Por que tantos jovens concluem estudos sem desenvolver verdadeiro espírito crítico

Por Francisco Esteban Bara*

A história conta que Sócrates era conhecido entre seus concidadãos como “a mosca de Atenas”. Diz-se também que ficou encantado com o apelido porque o descrevia muito bem: sua missão era provocar as pessoas por meio de perguntas e explicações que incomodavam e, sobretudo, faziam despertar.

Custou muito caro ao grande filósofo grego fazer pensarem certas pessoas que, na verdade, preferiam continuar dormindo. E decidiram que essa “mosca” que não parava quieta deveria tomar cicuta.

No entanto, seu espírito crítico resultou em uma das maiores revoluções da história.

Esse convite a pensar com critério — nos perguntar por que é que as coisas são assim e não de outro jeito, tentar descobrir verdades e desmantelar falsidades, e não deixar de dizer, como ele mesmo fazia, “só sei que nada sei” — não tem igual.

Basicamente porque o espírito crítico nos liberta da ignorância, ou seja, de qualquer pessoa ou coisa que queira pensar por nós; e já sabemos que estamos rodeados de pessoas e dispositivos tecnológicos dispostos a isso.

Certamente não há como conversar com pessoas imbuídas desse espírito, eles nos ensinam tudo o que foi dito e nos mostram que há pessoas com quem é muito agradável conversar.

Nosso pensamento atual e majoritário sobre a educação, essa voz indeterminada e envolvente que marca nosso caminho, aposta no espírito crítico.

Espírito de ‘bijuteria’

As novas gerações, dizem, devem melhorar o mundo, e precisamos de muitos Sócrates em escritórios, hospitais, escolas, partidos políticos, ruas e praças.

No entanto, a realidade mostra que, com esse discurso, não só se forma um espírito crítico, mas também, e cada vez mais, versões malsucedidas dele.

Não são poucos os jovens que, depois de passarem pelas diferentes etapas educacionais, incluindo a universidade, se apresentam na sociedade com um espírito crítico de “bijuteria”, bem distante do de Sócrates.

Ou repensamos a educação e suas políticas, e a comunidade passa a valorizar mais os espíritos críticos do que jogadores de futebol e celebridades, ou o corpo docente e as famílias que buscam cultivá-los no dia a dia verão sua alegria ir pelo ralo.

A seguir, vamos analisar três dessas “imitações” e, quem sabe, algumas soluções.

Algumas imitações

1. O espírito crítico é o conjunto de opiniões que alguém defende. O famoso lema que diz que o aluno é o protagonista da educação pode ser a principal causa desta curiosa imitação. Isso é o que queremos que aconteça, claro, mas deveríamos reconhecer que não pode ser logo de cara, pelo menos não em relação ao espírito crítico.

E não porque não se queira, mas porque o aluno não está em condições de assumir tal papel. Quem pensa que o evento educativo consiste, precisamente, em conduzir o aluno à conquista do seu protagonismo, isto é, da sua autonomia intelectual e moral, se surpreende ao ouvir que tal coisa “já vem da fábrica” ​​e que o que você precisa fazer é fortalecê-la ao máximo.

Assim sendo, se educa o “opinador”, indivíduo convicto de que sua opinião é tão válida quanto a de qualquer pessoa, também na qualidade de quem mais sabe; e encorajado a se manifestar em qualquer conversa dando palestras.

Não há espírito crítico quando passamos por cima do princípio que diz que, para opinar, devemos primeiro conhecer, quando deixamos de valorizar que a autonomia intelectual e moral consiste em percorrer um longo e duro trecho de verdades.

2. O espírito crítico é o domínio e o conhecimento do que está acontecendo hoje e agora. E é isso que estamos fazendo há anos: educar em respostas úteis, rentáveis e eficazes.

Porém, se há algo que mantém vivo o espírito crítico, são as grandes questões que afetam a todos e nunca saem de moda, e deveríamos pensar por que há tantos jovens que terminam a jornada educacional quase sem ter nada sério que perguntar sobre si mesmos e o mundo em que habitam.

Essas grandes questões costumam ser encontradas nos clássicos do pensamento, sim, naquelas obras que, como dizia Ítalo Calvino, tendem a relegar as atualidades à categoria de barulho de fundo, mas ao mesmo tempo não podem prescindir dele.

Por isso um clássico, seja há séculos ou dez anos, um livro ou um filme, é um clássico porque nunca acaba de dizer o que está dizendo, porque sempre nos desafia.

