Por Ronaldo Souza

Pelo que observamos nas imagens acima, como é possível estabelecer precisão com “segurança de 100% na localização do limite CDC” se em um mesmo canal há grande variabilidade na extensão do cemento e, portanto, diferentes pontos onde ele se encontra com o canal dentinário?
Essa frase foi dita já no final do texto anterior, E por falar em localizador foraminal…, de onde eu trouxe também a imagem.
A primeira coisa então que temos que entender é que existem alguns limites CDC no mesmo canal e não somente um.
Como querer precisão nessas condições?
Voltemos à frase que diz que “para que o localizador tenha a eficiência desejada, é necessário que o instrumento atinja o forame…”.
Por que ele tem que atingir o forame?
Graças à complexidade da anatomia naquele segmento do canal, o localizador não é capaz de fazer a leitura perfeita, aquela que todos desejam e dizem existir.
Então ele precisa ir até o forame apical e de lá perguntar ao endodontista.
– Cheguei. Já estou aqui no forame apical e pelo caminho fui vendo que existem alguns pontos em que a dentina se encontra com o cemento. Qual deles escolho para você registrar aí como seu limite CDC? Ou você prefere que eu recue de acordo com o protocolo que você segue?
Qual seria, por exemplo, o limite que o localizador “escolheria” para você na imagem acima à direita; 1,5 mm ou 2,1 mm?
E lembre que estamos vendo somente dois, por conta do plano bidimensional.
O que fazem nessa hora?
Daquela medida registrada pelo localizador no forame, recua-se o necessário de acordo com o limite que o profissional usa, geralmente a depender da escola que ele segue.
Numa grande quantidade de vezes, esse recuo é de 1 mm.
O CT será então 1 mm aquém do registro do localizador.
Confere?
Ou você conhece alguém que usa 0,5 aquém nos pacientes jovens e 0,7 nos pacientes idosos, como detalhou Kuttler em 1955?
Sabendo-se que essas medidas representam médias e, portanto, existem inúmeras outras, como 0,2 ou 0,3 ou ainda 0,8 e 0,9, algum localizador registra assim o limite CDC?
Posso lhe fazer uma pergunta?
Por que inicialmente foram chamados de localizadores apicais e agora são chamados de localizadores foraminais?
Por uma razão bem simples!
Qual era a ideia?
Além da constrição apical no limite CDC, o registro da diferença de impedância entre os tecidos pulpar e periodontal permitiria a “segurança de 100% na localização do limite CDC”.
Isso não se confirmou.
Era preciso então ir ao forame apical para, de lá, recuar e estabelecer o comprimento de trabalho.
Por isso o nome localizadores foraminais, que é o que eles fazem; localizar o forame.
Reconheceu-se que localizar o limite CDC, objetivo para o qual foram criados, é impossível!
Como localizar com precisão de 100% algo que não existe?
Você escreve na ficha clínica do seu paciente limite CDC ou comprimento de trabalho?
A precisão desnecessária
Voltemos à frase “por décadas, trabalhamos além do forame apical sem saber”.
Uma evidente crítica à possibilidade de a radiografia nos dar a falsa impressão de estarmos dentro do canal.
Ora, se “para que o localizador tenha a eficiência desejada, é necessário que o instrumento atinja o forame…”, ele já está fora do canal.
Fora do canal, ele já está nos tecidos periapicais!
Se alguém imagina o contrário, desconhece anatomia apical.

Observe a figura acima. A lima está “dentro” do forame, porém, vista numa visão mais próxima na figura abaixo, ela aparece dentro do forame sob a perspectiva da parede que está “atrás” dela (como se fosse a face palatina), mas está 1 mm fora sob a perspectiva da parede anterior (como se fosse a face vestibular).

E o que dizer das imagens na figura abaixo, do trabalho de Blaskovic-Subat e colaboradores?

A radiografia nos daria “uma falsa impressão do instrumento dentro do canal, pela angulação e formação do halo apical”.
Verdade.
Para os mais jovens, o halo de que se fala corresponde à quantidade de tecido mineralizado que está “por trás” da lima nas imagens acima, cuja extensão é mostrada pela seta dupla preta pontilhada (letra C).
Pela radiopacidade desse tecido “em volta e acima” do instrumento que apareceria na imagem da radiografia periapical, imaginaríamos que o instrumento está dentro do canal, quando, na verdade, está fora.
E o que nos diria o localizador foraminal?
Pela parede “palatina” ele ainda está ligeiramente aquém da abertura foraminal, portanto, “dentro do forame”, mas pela parede “vestibular” ele está além do forame apical.
Aí o localizador acionaria o alerta.
– Doutor, muito cuidado! Pela parede “palatina” o instrumento ainda está ligeiramente aquém do forame e pelas proximais, mesial e distal, ligeiramente fora. Mas pela parede “vestibular” ele está completamente além do forame apical, portanto, nos tecidos periapicais.
É assim?
Estou enganado ou posso dizer que não é assim que ele “diz” ao endodontista?
Sendo assim, mesmo com o localizador e sua “precisão”, não teríamos ainda a possibilidade de trabalhar “por décadas… além do forame apical sem saber”?
E que história é essa de que só estamos em tecidos periapicais quando estamos além do forame apical?
Qual é o tecido que invagina e preenche o canal cementário?

