trabalho árduo por parte dos professores e diretores de escolas, solidamente suportados pela comunidade de especialistas em endodontia e suas associações nacionais. A qualidade do tratamento endodôntico na prática tem que melhorar ou restringir-se ao tratamento de canais com polpa viva. Essas mudanças são necessárias para estabelecer a condição do tratamento endodôntico como opção válida de terapia. O tratamento endodôntico é altamente bem-sucedido se executado da forma correta. Somente por um grande esforço de todos nós e abandonando a “promoção social” a tendência pode ser modificada e conduzir à competência.

Ouço frequentemente dos meus amigos especialistas como os clínicos gerais fazem tratamentos endodônticos insatisfatórios, precisando de retratamentos. Entretanto, nós próprios criamos essa situação ao ignorar os programas de pré-doutorado e focando todos os nossos esforços na educação pós-doutorado. Remediar essa séria deficiência é responsabilidade de todos e deve ser compartilhada por “town and gown” (expressão utilizada para designar comunidades distintas numa suposta “cidade universitária”, sendo ‘town’ a parte não acadêmica e ‘gown’ a acadêmica). Por essa razão, as associações de especialistas, como a Associação Americana de Endodontia, devem olhar além do seu interesse paroquial e político < /em>(aqui o autor cita a Associação Americana de Endodontia. No Brasil não existe uma associação nacional de endodontia) e realmente se engajar no processo de educação endodôntica de alto nível em todos os níveis. Esta será uma tarefa muito difícil e exigirá mudanças organizacionais. Enquanto o tratamento endodôntico para a população em geral não for praticado em ótimos níveis, e por isso altamente bem-sucedido, a especialidade não crescerá.

Obrigado por me ouvirem pela última vez. Como sempre, desfrutei a oportunidade de compartilhar os meus pensamentos com vocês.

Larz S.W. Spångberg, DDS, PhD
Section Editor, Endodontology

Vou usar a mesma expressão que o Prof. Spangberg utilizou, para dizer o que penso: sou antiquado o suficiente para poder afirmar que essas mudanças, se acontecerem, não irão acontecer tão cedo.

Que técnica usar para obturar os canais? Final

Dúvida'2

Por Ronaldo Souza

“Que beleza de extravasamento de cimento! Eu tenho que mudar para o AH Plus pra ver se consigo uns assim!” 

Autora (des)conhecida

Sob a perspectiva de que a cura de qualquer patologia está na remoção da sua causa, é incrível como até hoje ainda não se tenha entendido que o objetivo da obturação é selar o canal.

Nada mais.

A rigor, portanto, os materiais obturadores deveriam apresentar características que tivessem como único objetivo torna-los os mais efetivos possíveis na capacidade de selar o canal.

É plenamente compreensível, entretanto, que ao longo do tempo os pesquisadores tenham buscado acrescentar algumas características que poderiam dar aos materiais obturadores outras possibilidades.

Dentro dessa perspectiva, procurar lhes incorporar outras potencialidades, como ação anti-inflamatória, antimicrobiana, estimuladora de mineralização tecidual ou qualquer outra, pode ser considerado como algo benvindo, desde que estas não apresentem qualquer possibilidade de interferir naquela que é a mais importante e que por si só justificaria a necessidade e existência da obturação; selamento.

Tomemos como exemplo os cimentos que contêm na sua composição o hidróxido de cálcio.

Incorporado aos cimentos para que estes também apresentem ação anti-inflamatória, antimicrobiana e estimuladora de mineralização tecidual, pelo menos em tese a possibilidade de afetar a capacidade seladora não pode ser negada.

A maior efetividade do hidróxido de cálcio é decorrente da sua presença em meio aquoso, onde a sua dissociação em moléculas de hidroxila e cálcio permite o elevado pH, algo em torno de 12.5, que confere a essa substância reconhecida ação antimicrobiana, por tornar o ambiente inóspito à sobrevivência microbiana, e mineralizadora, por ativar enzimas como a fosfatase alcalina. Além disso, também lhe é atribuída ação anti-inflamatória.

Contido no cimento obturador, parece pouco provável que o hidróxido de cálcio venha a ter as condições mais favoráveis para a sua dissociação, o que seria mais facilmente alcançado se ele, o cimento obturador, fosse mais solúvel.

Talvez a maior solubilidade do cimento para tornar possíveis as desejadas ações anti-inflamatória, antimicrobiana e mineralizadora atribuídas ao hidróxido de cálcio cobre um preço alto; menor capacidade na sua ação física de selamento.

Não parece recomendável que entre os requisitos exigidos de um cimento obturador de canal esteja a condição de ser solúvel.

Assim, sob essa ótica, de não desconsiderar outras possibilidades, a busca por materiais e técnicas de obturação que promovam o melhor selamento do canal deveria representar a recomendação mais importante para as pesquisas.

Deveria ser esta também a recomendação para o endodontista; adotar materiais e técnicas de obturação que tenham como característica principal a capacidade de promover o melhor selamento possível.