Por mais que seja difícil de acreditar, um espírito crítico sem clássicos tropeça, se é que realmente anda, e nos surpreende que os universitários, estudem a carreira que for, não tenham primeiro um curso de artes liberais, grandes ideias, humanidades, cultura geral ou como você quiser chamar.

3. O espírito crítico se manifesta de várias maneiras, de acordo com a natureza de cada um. Talvez os meios de comunicação e as redes sociais sejam a melhor vitrine do que está sendo dito aqui. No entanto, algo nos diz que a coisa vai na direção oposta, que esse espírito se conquista, que é você que deve se adaptar a ele.

Isso é demonstrado por aquelas pessoas que aprenderam a filosofar com delicadeza, humildade, prudência e boas palavras, que fogem do fervor, da grosseria, do rancor e vingança.

O espírito crítico também tem sua estética, algo que, devo dizer, não costuma constar na lista de competências de nossos currículos escolares e universitários.

Essa estética é aprendida muito bem pelos exemplos. Seria bom selecionar alguns deles e analisá-los semanalmente com nossos alunos.

Por fim, não disporemos de jovens com espírito crítico apenas com a intenção, muito menos ao reforçar imitações que não fazem mais nada do que obscurecer e desperdiçar o convite de Sócrates e de tantos outros que seguiram o seu caminho.

* Francisco Esteban Bara é professor associado do Departamento de Teoria e História da Educação da Faculdade de Educação da Universidade de Barcelona, na Espanha

Falando de Endodontia

 

Parece ser esse um momento em que conceitos e técnicas consagrados pelo tempo através das pesquisas e experiências clínicas estão sendo desprezados, em nome de um “fazer canal” em que o tempo de duração do tratamento e outras questões menores determinam o como fazer. 

Tudo se tornou possível.

Ensina-se, como num passe de mágica, que todos os problemas da Endodontia são de fácil solução.

Instalou-se o reino do simplismo.

Um reino onde não há dúvidas, não há perguntas, onde o domínio da anatomia se tornou absoluto e banal.

É nesse momento que surge o “Falando de Endodontia”.

Um encontro, um bate-papo entre colegas.

Em cada um deles, eu e Figueiredo estaremos conversando com um convidado sobre as coisas da Endodontia.

Alguns dos nomes mais importantes da nossa Endodontia farão parte desse momento.

O primeiro deles será o Prof. Dr. Mário Tanomaru Filho, (UNESP – Araraquara), com o tema “Cimentos endodônticos biocerâmicos: bases para a aplicação clínica”.

O Falando de Endodontia terá início no dia 24/11/2020 (terça-feira), das 19 às 20:30.

Será realizado na plataforma Zoom, com 1 hora e 30 minutos de duração.

Em breve, mais detalhes. 

Sejam bem-vindos!

Até lá,
Ronaldo Souza (EBMSP) e José Antônio P. Figueiredo (UFRGS)

A festa ‘tá’ boa

Por Ronaldo Souza

Como você sabe, a Natureza é cheia de defeitos, bastante imperfeita.

Oh coisinha feia e malfeita!

Alguém pode me explicar, por exemplo, por que a Natureza fez dentes amarelados?

Inaceitável!

Mas, doutor, a dentina é amarelada e o esmalte é fino, translúcido. Ele, esmalte, só faz “refletir” a cor da dentina. É uma coisa natural!!

– Então faça o seguinte; vá lá e convença ao dentista!

– ???

– Vá, quero ver.

Do alto do seu poder, o que pensou o dentista?

Vou pintar o dente de branco.

Torno branco o que não é branco.

Não foi uma ideia sensacional?

Diria até original.

Afinal, tudo devia ser branco.

Branco não é a cor da paz?

Então!

Viveríamos todos em paz.

O escuro ficaria por dentro.

Por fora, tudo branco!

Tudo seria branco.

Tudo seria ariano.

Suassuna ia gostar?

Adolf ia adorar.

Ah, agora sim, o branco imaculado, divino.

Puro.

Eugênico.

O sorriso dos deuses.

O dentista cumpria mais uma vez o seu destino; corrigir os erros da Natureza.

Acho até que por aqui começou com os artistas globais. Aquele desfile de gente bonita, padrão FIFA (ou padrão Globo, dá no mesmo, o padrão é o mesmo), todo mundo com dentes brancos, tudo igual.

E aí meu amigo, ninguém segura. Vai todo mundo querer ficar igual.

Um mundo diverso não interessa, não tem graça.

Montaram uma indústria bem montadinha e começaram a produzir dentes brancos em série.

Lente de contato!