O ligamento periodontal. Observe como é ele que penetra no canal cementário.
Ali é tecido periodontal apical. Sendo assim, o instrumento não precisa estar além do forame para estar em tecido periapical.
E que fosse
Digamos, porém, que existisse um único limite CDC e este fosse detectado pelo localizador com precisão.
Seria ótimo, sem dúvida.
Mas, para que?
Duas questões devem ser consideradas.
- A ampla, total e irrestrita ampliação foraminal que fazem em todos os tratamentos endodônticos
- A enorme quantidade de material obturador que jogam nos tecidos periapicais.


Como pode alguém que preconiza, ensina e estimula isso falar de cuidados e preocupações com os tecidos periapicais?
Como explicar o Glória nas Alturas aos precisos localizadores e as cabecinhas balançando no amém, amém, amém ao “surplus”?
Impressiona o descompromisso com o conhecimento!
Aceitemos o limite CDC como a fronteira natural entre dentina e cemento.
Seria ali a fronteira entre o que se considera o campo de ação do endodontista, canal dentinário, e os tecidos periapicais.
Um dos grandes pecados dos deuses da endodontia moderna é que falam mais de instrumentos e aparelhos do que de Endodontia.
Daí o desconhecimento generalizado que se vê hoje.
Precisamos entender que era esse limite que ditava os procedimentos do tratamento endodôntico.
Se certo ou errado é outra questão.
Não se trata de concordar ou discordar da concepção, mas de entender.
A proposta do localizador era, por se imagina-lo preciso na detecção do limite CDC, não traumatizar tecidos adjacentes, aqueles que não estariam inseridos no contexto do preparo e obturação do canal.
Lembre que, concordando ou não, o canal cementário não era incluído no preparo do canal nem na obturação e muito menos os tecidos periapicais.
A louvada precisão de 100% do localizador significa então que você vai usar uma ferramenta para detectar com exatidão o limite CDC para logo em seguida destruí-lo com a ampliação foraminal e ainda por cima fazer um “surplus“.
Não é um espetáculo de inteligência?
Por que todo esse deslumbramento e interesse em disseminar uma ferramenta que “detecta” o limite CDC com precisão de 100%, se na “excelência em endodontia”, da qual se fala todo dia, invadem e destroem a fronteira natural entre cemento-dentina-canal-tecidos periapicais em todos os tratamentos endodônticos?
Por que louvam tanto a importância e necessidade da precisão do localizador se destroem o limite que ele “registra” com precisão e é por ali que invadem os tecidos periapicais com material obturador?
Não percebem a contradição?
Limite arbitrário

As setas brancas na figura acima são do artigo de Blascovic-Subat, as vermelhas eu acrescentei.
Qual é o ponto zero do forame, C ou D?
Quando chegar em C, o localizador já faz o registro sonoro acusando que chegou no ponto zero, ou somente quando chegar em D?
Ou no meio do caminho?
Quem sabe um pouco mais acima ou um pouco mais abaixo?
Qual é o CT mais utilizado?
1 mm aquém.
Não é isso que a maioria faz, recuar 1 mm?
Então, na verdade, não se usa um limite preciso e sim arbitrário para se determinar o comprimento de trabalho.
Vai-se ao forame apical (ponto zero) com o localizador foraminal e de lá se faz o recuo de acordo com o protocolo da escola que o profissional segue.
Se é assim, você pode usar a radiografia periapical.
Vai ao forame (onde precisa ir o localizador foraminal), faz a radiografia (usa a imagem, o localizador usa o som) e de lá recua 1 mm.
“É a economia, estúpido!”
Foi o que disse Bill Clinton, ex-presidente dos Estados Unidos, quando quis chamar a atenção do mundo para o fato de que a economia era o grande problema.
É a anatomia, estúpido!
Tenho duas perguntas.
- Qual dos dois é preciso, radiografia periapical ou localizador foraminal?
- Qual dos dois é mais preciso?
Qual é a pergunta mais adequada?
Você consegue perceber que muita coisa do que dizem não faz sentido?
São palavras soltas, sem conexão com a realidade da Endodontia.
Já ouviu falar de blindagem do canal, qualificação da dentina, remodelação foraminal…?
…com frequência, se processa uma separação definitiva entre o falado e o vivido, e a ciência se torna um jogo de conceitos… Malabarismo verbal, virtuosismo conceitual.
Rubem Alves – Conversas com quem gosta de ensinar, 2002