“A técnica de compactação lateral, praticada há mais de 100 anos, é considerada o padrão ouro das obturações. Trata-se de uma técnica simplificada e de fácil execução, sendo a mais ensinada na maioria das universidades nacionais e estrangeiras”.

Essa afirmativa está no capítulo 16-3, Técnicas de Termoplastificação da Guta-Percha, do livro Endodontia, biologia e técnica, de Lopes e Siqueira, 4ª edição, 2015, na página 549.

Como quase sempre ocorre, novas propostas, novos aparelhos e novos materiais surgem como um rolo compressor e levam muitos, muitos mesmo, na corrente da sedução.

Mas as correntes têm uma peculiaridade; não fazem distinção de nada, levam tudo por igual, algo como o famoso “o que cair na rede é peixe”.

Observe como System B, Touch’n Heat, Obtura, Ultrafil, BeeFill, EndoApex e tantos outros são vistos como se fossem diferentes um do outro.

Sem nenhuma preocupação em falar de eventuais detalhes, são todos iguais, o princípio é o mesmo; plastificação da guta percha por aquecimento.

Em termos de técnica, falar de um é falar de todos.

Reforço então que ensinamos a técnica de termoplastificação da guta percha nos nossos cursos de Especialização e Atualização. Ocorre que, além de pequenas diferenças na forma como a ensinamos, ela não é vendida como solução dos problemas e garantia de sucesso com a obturação.

Enquanto alguns fazem com System B, Touch’n Heat…, fazemos com o EndoApex.

Além dela ensinamos a condensação lateral, cone único e  Híbrida de Tagger, que você vê na imagem abaixo.

Obturação com híbrida de Tagger

Mais uma vez sem entrar em detalhes de descrição, sempre que necessário gostamos de usar “técnicas alternativas” (obturação com moldagem de cone, tampão apical, cones rolados…).

Veja este caso, feito por Marcos Cook Fernandes quando ainda era aluno de graduação do Curso de Odontologia da Bahiana (no final de 2016 ele concluiu o Curso de Especialização em Endodontia da ABO-BA).

Obturação com tampão apical e moldagem do cone

Como era um caso de rizogênese incompleta e o ápice estava muito aberto, foi feito um tampão apical com hidróxido de cálcio (setas pretas em C, D e E) e moldagem do cone (seta branca em D). A extensão do tampão foi intencional

Em canais muito volumosos, também pode ser utilizada a técnica dos cones rolados.

Obturação com cones rolados

Curso de Especialização da ABO-BA

Tendo em vista que muitos ainda consideram a obturação o fator determinante do sucesso do tratamento endodôntico, um grande equívoco, as técnicas de obturação recentemente surgidas são colocadas como solução dos problemas anteriormente existentes.

A própria literatura endodôntica muitas vezes se reporta ao tema dessa forma.

Vejamos, no entanto, o que diz parte dessa mesma literatura e que normalmente não chega ao conhecimento do endodontista. Clicando no nome do periódico você chega ao artigo.

1. Outcome of Root Canal Obturation by Warm Gutta-Percha versus Cold Lateral Condensation: A Meta-analysis. Peng L, et al. J Endod Fev 2007 Journal of Endodontic

Nesse trabalho foi feita a comparação entre esses aspectos – dor pós-operatória, qualidade da obturação, resultado a longo prazo e sobre obturação.

“As duas formas de obturação não são significativamente diferentes, exceto na sobre-obturação, que ocorreu numa proporção bem mais elevada com a guta percha plastificada.”

“A comparação entre a técnica da guta percha plastificada e a condensação lateral mostra que o sucesso a longo prazo e a qualidade da obturação são similares.”

2. Effect of Smear Layer on Sealing Ability of Canal Obturation: A Systematic Review and Meta-analysis. Shahravan A et al., J Endod Feb 2007 Journal of Endodontic

“A técnica de obturação ou o cimento obturador não influenciam na qualidade do selamento.”

3. Technical quality of root fillings and periapical status in root filled teeth in Jönköping, Sweden. Frisk, F. et al., Int Endod J. Nov 2008 International Endodontic Journal

“O estudo demonstra melhora na qualidade técnica da obturação ao longo do tempo, sem melhora concomitante na saúde periapical dos dentes tratados.

4. Residual bactéria in root apices removed by a diagonal root-end resection: a histopathological evaluation. Lin, S. et al., Int Endod J. Jun 2008 International Endodontic Journal

Não houve nenhuma correlação entre a qualidade da obturação e a presença de bactérias nas áreas irregulares do canal principal ou túbulos dentinários.

Oferecer ao aluno de Endodontia, seja em que nível for, alternativas de materiais e técnicas de obturação é dever do professor.

Deveria haver, porém, nesse dever, um compromisso; as alternativas têm que ser embasadas em premissas verdadeiras, honestas.

Oferecer a esse aluno alternativas que não tenham esse compromisso e sob a capa da solução dos problemas é farsa, é embuste.

Ah, sim, quase esqueço.

A frase lá em cima:

“Que beleza de extravasamento de cimento! Eu tenho que mudar para o AH Plus pra ver se consigo uns assim!”.