Por que só nos olhos?

O dentista já ‘tava’ incomodado há muito tempo, olhando de lado, se segurando…

Oh, quer saber de uma coisa?

Saiu botando lente de contato nos dentes de um bocado de gente.

E os endodontistas!

Esses dispensam comentários, “os cara são fera”.

Ninja.

Tudo ninja.

A biologia, fisiologia tecidual, histologia…, essas coisas sem importância, ah, esquece.

Querem ver?

Dizem que material obturador extravasado para os tecidos periapicais constitui fator de grande agressão a aqueles tecidos.

Você pensa que os caras ligam pra isso?

Tão nem aí.

Jogam quilos de material obturador nos tecidos periapicais e nada acontece.

Não morre nenhum paciente.

Eu pelo menos, justiça se faça, nunca vi nenhum morto no Instagram, no Face Book…

Nem dor eles sentem, e posso garantir que também nunca vi nenhum gemendo por lá.

Agora veja se não faz sentido?

Fica aquele tecido ósseo periapical todo lá, enorme, bonitão, paradão, sem fazer nada.

Por que vocês acham que os macrófagos vão querer ir lá se não tem nada de interessante pra fazer?

Agora, jogue uns três quilinhos de material obturador (não precisa mais do que isso, não precisa exagerar), jogue um iodoformiozinho amigo…

Chove macrófago no outro dia nos tecidos periapicais.

Ficam todos assanhados, doidinhos.

Só vai assim.

E não adianta se não fizer isso. Esses macrófagos de última geração, se você não jogar uma coisinha lá nos tecidos periapicais eles nem aparecem.

Bactérias!!!

Tão nem aí.

Não vão nem a pau atrás delas.

Agora apareceu esse vírus, o tal do Covid-19.

Acho que já teve umas 19 lives sobre ele.

Vi gente dizendo que encontrou uns 15 só num canal, tudo na farra.

Em outra live anunciaram ele, mas não vi, nem ouvi falar dele.

O que vi foi um cara falando de uma mesinha auxiliar com umas 315 pontas (acho que chamam de “cart”).

Mas, falar de como lidar com o bicho, isso não vi não (bicho, não, bichinho, afinal é um vírus, super pequenininho, desprezível, insignificante, no máximo uma gripezinha).

Mas, acho que eu é que tô de bobeira, tem de ser assim mesmo.

Dá uma porrada com uma das 315 pontas, não matou, dá com a outra.

Não é por falta de ponta e de porrada que ele não vai morrer.

Bandido bom é bandido morto!

E quando resolvem sair por aí falando de qualificação dentinária, remodelação foraminal, blindagem dos canais…, ninguém segura!

“Os cara são fera”.

Endodontistas sim, esses são bons.

Nesses eu acredito.

Tudo ninja.

Quando a obturação reflete, de fato, a qualidade do preparo do canal

Por Ronaldo Souza

Muita coisa poderia ser dita a respeito desse tratamento.

Uma delas, que ele foi realizado por mim ou qualquer outro professor da Bahiana ou da ABO-BA, instituições às quais o nosso grupo está ligado.

Também poderia ser dito que foi realizado através das técnicas mais recentes: instrumentos “rotatórios” ou reciprocantes e sistemas de obturação.

Não foi.

Foi com técnica de instrumentação manual, medicação com hidróxido de cálcio e obturado pela técnica da condensação lateral.

Quer um detalhe importante?

Não foi realizado por mim ou qualquer outro professor. Foi realizado por Fernando Gavazza, aluno do 7º semestre do Curso de Odontologia da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública.

Veja a conicidade, a homogeneidade, a compactação dessa obturação.

A qualidade do preparo do canal se reflete na qualidade da obturação, o que se pode comprovar pela última imagem (lado direito), uma radiografia de controle que mostra o reparo da lesão periapical.

Aqui poderíamos acrescentar mais uma coisa.

Dizer ao mundo (dizer ao Face Book fica melhor, não é?) que os nossos alunos “fazem canal” assim.

Não seria verdade.

Os nossos alunos são iguais a qualquer outro. Alguns conseguem fazer assim, outros não. Fernando Gavazza era um ótimo aluno.

Não é o professor que faz o aluno.

O aluno se faz.

Os nossos alunos dos cursos de Atualização e Especialização na ABO aprendem a trabalhar com rotatórios, reciprocantes, localizadores foraminais, sistemas de obturação…, mas aprendem que eles são os responsáveis pela qualidade do trabalho, não os sistemas, sejam eles quais forem.