Vi essa frase há algum tempo na internet, em um desses ambientes de desfile de casos clínicos, onde chovem elogios aos casos apresentados.

A colega tinha acabado de ver no referido ambiente, também vi, mais um desses casos conhecidos como surplus, que chamo de embuste em inglês, que o endodontista apresentava com o devido “protocolo”.

Podia-se ouvir o espocar de champanhe dos membros do desfile, brindando a façanha do nobre colega que conseguira um surplus, digno da imagem de uma bomba atômica (não seria para os tecidos periapicais?).

A colega ficou tão excitada que não se conteve e soltou a frase-pérola aí em cima.

É para isso que caminha a Endodontia?

Quantos AH Plus foram vendidos nessa “brincadeira”!

Um bom cimento, com indicações específicas, mas…

Anunciam-se instrumentos, materiais, técnicas, sistemas… que parecem querer ganhar vida própria, independente da Endodontia.

Anunciam-se cursos desse instrumento, daquele sistema, daquele motor…, não mais cursos de Endodontia.

Estão vendendo demais, ficou repetitivo, cansativo.

Cada vez mais ouço colegas se queixarem de que vão aos eventos, no nosso caso os de Endodontia, e veem professores falando de como conseguir excelência no tratamento endodôntico e a excelência se apoia basicamente em instrumentos e materiais. 

Foi preocupante e ao mesmo tempo alentador o que ouvi sobre isso no CIOBA (Congresso Internacional de Odontologia da Bahia), em novembro de 2016.

Preocupante porque as queixas vão na direção de que alguns vínculos no mundo endodôntico se tornaram evidentes e alentador porque, pela quantidade de gente que está percebendo e se manifestando, espera-se que isso venha a gerar uma pressão no sentido de uma correção de rumo.

Que faça a Endodontia, como uma Fênix, ressurgir.

Um pouco lá atrás

Obturação de canais laterais

Por Ronaldo Souza

Hoje, manhã de sábado, 28 de janeiro de 2017, buscando um texto na internet vi algo que me chamou a atenção. Fui conferir e “caí” no meu site, www.endodontiaclinica.odo.br.

Em 07 de novembro de 2008, portanto, há pouco mais de 8 anos, respondi às questões colocadas por Vinicius Pires, um colega de alguma parte do Brasil que me honrou com a sua participação no Blog da Endodontia que, por falta de tempo, é uma seção atualmente desativada (os textos antigos, porém, continuam acessíveis).

Veja o “diálogo”.

Vinicius Pires: 

Colocando na balança a tecnica de obturaçao de condensaçao lateral e termoplastificada, devemos ficar com a técnica que nao extravasa material para o periápice mas nao obtura bem canais laterais ou a tecnica te geralmente extravasa material obturador ? Devemos priorizar o reparo biológico ou a obturaçao de canais acessórios ?

Vinicius, não está comprovada a relação da obturação de canais laterais com o reparo. Particularmente, acho que não existe essa relação.

Há 21 anos venho observando e estudando essa questão e posso lhe assegurar: o reparo não depende da obturação.

Hoje, outros autores já começam a dizer a mesma coisa.

Vou reproduzir um trecho do texto “Obturação do canal ou Root canal filling?” que publiquei aqui no blog. “Leia o artigo de Sabeti e colaboradores – Healing of Apical Periodontitis After Endodontic Treatment with and without Obturation in Dogs (Journal of Endodontics, julho de 2006, p. 628-633).

Após acompanhamento histopatológico de canais tratados, os autores dizem que “o achado digno de registro do estudo é que não houve nenhuma diferença na cura de lesões periapicais entre canais obturados e não obturados”.

Veja também no Journal of Endodontics de fevereiro de 2007, p. 96-105, (clique aqui), que em uma revisão sistemática e meta-análise, Shahravan e colaboradores afirmam que “a técnica de obturação ou o cimento obturador não influenciam na qualidade do selamento”.

No mesmo número, p. 106-109, (clique aqui), na conclusão de sua meta-análise, Peng e colaboradores dizem que “a comparação entre a técnica da guta percha plastificada e a condensação lateral mostra que o sucesso a longo prazo e a qualidade da obturação são similares”. 

Muitos equívocos têm sido cometidos com relação à obturação do canal e muita bobagem também tem sido dita. Após um bom preparo do canal, escolha a técnica que você dominar melhor, de preferência uma que não extravase material obturador, obture o canal e aguarde o reparo. Ele virá.

No segundo parágrafo da minha resposta, escrevi:

“Há 21 anos venho observando e estudando essa questão e posso lhe assegurar: o reparo não depende da obturação”.

Vinte e um anos se considerarmos somente até o ano de 2008, ano em que Vinicius Pires fez os questionamentos no Blog da Endodontia e do último controle radiográfico e tomográfico de um dos casos de um trabalho que fiz e sobre o qual em breve conversarei com você.

Portanto, estudo esse tema há 30 anos. Durante esse tempo também fiz algumas publicações sobre o assunto, algumas das quais você pode ver aqui no site na seção Publicações.