Teremos oportunidade de continuar as nossas conversas aqui sobre coisas assim.

Mas, não espalhem, vamos falar sempre de Endodontia e não de marketing.

E por falar em localizador foraminal… 2ª parte

Por Ronaldo Souza

Pelo que observamos nas imagens acima, como é possível estabelecer precisão com “segurança de 100% na localização do limite CDC” se em um mesmo canal há grande variabilidade na extensão do cemento e, portanto, diferentes pontos onde ele se encontra com o canal dentinário?

Essa frase foi dita já no final do texto anterior, E por falar em localizador foraminal…, de onde eu trouxe também a imagem.

A primeira coisa então que temos que entender é que existem alguns limites CDC no mesmo canal e não somente um.

Como querer precisão nessas condições?

Voltemos à frase que diz que “para que o localizador tenha a eficiência desejada, é necessário que o instrumento atinja o forame…”.

Por que ele tem que atingir o forame?

Graças à complexidade da anatomia naquele segmento do canal, o localizador não é capaz de fazer a leitura perfeita, aquela que todos desejam e dizem existir.

Então ele precisa ir até o forame apical e de lá perguntar ao endodontista.

– Cheguei. Já estou aqui no forame apical e pelo caminho fui vendo que existem alguns pontos em que a dentina se encontra com o cemento. Qual deles escolho para você registrar aí como seu limite CDC? Ou você prefere que eu recue de acordo com o protocolo que você segue?

Qual seria, por exemplo, o limite que o localizador “escolheria” para você na imagem acima à direita; 1,5 mm ou 2,1 mm?

E lembre que estamos vendo somente dois, por conta do plano bidimensional.

O que fazem nessa hora?

Daquela medida registrada pelo localizador no forame, recua-se o necessário de acordo com o limite que o profissional usa, geralmente a depender da escola que ele segue.

Numa grande quantidade de vezes, esse recuo é de 1 mm.

O CT será então 1 mm aquém do registro do localizador.

Confere?

Ou você conhece alguém que usa 0,5 aquém nos pacientes jovens e 0,7 nos pacientes idosos, como detalhou Kuttler em 1955?

Sabendo-se que essas medidas representam médias e, portanto, existem inúmeras outras, como 0,2 ou 0,3 ou ainda 0,8 e 0,9, algum localizador registra assim o limite CDC?

Posso lhe fazer uma pergunta?

Por que inicialmente foram chamados de localizadores apicais e agora são chamados de localizadores foraminais?

Por uma razão bem simples!

Qual era a ideia?

Além da constrição apical no limite CDC, o registro da diferença de impedância entre os tecidos pulpar e periodontal permitiria a “segurança de 100% na localização do limite CDC”.

Isso não se confirmou.

Era preciso então ir ao forame apical para, de lá, recuar e estabelecer o comprimento de trabalho.

Por isso o nome localizadores foraminais, que é o que eles fazem; localizar o forame.

Reconheceu-se que localizar o limite CDC, objetivo para o qual foram criados, é impossível!

Como localizar com precisão de 100% algo que não existe?

Você escreve na ficha clínica do seu paciente limite CDC ou comprimento de trabalho?

A precisão desnecessária

Voltemos à frase “por décadas, trabalhamos além do forame apical sem saber”.

Uma evidente crítica à possibilidade de a radiografia nos dar a falsa impressão de estarmos dentro do canal.

Ora, se “para que o localizador tenha a eficiência desejada, é necessário que o instrumento atinja o forame…”, ele já está fora do canal.

Fora do canal, ele já está nos tecidos periapicais!

Se alguém imagina o contrário, desconhece anatomia apical.

Observe a figura acima. A lima está “dentro” do forame, porém, vista numa visão mais próxima na figura abaixo, ela aparece dentro do forame sob a perspectiva da parede que está “atrás” dela (como se fosse a face palatina), mas está 1 mm fora sob a perspectiva da parede anterior (como se fosse a face vestibular).

E o que dizer das imagens na figura abaixo, do trabalho de Blaskovic-Subat e colaboradores?

No forame''

A radiografia nos daria “uma falsa impressão do instrumento dentro do canal, pela angulação e formação do halo apical”.

Verdade.

Para os mais jovens, o halo de que se fala corresponde à quantidade de tecido mineralizado que está “por trás” da lima nas imagens acima, cuja extensão é mostrada pela seta dupla preta pontilhada (letra C).

Pela radiopacidade desse tecido “em volta e acima” do instrumento que apareceria na imagem da radiografia periapical, imaginaríamos que o instrumento está dentro do canal, quando, na verdade, está fora.

E o que nos diria o localizador foraminal?

Pela parede “palatina” ele ainda está ligeiramente aquém da abertura foraminal, portanto, “dentro do forame”, mas pela parede “vestibular” ele está além do forame apical.

Aí o localizador acionaria o alerta.

– Doutor, muito cuidado! Pela parede “palatina” o instrumento ainda está ligeiramente aquém do forame e pelas proximais, mesial e distal, ligeiramente fora. Mas pela parede “vestibular” ele está completamente além do forame apical, portanto, nos tecidos periapicais.

É assim?

Estou enganado ou posso dizer que não é assim que ele “diz” ao endodontista?

Sendo assim, mesmo com o localizador e sua “precisão”, não teríamos ainda a possibilidade de trabalhar “por décadas… além do forame apical sem saber”?

E que história é essa de que só estamos em tecidos periapicais quando estamos além do forame apical?

Qual é o tecido que invagina e preenche o canal cementário?

Coto pulpar

O ligamento periodontal. Observe como é ele que penetra no canal cementário.

Ali é tecido periodontal apical. Sendo assim, o instrumento não precisa estar além do forame para estar em tecido periapical.

E que fosse

Digamos, porém, que existisse um único limite CDC e este fosse detectado pelo localizador com precisão.

Seria ótimo, sem dúvida.

Mas, para que?

Duas questões devem ser consideradas.

  1. A ampla, total e irrestrita ampliação foraminal que fazem em todos os tratamentos endodônticos
  2. A enorme quantidade de material obturador que jogam nos tecidos periapicais.

Surplus''

 

Surplus'''

Como pode alguém que preconiza, ensina e estimula isso falar de cuidados e preocupações com os tecidos periapicais?

Como explicar o Glória nas Alturas aos precisos localizadores e as cabecinhas balançando no amém, amém, amém ao “surplus”?

Impressiona o descompromisso com o conhecimento!

Aceitemos o limite CDC como a fronteira natural entre dentina e cemento.

Seria ali a fronteira entre o que se considera o campo de ação do endodontista, canal dentinário, e os tecidos periapicais.

Um dos grandes pecados dos deuses da endodontia moderna é que falam mais de instrumentos e aparelhos do que de Endodontia.

Daí o desconhecimento generalizado que se vê hoje.

Precisamos entender que era esse limite que ditava os procedimentos do tratamento endodôntico.

Se certo ou errado é outra questão.

Não se trata de concordar ou discordar da concepção, mas de entender.

A proposta do localizador era, por se imagina-lo preciso na detecção do limite CDC, não traumatizar tecidos adjacentes, aqueles que não estariam inseridos no contexto do preparo e obturação do canal.

Lembre que, concordando ou não, o canal cementário não era incluído no preparo do canal nem na obturação e muito menos os tecidos periapicais.

A louvada precisão de 100% do localizador significa então que você vai usar uma ferramenta para detectar com exatidão o limite CDC para logo em seguida destruí-lo com a ampliação foraminal e ainda por cima fazer um “surplus“.

Não é um espetáculo de inteligência?

Por que todo esse deslumbramento e interesse em disseminar uma ferramenta que “detecta” o limite CDC com precisão de 100%, se na “excelência em endodontia”, da qual se fala todo dia, invadem e destroem a fronteira natural entre cemento-dentina-canal-tecidos periapicais em todos os tratamentos endodônticos?

Por que louvam tanto a importância e necessidade da precisão do localizador se destroem o limite que ele “registra” com precisão e é por ali que invadem os tecidos periapicais com material obturador?

Não percebem a contradição?

Limite arbitrário

As setas brancas na figura acima são do artigo de Blascovic-Subat, as vermelhas eu acrescentei.

Qual é o ponto zero do forame, C ou D?

Quando chegar em C, o localizador já faz o registro sonoro acusando que chegou no ponto zero, ou somente quando chegar em D?

Ou no meio do caminho?

Quem sabe um pouco mais acima ou um pouco mais abaixo?

Qual é o CT mais utilizado?

1 mm aquém.

Não é isso que a maioria faz, recuar 1 mm?

Então, na verdade, não se usa um limite preciso e sim arbitrário para se determinar o comprimento de trabalho.

Vai-se ao forame apical (ponto zero) com o localizador foraminal e de lá se faz o recuo de acordo com o protocolo da escola que o profissional segue.

Se é assim, você pode usar a radiografia periapical.