E venho afirmando há mais de 20 anos em todos os lugares onde vou:

O reparo não depende da obturação.

Se estivesse respondendo hoje às questões de Vinicius Pires, entre os trabalhos que referenciei colocaria também o de Ricucci e Siqueira, esse que vocês veem abaixo.

Veja o que eles disseram em 2010:

Nossas observações histopatológicas demonstraram claramente que os canais laterais nunca estavam completamente preenchidos por materiais obturadores.

Pegue a referência e leia esse artigo, vale a pena.

Ricucci e Siqueira

Que técnica usar para obturar os canais? 2ª parte

Dúvida'2

Por Ronaldo Souza

Na primeira parte deste texto conversamos sobre a Técnica de Schilder e eu disse:

Ainda que eventualmente com objetivos diferentes e sem que muitos profissionais sequer suspeitassem, de uma certa forma essa técnica é utilizada há muitos anos nos casos de preparo de espaço para pinos.

Observe a figura abaixo.

Schilder - espaço para pino

Radiograficamente os dois incisivos centrais superiores estavam bem tratados, mas apresentavam lesão periapical e por isso a paciente me foi encaminhada para retratamento, pois serão feitas duas próteses com pinos. A paciente é uma colega.

Na figura A estou desobturando o 11 e já cheguei e ultrapassei o canal cementário e forame apical. Na figura B ele já está obturado.

Observe que os terços cervical e médio estão vazios, sem obturação. Aqui foi feita a técnica de Schilder. Indução de calor com a ponta do instrumento aquecida, corte da guta percha por aquecimento e condensação da guta percha plastificada.

Com o “avanço” em direção apical, os terços iniciais vão ficando vazios. Por outro lado, perceba como a plastificação da obturação favoreceu o seu “espalhamento” nas porções finais do canal.

Veja agora o 21 na figura A. Está com um pino e o canal também será retratado. Perceba que na figura B a obturação da porção final do canal já foi removida, o canal foi reinstrumentado, preenchido com hidróxido de cálcio (setas) e o pino provisório foi instalado (um dia converso com você sobre isso e a relação Endo-Prótese).

O canal foi reobturado e assim aparece na figura C, com o pino provisório já instalado. Veja como também aqui a plastificação da obturação favoreceu o seu “espalhamento” nas porções finais do canal.

Peguemos a radiografia final.

Schilder - espaço para pino'

Como o 21 não possui mais a coroa, nele será feita uma prótese com pino. Entretanto, por ainda apresentar parte da sua estrutura coronária, sem fazer juízo de valor digamos que o 11 pudesse ser restaurado sem a instalação de uma prótese com pino.

Caso fosse essa a opção, os terços cervical e médio deveriam ficar vazios?

Não.

Eles deveriam ser reobturados, pois, como é do conhecimento de todos, os canais não devem ficar vazios.

Isso era feito com novo preenchimento com cones de guta percha e cimento e nova plastificação não deveria ser feita porque, claro, resultaria em novo esvaziamento dos referidos terços. Ou, pelo menos que não se fizesse a plastificação com a mesma intensidade. Só mesmo para permitir uma boa condensação.

Isso hoje também deve ser feito e pode ser da forma clássica ou com a pistola que compõe o sistema, que é a segunda parte do vídeo que editei.

https://vimeo.com/200913134?utm_source=email&utm_medium=vimeo-cliptranscode-201504&utm_campaign=29220

Talvez seja interessante ressaltar que é comum os alunos não se sentirem tão atraídos pelo uso da pistola. Usam mais o Friendo.

Da mesma maneira também chamar a atenção para o fato de que tudo que conversarmos na primeira parte deste texto sobre o System B e Endo Apex pode ser projetado para o Touch’n Heat, BeeFill, Obtura, ou qualquer outro sistema de obturação.

Técnica do cone único e travamento do cone

Vou recorrer a outro texto; As incongruências na Endodontia

Lá eu disse o seguinte:

Ao fazer a prova do cone de guta percha em um canal reto e observarmos a sensação tátil de travamento, tínhamos acertezade que ele travara na porção mais apical do canal; no comprimento de trabalho.

Observe que o “certeza” está entre aspas. Fiz isso porque sabia que voltaria a esse tema, pois sei que é assim que muitos imaginam, isto é, que no canal reto certamente o cone trava no CT.

Nem sempre.

Na técnica da condensação lateral pode-se considerar que a colocação de cones acessórios representa um gasto de tempo incompatível com a rapidez que se exige hoje das técnicas de preparo e obturação dos canais.

Surge então como opção a técnica do cone único.

Tendo em vista que é muito comum que as devidas explicações nem sempre sejam dadas, é bem possível que alguns profissionais pensem que essa técnica não pode ser feita com um cone, digamos, convencional, ou seja, com conicidade .02. 

Pode sim.

Apesar de estar muito associada aos cones com conicidade mais acentuada, observe que a técnica propõe que se obture o canal com um único cone, mas, não diz, nem pode dizer, que tipo de cone é.