Vai ao forame (onde precisa ir o localizador foraminal), faz a radiografia (usa a imagem, o localizador usa o som) e de lá recua 1 mm.

“É a economia, estúpido!”

Foi o que disse Bill Clinton, ex-presidente dos Estados Unidos, quando quis chamar a atenção do mundo para o fato de que a economia era o grande problema.

É a anatomia, estúpido!

Tenho duas perguntas.

  1. Qual dos dois é preciso, radiografia periapical ou localizador foraminal?
  2. Qual dos dois é mais preciso?

Qual é a pergunta mais adequada?

Você consegue perceber que muita coisa do que dizem não faz sentido?

São palavras soltas, sem conexão com a realidade da Endodontia.

Já ouviu falar de blindagem do canal, qualificação da dentina, remodelação foraminal…?

…com frequência, se processa uma separação definitiva entre o falado e o vivido, e a ciência se torna um jogo de conceitos… Malabarismo verbal, virtuosismo conceitual.
Rubem Alves – Conversas com quem gosta de ensinar, 2002

E por falar em localizador foraminal…

Por Ronaldo Souza

Volto a um tema sobre o qual já escrevi para que possamos, juntos, discuti-lo outra vez.

Dessa vez divido em duas partes.

Percebem-se facilmente as dificuldades ainda existentes com relação à real dimensão das coisas da Endodontia.

A imprescindibilidade do localizador foraminal é dita com tamanha veemência que alguns endodontistas devem se sentir acuados.

– Quem não tem não pode fazer Endodontia!

Pronto!

A forçação de barra é grande e não é novidade.

Há pelo menos quatro razões para isso.

1. O professor acredita de fato que o localizador foraminal é indispensável

Tudo bem.

2. O cara diz para se colocar num pedestal

Funcionou mais no início. Como poucos tinham, o cara precisava se distinguir e deixar todos impressionados. É sempre assim cada vez que lançam algo novo.

Cria-se uma onda à qual muitos não resistem.

Ainda funciona, agora talvez um pouco menos pois muitos já possuem.

3. Desconhecimento da Endodontia

4. Outros

Esse corre por conta de interesses não vinculados diretamente à Endodontia e sim ao entorno dela.

Vamos lá.

  1. O canal radicular é composto por canal dentinário e canal cementário.
  2. O local onde se encontram o canal dentinário e o cementário ficou conhecido como limite CDC (Cemento-Dentina-Canal).
  3. O tecido que se encontra no canal dentinário é pulpar.
  4. O tecido contido no canal cementário é uma invaginação do ligamento periodontal, portanto, é tecido periodontal.
  5. O campo de ação do endodontista é o canal dentinário.
  6. O limite CDC representa o ponto de maior constrição do canal radicular.

Estes são postulados clássicos da Endodontia.

Dito isso, vamos observa-los mais de perto.

Para começo de conversa, diria que até o item 4 não existem dúvidas nem interpretações que possam ser consideradas corretas ou equivocadas.

De maneira simples, direta e objetiva, podemos dizer; é aquilo e aquilo mesmo.

Dali em diante, talvez não.

O limite CDC é algo consagrado na literatura endodôntica.

A partir do conhecimento sobre os tecidos que o compõem e da definição dos seus limites espaciais, tornou-se muito forte o consenso de que ali era o ponto onde deveriam ser estabelecidos os limites apicais de instrumentação e de obturação dos canais.

Apesar de ser periodontal, o tecido contido no canal cementário ficou conhecido como coto pulpar.

O respeito a esse tecido é algo consagrado na literatura endodôntica.

Traumatiza-lo sempre esteve fora de cogitação.

Daí o conceito de que aquela porção final do canal era sagrada.

Ainda que o coto pulpar não mais estivesse vivo e sim necrosado, sem ou com lesão periapical, aquele limite tinha que ser respeitado.

Mas que limite?

O limite CDC.

“O comprimento de trabalho ideal, acordado entre a unanimidade dos autores desde os estudos de Grove, situa-se no limite CDC. Aparelhos eletrônicos promovem a detecção exata da constricção apical”.
Spironelli, CA

Sabendo-se que o canal cementário, e consequentemente o tecido que o compõe, não representavam o campo de ação do endodontista (este era representado pelo canal dentinário), era na constrição apical (CDC) o limite apical no qual deveria trabalhar o endodontista.

Ali ele instrumentava o canal, ali ele o obturava.

Então o comprimento de trabalho do endodontista era… era qual mesmo?

Limite apical

Observando a tabela acima, onde podemos ver uma pequena amostra da diversidade de comprimentos de trabalho recomendada, parecem ficar claras as dificuldades existentes.

Onde finalmente era esse limite?

Onde finalmente o endodontista deveria “parar”?

Ela nos mostra que a depender do autor e da condição tecidual, os comprimentos preconizados são os mais diversos possíveis.

Como recomendar tantas e tão diferentes medidas?

Como exigir precisão diante de tamanha imprecisão?

Afinal, era o conhecimento da anatomia e dos tecidos que constituem as porções finais do canal ou o “achar” de cada professor?

Em outras palavras, era o conhecimento ou a interpretação dele?

“Não há verdades definitivas. Apenas interpretações sobre a realidade, condicionadas pelo ponto de vista de quem as propõe”.
Nietszche

Apesar de esse tema não ter sido percebido e analisado sob essa perspectiva, a tabela nos diz algumas coisas, mas a principal delas:

Ninguém sabe onde é!

Foi nessa onda que chegaram os localizadores apicais eletrônicos.

E o mundo foi salvo.

Os endodontistas podiam “ver” agora com facilidade a impedância dos tecidos que compunham os canais dentinário e cementário.

Ao “apito” do aparelho, sabíamos; cheguei lá.

Cheguei no CDC.

Aqui é o meu limite.

Aqui é onde devo parar.

Pronto, dali por diante, depois da descoberta dos localizadores apicais eletrônicos, finalmente o coto pulpar podia descansar em paz. Estava definitivamente resguardado.

Finalmente, a medida exata, a precisão com que tanto sonháramos.

Saímos mundo afora cantando a oitava maravilha do mundo aos quatro ventos.

Baixaram um decreto.

“A partir de agora, quem não usar localizador apical eletrônico está ultrapassado”.

Pronto!

Mas o mundo não é perfeito.

O mundo da Ciência menos ainda.

Começaram a perceber que não era exatamente daquele jeito.

Ainda existiam problemas, dificuldades a serem contornadas e por razões diversas percebeu-se que a precisão ainda não tinha sido alcançada.

Se já tínhamos avançado para a impedância, avançávamos agora para a frequência.

Ângelo CT 1 fig. 2

Agora sim!

Definitivamente aceitos e cantados em prosa e verso por profundos conhecedores da Endodontia, era hora de seduzir o mundo.

Novos aparelhos, novos conhecimentos, novos…

Sim, mas… e a exatidão?

“A nova geração dos localizadores eletrônicos foraminais nos dá uma segurança de 100% na localização do limite CDC”.

Você ainda tem alguma dúvida?

Claro que não.

Como poderíamos, diante de 100% de segurança?

Vamos adiante.

Ser ou não ser! A anatomia é a questão

O encantamento geral terminou sendo inevitável.

Ouve-se falar das maravilhas desses novos aparelhos em todos os lugares.

Cursinhos de endodontia, imersão, vídeos, lives…

Espelho meu, espelho meu, há alguém nesse mundo que não faça live?

Sem dúvida, o localizador é mais um recurso muito bem-vindo e importante para o tratamento endodôntico.

A questão, mais uma vez, é a conotação que deram e dão. Querem por precisão absoluta onde não existe.

Há muito tempo os estudos de anatomia já mostram as peculiaridades dos canais, particularmente no terço apical.

“A constrição do canal só pode ser observada na secção adequada de um corte histológico e este é o único método que permite a determinação do comprimento de trabalho”.
Langeland, K. 1995

Se você ainda não leu Os limites na Endodontia, convido-o a fazer isso para nos entendermos melhor.

Trago de lá a imagem abaixo.

Limites

A Ciência tem um péssimo hábito; mostrar a fragilidade das tolas certezas.

Você já parou para pensar o que significa uma “segurança de 100% na localização do limite CDC”?

Observe nas figuras acima que há dois pontos onde se encontram o Cemento-Dentina-Canal (CDC) em cada canal, apontados por setas em verde e vermelho.

Observe também que, como numa radiografia, temos imagens bidimensionais, o que nos faz deduzir pela existência de mais desses pontos na tridimensão.

Pelo que observamos nas imagens acima, como é possível estabelecer precisão com “segurança de 100% na localização do limite CDC” se em um mesmo canal há grande variabilidade na extensão do cemento e, portanto, diferentes pontos onde ele se encontra com o canal dentinário?