É técnica de cone único e não técnica de tal cone único.

O que se impõe é que, seja ele qual for, o cone deve estar muito bem adaptado e essa adaptação não se refere somente ao CT, mas a todo o corpo do canal.

Se você preparar um canal e usar somente instrumentos de conicidade .02, esse canal não deverá ser obturado com um cone .04, muito menos com um .06.

Por outro lado, se o preparo for feito com instrumentos de conicidade .04 ou .06 não se recomenda que seja obturado com cone .02.

Deve-se entender que o travamento do cone que tanto se busca só interessa se for feito no CT. Em qualquer outra parte do canal ele perde a razão de ser.

Dito isso, observe na figura abaixo (retirada do trabalho de Villegas e cols. no Journal of Endodontics) que as setas em a apontam para o travamento do cone .02 no comprimento de trabalho, onde se deseja, em um incisivo central superior, mas em b, com um cone de conicidade .10, elas apontam para um local aquém dele. Nos dois casos o profissional teria a confirmação de travamento do cone imaginando que em ambos teria ocorrido no local certo, no CT, e não foi. Sob o ponto de vista clínico é no mínimo muito pouco provável que esse detalhe seja tatilmente perceptível.

Que tipo de interferência isso poderia trazer à qualidade do selamento?

Conicidade dos cones 1

Observe agora na figura abaixo como o cimento acompanha toda a extensão do cone de guta percha, cumprindo o seu papel de ajuda-lo a obturar o canal (setas na figura a  canal obturado com cone .02), o que não ocorre na figura b. Pela sua maior conicidade (taper), o travamento do cone .10 aquém do comprimento de trabalho impediu a chegada do cimento até o CT. Nessas condições, não parece difícil imaginar a menor capacidade seladora da obturação.

Conicidade dos cones 2

Talvez aí se encontre a explicação para o selamento inferior da técnica do cone único quando comparado ao da condensação lateral no trabalho que o professor Hênio Horta não queria publicar.

Devemos deduzir então que é assim que acontece todas as vezes em que se obtura com cone único?

Claro que não. No entanto, esta e outras situações podem acontecer e o endodontista sequer desconfiar, porque não é orientado para essa possibilidade.

Ou vamos continuar fazendo de conta que desconhecemos o perfil de alguns ministradores de cursos que só ensinam como fazer?

É assim que devemos tratar a Endodontia?

Gosto da técnica do cone único e a ensinamos nos nossos cursos. Mas o aluno é orientado quanto às suas reais possibilidades. Como já disse anteriormente, é uma técnica extremamente simples, mas tem seu grande momento, seu momento mais delicado, justamente na escolha do cone.

Questões como essas precisam ser abordadas nos cursos e eventos de Endodontia.

Porque não são, ainda está por  ser respondido. 

Voltaremos a conversar na terceira parte deste texto.

Que técnica usar para obturar os canais? 1ª parte

Dúvida'2

Por Ronaldo Souza

Há poucos anos, ao encontrar um professor de outra área ele me disse.

– Ronaldo, acabei de saber que a técnica da Condensação Lateral está ultrapassada, ninguém usa mais. É verdade isso?

Falei que de fato existiam novas técnicas, mas que não era bem assim, que a condensação lateral ainda era utilizada, essas coisas.

– Pois é, ela afirmou que agora era assim…

E sem que eu pudesse esboçar qualquer reação me pegou pelo braço e me levou até ela, que ainda estava no mesmo ambiente em que nos encontrávamos.

Fiquei um pouco constrangido, ela parece que não.

Jovem, bonita, recebeu-me um pouco friamente, ainda que de forma educada. Tive, porém, a impressão de sentir uma certa arrogância, comum em jovens que acabaram de descobrir a pólvora.

Confirmou que ninguém mais usava a condensação lateral em Endodontia. No curso de especialização que tinha feito recentemente ela tinha aprendido e só usava agora técnicas modernas e não conseguiu esconder a satisfação ao pronunciar System B.

System B'

Além disso, fez questão de me dizer qual foi o curso que fez e quem era seu coordenador-professor.

Não precisava.

Ele já é bastante conhecido por essas praias.

O seu compromisso com a ética também.

Assim, estava decidido; condensação lateral, nem pensar.

Lembrei-me desse episódio um dia desses e resolvi então falar sobre isso.

Vamos lá.

Vamos conversar sobre as técnicas da guta percha termo plastificada, condensação lateral e cone único.

Ensinaram à nossa colega que as técnicas modernas de plastificação da guta percha são muitos superiores à da condensação lateral, razão pela qual ninguém mais usa esta última.

Existem vários vídeos na internet falando sobre sistemas de plastificação da guta percha e, apesar de alguns detalhes, de modo geral eles trabalham com o princípio básico de aquecimento da guta percha para, diante da sua plastificação, condensa-la melhor visando maior compactação e homogeneidade da obturação.

Como um dos sistemas que usávamos anteriormente não vinha funcionando muito bem, vou colocar a primeira parte do vídeo da própria empresa de outro que utilizamos mais nos nossos cursos (há 4 anos, com bons resultados). Editei o vídeo diminuindo-o em tamanho e o dividi em duas partes. Vejamos a primeira delas.

https://vimeo.com/200910915?utm_source=email&utm_medium=vimeo-cliptranscode-201504&utm_campaign=29220

Como o System B e outros sistemas, o Friendo funciona pelo aquecimento da sua ponta que, em contato com a guta percha, promove a sua plastificação e permite a sua compactação na busca de maior homogeneidade.

Em outras palavras, é o calor que plastifica a guta percha para que a sua condensação atinja esse objetivo.

Uma proposta muito interessante, bastante divulgada e, sem dúvida, com algumas vantagens.

E se nós mudarmos a fonte de calor?

O que aconteceria se ao invés de usarmos qualquer um desses sistemas usarmos, por exemplo, esta fonte de calor?

Chama

A tradicional lamparina de álcool.

Pelo fato de não usarmos uma fonte de calor moderna e sim esta, você acha que…

a) a guta percha não será plastificada
b) a guta percha vai se aborrecer
c) a guta percha será plastificada
d) a guta percha será plastificada, mas ficará muito chateada com você por usar uma ferramenta “ultrapassada”
e) a guta percha não será plastificada e, portanto, não haverá reparo da lesão periapical
f) a guta percha será plastificada e, por isso, ufa, graças a Deus haverá reparo da lesão periapical

Como tudo começou

A Técnica de Schilder, pioneira na plastificação da guta percha, foi proposta em 1967 e usava como fonte de calor a chama de uma lamparina de álcool.

O instrumento era aquecido na chama, levado ao canal e, ao mesmo tempo em que removia parte da guta percha, plastificava as suas porções mais apicais que eram então compactadas com os condensadores. Surgiram assim os famosos condutores de calor (heat carriers) de Schilder, para plastificação da guta percha.

Ao atingir o terço apical, a guta percha plastificada era bem condensada e assim preenchia eventuais canais laterais e outras ramificações do sistema de canais. Era grande e motivo de festa o extravasamento de material obturador para os tecidos periapicais.

Olhando-se para a frente via-se o terço apical do canal preenchido dessa forma, para  trás viam-se os terços médio e cervical vazios. É que enquanto se avançava com a indução de calor, remoção e condensação da guta percha para o terço apical, objetivo de Schilder, os dois primeiros terços do canal, claro, iam ficando vazios. Como assim não podiam ficar, eram então “reobturados”.

Ainda que eventualmente com objetivos diferentes e sem que muitos profissionais sequer suspeitassem, de uma certa forma essa técnica é utilizada há muitos anos nos casos de preparo de espaço para pinos.

Provavelmente na maioria das vezes, o preparo de espaço para pinos tem sido feito dessa maneira, com a diferença de que os terços cervical e médio não são reobturados, pois precisam permanecer vazios para o pino.

Em 1996, em cima da ideia de Schilder, (Stephen) Buchanan desenvolveu o System B.

O que se fazia com a chama de uma lamparina de álcool, e muitos ainda fazem, agora pode ser feito através de sistemas modernos.

Mas você percebe que “venderam” a ideia do System B à nossa colega como a solução dos problemas?

Percebe que a moderna solução dos problemas e a forma clássica de fazer são a mesma coisa, têm exatamente o mesmo princípio físico, o calor, só muda a fonte?

Sendo o calor o responsável pelo sucesso da sua obturação e consequentemente dos seus tratamentos endodônticos (façamos de conta que sim), usar outra fonte que não seja a que seu professor “depositou” goela abaixo elimina as suas chances?

Responda a esta pergunta:

O princípio físico em que se apoia o procedimento é o calor ou a fonte?

Claro que usar outra fonte de calor, no caso a lamparina de álcool, em nada altera o seu resultado.

Com isso estou condenando as técnicas modernas de plastificação da guta percha?

Também claro que não, muito pelo contrário. Nós usamos nos nossos cursos.

Anuska'

Anuska2'

O que ocorre é que os nossos alunos, como essa aluna do nosso curso de especialização na imagem aí em cima, usam essas técnicas (aqui usando o Friendo) sabendo porque usam e quais as suas vantagens.

Praticidade, simplicidade, possível ganho de tempo e outras razões dessa natureza.

Não porque imaginam que é a solução dos problemas.

Por uma razão bem simples.

ISSO NÃO É VERDADE!!!

Deu para ouvir aí que gritei bem alto para todos ouvirem?

Assim os nossos alunos são orientados. 

Para saber que dispõem de mais um ótimo recurso para fazer uma boa obturação.

Só. Nada mais, nada menos.

Enganaram a nossa colega.

Na verdade, estão enganando muita gente.

As incongruências na Endodontia

Incongruência

Por Ronaldo Souza

Falei bonito, não falei?

Incongruências.

Fui longe.

Agora chegue mais pra perto para conversarmos.

Em primeiro lugar, observe que não falei “As incongruências da Endodontia” e sim “As incongruências na Endodontia”.

Há diferença?

Muita.

Sempre digo aos meus alunos que a Endodontia não comete erros.

Quem comete erros, às vezes grosseiros, são alguns endodontistas ao interpretarem a Endodontia.

Recorro a Nietzsche:

“Não há verdades definitivas. Apenas interpretações sobre a realidade, condicionadas pelo ponto de vista de quem as propõe”.

Pequenos e grandes equívocos foram e têm sido cometidos em várias interpretações dadas às etapas da Endodontia.

Ao aponta-las, é claro que você não só poderá me achar pretensioso como também dizer a mesma coisa; que a minha interpretação é que está equivocada.

Então vamos juntos.

Já vi professores que acreditam e defendem a ideia de travamento perfeito do cone principal de guta percha e vedamento hermético da obturação preconizarem a técnica do cone único.

Não dá.

Ou uma coisa ou outra.

Desde já, vou deixar bem claro que, apesar da insistência com essa concepção, vedamento hermético da obturação de canal não existe.

Este é um equívoco inaceitável nos dias de hoje.

Insistir nessa concepção deixa de ser equívoco e passa a ser outra coisa.

Ponto.

A “certeza” do travamento do cone é dada pela percepção tátil.

Devo lembrar que percepção está intimamente ligada à sensibilidade, inclusive tátil, algo bastante variável entre os indivíduos.

Dizem que aluno tem pacto com o Diabo.

Vejamos.

Ao chamar o professor para ver se está bom o travamento, o aluno ouve:

– Não, não está bom. Trave melhor.

O professor dá as costas, o aluno chama outro professor. Este confere e diz:

– Tá bom.

Meu Deus!!!

É sensibilidade tátil e ela não é a mesma nas pessoas.

Sendo assim, varia de professor para professor!

Quer ver uma situação em que o aluno se torna sócio do Diabo?

– Professor, veja aqui se o travamento tá bom.

– Não, não tá não. Melhore.

O professor se afasta.

O aluno faz isso, faz aquilo, faz tudo, menos mexer no cone de guta percha. Espera alguns poucos minutos e chama o mesmo professor.

– Professor, agora tá bom?

– Agora sim, Agora tá bom!

O aluno acabou de matar o professor sem ele sequer desconfiar.

Já falei sobre essas duas situações em alguns lugares. É comum ver nas salas cabecinhas balançando e aqueles sorrisinhos sarcásticos, como que dizendo; já fiz isso.

Vamos um pouco mais longe?

A sua própria sensibilidade é altamente dependente do seu “estado d’alma”.

Você tomou um bom vinho na noite anterior, namorou, dormiu o sono da felicidade.

Acorda num dia bonito, céu azul, sol, daqueles que entram em você e fazem festa.

Como é que você acha que está o seu humor? E a sua inspiração e sensibilidade?

Lá em cima.

Imagine agora alguém cuja mulher, filho, pais, um ente querido, está com uma doença grave.

Será que podemos crer que essa pessoa está de alto astral e apresenta o mesmo comportamento?

É bem possível que o endodontista também seja um ser normal e, portanto, suscetível a situações que interferem na plenitude da sua capacidade.

Assim, a percepção tátil muito pouco provavelmente será a mesma.

Que me perdoem os ditos pragmáticos, mas ignorar isso é outro grande equívoco.

O homem não é alheio ao que está à sua volta.

O “travamento perfeito” do cone de guta percha e o consequente vedamento hermético, desejo de todos, representam algo que o bom senso condena.

Ao fazer a prova do cone de guta percha em um canal reto e observarmos a sensação tátil de travamento, tínhamos a “certeza” de que ele travara na porção mais apical do canal; no comprimento de trabalho.

Mesmo sonhando o sonho impossível, o do “travamento perfeito” e vedamento hermético, sabíamos que não costumava ser assim no canal curvo.

Observe no desenho da figura abaixo que a seta preta aponta para a porção mais estreita da obturação (em verde) e a seta branca para a porção mais larga dela (Fig. A). Era comum acontecer isso nos canais curvos, isto é, um discreto desvio do canal na sua porção final, graças à pouca flexibilidade dos instrumentos mais calibrosos.

Travamento do cone

Se o cone tivesse a largura que a seta branca aponta ele não passaria pelo canal no local para onde aponta a seta preta, porque este é mais constrito, mais estreito.

Assim, ele não travou ali no local que aponta a seta branca.

Mas não é ali onde ele deve travar?

Observe, agora na radiografia, que as setas apontam para os mesmos aspectos, só que mais dificilmente percebidos (Fig. B). Isso acontece mais vezes do que imaginamos, ainda que com menor frequência na era dos instrumentos rotatórios.

Quem complementa essas eventuais falhas na obturação?

Os cimentos obturadores (observe como inclusive ele extravasou para os tecidos periapicais).

Os cimentos são solúveis?

Sim.

Como confiar no vedamento hermético se ele em parte é constituído por um material solúvel?

Continuemos juntos e voltemos para o cone único.

Observe a figura abaixo em que vemos a fotografia de um cone de guta percha em um canal de molar inferior. Esse cone está bem travado (Fig. A).

Cone único'

Acompanhe, agora na radiografia, a linha radiolúcida que “corre” ao lado do cone em toda a extensão da parede do canal contrária à furca. Isso significa que entre o cone e a parede do canal existe espaço desde o terço cervical até o comprimento de trabalho que não foi preenchido pelo cone (setas brancas).

Veja agora na parede próxima à furca como o cone está “colado” a ela nos terços cervical e médio (setas pretas). Ali, radiograficamente falando, o cone de guta percha está aderido à parede dentinária.

Logo em seguida, quando ele chega ao terço apical surge a imagem de espaço vazio entre o cone e a parede do canal, que persiste até o CT (setas vermelhas).

Perceba assim que em boa parte, particularmente no terço apical, o cone de guta percha não faz um bom contato com as paredes do canal. Nem poderia.

O cone usado nas imagens é um cone convencional, ou seja, conicidade .02, mas, repito, está bem travado.

O cone indicado para a técnica do cone único deve possuir maior conicidade, geralmente algo como .04, .06, nessa faixa.

Assim, atribui-se a eles a capacidade de, pela maior conicidade (taper), preencher bem os terços cervical e médio, o que eliminaria os espaços vazios observados na figura acima.

Inegável a possibilidade de esses cones se adaptarem melhor nos referidos segmentos do canal, mas claro que seria inconcebível imaginar que por isso haveria o perfeito selamento do canal em toda sua extensão (será que tem alguém que pensa que é isso que acontece?).

Tudo vai girar em torno da conicidade dada ao canal e do cone escolhido para a obturação.

O que ocorre é que, uma técnica extremamente simples, a do cone único, tem seu grande momento, o seu momento mais delicado, justamente na escolha do cone.

A maior conicidade pode favorecer bastante a adaptação do cone nos terços cervical e médio, mas pode prejudica-la no apical e isso pode acontecer mesmo nos canais retos (voltaremos a falar sobre isso).

Em outras palavras, o cone pode ficar bem adaptado nos dois primeiros terços e mal adaptado no terço apical, particularmente no comprimento de trabalho.

Mas como isso é possível se o cone está bem travado?

Se na figura acima, mesmo usando um cone .02 o travamento não se deu no comprimento de trabalho (setas vermelhas e brancas), o que pode acontecer com a conicidade maior?

Gosto muito de uma expressão e aqui me permito usa-la.

O que pode ocorrer é que mais facilmente a maior conicidade pode fazer com que o cone fique “entalado” em qualquer parte do canal, até mesmo na sua entrada. Assim, a sensação de travamento é confirmada, porém não necessariamente no CT, mas onde o cone estaria “entalado”.

Volte à figura acima e perceba que o cone está mais bem aderido aos terços cervical e médio (setas pretas) do que no apical (setas vermelhas e brancas).

A sensação do travamento do cone pode ter sido dada por qualquer ponto entre os terços cervical e médio ou até mesmo na entrada do canal.

Qual é a grande razão do travamento perfeito do cone da forma como tem sido ensinado e preconizado?

Vedar hermeticamente o canal no terço apical, para evitar que por ali penetrem os fluidos teciduais dos tecidos periapicais e assim passem a servir de nutrientes para bactérias residuais pós-preparo.

Abro um parêntese para dizer que não cabe aqui aprofundar e discutir esse ponto de vista.

Sendo assim, sob essa perspectiva do travamento do cone no CT, o que é melhor, a técnica da condensação lateral ou a do cone único nas condições descritas?

Conto rapidamente uma história.

Há alguns poucos anos, tomando uma cerveja com o professor Hênio Horta e seu grupo em Belo Horizonte, ele me disse que eles tinham feito uma pesquisa comparando a capacidade de selamento da técnica da condensação lateral com a do cone único e os resultados mostraram que a condensação lateral selava melhor.

Perguntei porque não publicava.

Falou que tinha que ter “alguns cuidados” por causa de (Quintiliano Diniz) De Deus, um dos grandes professores de Endodontia do Brasil e entusiasta do cone único. Eram muito amigos.

Infelizmente, ambos, Hênio e De Deus, já não estão mais entre nós.

Para que não fique nenhuma dúvida, sou adepto da técnica do cone único. Nos nossos cursos ela é ensinada.

No entanto, diante do que vimos, acho que para quem acredita no travamento do cone de guta percha como garantia de vedamento hermético, talvez não seja a técnica mais recomendável.

Aliás, nenhuma seria, pela simples razão de que vedamento hermético não existe.

E aí, o que fazem os nossos eventos?

Tornam-se frustrantes porque praticamente só falam de aparelhos, sistemas, motores, cimentos obturadores (normalmente apresentados como solução dos problemas) , limas de última geração…

Por que o establishment da Endodontia não estimula discussões que discutam de fato Endodontia (a redundância é intencional) nos eventos?

Não quero e não posso crer que não há outro interesse que não seja subliminarmente estimular as plateias a comprar.

E aí, vai um reciprocante ou um rotacional?

Danadinhos, não são?