“A constrição apical parece ser mais um mito do que uma realidade”.
Walton, R. Princípios e Prática em Endodontia – 1997

“A constrição apical geralmente não existe”.
Wu, MK et al. O Surg O Med O Pathol 2000

“A localização clínica do limite CDC é impossível”.
Ponce, EH e Vilar Fernández, JÁ. J Endod, 2003

“Os nossos resultados indicam que o limite CDC e a constrição apical são dois pontos distintos e que o diâmetro do canal no CDC é sempre maior do que o da constrição apical”.
Hassanien, EE et al. J Endod Abr 2008

A tecnologia se superou.

Ela consegue nos dar “uma segurança de 100% na localização” de algo que não existe.

Não é sensacional?

Anatomia é aquela coisa que douramos quando convém.

As maravilhas do microscópio não seriam tão maravilhosas (a redundância é intencional) se não fosse o sistema de canais.

Sistema de canais!!!

O encantado mundo dos canais invisíveis, istmos, canais laterais…

Que maravilha é pertencer ao maravilhoso (outra vez) mundo da microscopia, onde tudo vemos, onde tudo é possível.

Por outro lado, esse maravilhoso, belo, complexo, impossível, indomável sistema de canais, torna-se pequeno quando o dominamos com um único instrumento, em 40 minutos, em sessão única.

Uma coisa menor, desimportante, à qual impomos a capacidade que nos foi dada pelos deuses da Endodontia de dominar e nos exibirmos diante de exigentes plateias, vomitando o nosso domínio da anatomia.

O maravilhoso, belo, complexo, impossível, indomável sistema de canais, toda essa grandeza então se ajoelha diante da nossa estupidez.

Oh, anatomia, como pretendes ser relevante se és tão desconhecida e desprezada?

Chora o poeta.

“Remodelação foraminal”

O texto abaixo foi escrito em resposta ao Dr. Samuel Nogueira, pelo comentário que ele
escreveu numa postagem do Grupo de Endodontia da ABO-Bahia, no Instagram

Por Ronaldo Souza

Vamos conversar um pouco sobre o conceito de (Herbert) Schilder, “Cleaning and Shaping”.

A primeira coisa a fazer é traze-lo para o Brasil – “Limpeza e Modelagem”.

A necessidade de se atingir esses dois objetivos está consagrada e algo consagrado parece e deveria ser algo devidamente estabelecido e, pelo menos em tese, bem entendido.

Não é.

Ações simultâneas que são, a modelagem por si só já promoveria uma “razoável” limpeza do canal (para efeito de melhor compreensão, não vou fazer considerações sobre sistema de canais – vou usar somente a expressão canal), mas, como sabemos, há necessidade da ação química das substâncias utilizadas para o preparo do canal.

Por que modelagem?

As imagens radiográficas, tão valiosas ainda hoje e muitas vezes equivocadamente diminuídas na sua importância, nos fez imaginar os canais como um espaço cônico.

Daí, por óbvio, a indústria sempre “construiu” instrumentos cônicos.

Poderia ser de outra forma?

O bom senso diz que não.

Para canais cônicos, os instrumentos que vão trabalhar neles precisavam ser cônicos.

Prepara-se então o canal “cônico” com instrumentos cônicos.

Tudo de acordo com o figurino.

Como obtura-los?

Com materiais… cônicos!

Poderia ser de outra forma?

O que recomendaria o bom senso?

Canal dentinário

Aprendemos que o canal se divide em dentinário e cementário e que seriam dois cones opostos que se superpõem.

Dois cones opostos que se encontram devem gerar um ponto onde haverá uma constrição.

Como os dois canais que se encontram são o dentinário e o cementário, não parece sensato que esse local tenha sido denominado de Cemento-Dentina-Canal, CDC?

Estabeleceu-se que o campo de ação do endodontista era o canal dentinário; o cementário seria intocável, sagrado, e o tecido no seu interior deveria ser preservado.

É bem possível que para que esse conceito tivesse sido estabelecido a anatomia radicular tenha sido considerada.

A começar pelo fato de que o canal dentinário tem como paredes laterais a dentina, um tecido, como sabemos, do dente, enquanto o cementário, não. Suas paredes são constituídas por cemento, o que o torna um tecido perirradicular.

Sem qualquer juízo de valor sobre o conceito que determinou que os tecidos periapicais são sagrados, portanto, intocáveis, estabeleceu-se que no canal dentinário seriam feitos o preparo e a obturação do canal.

Assim, no canal dentinário a modelagem se impõe.

O canal, originalmente “cônico”, precisa ter a sua conicidade bem estabelecida para em seguida ser feita a obturação, com cones de guta percha, como diz o nome, cônicos.

Canal cementário

Há 33 anos venho fazendo, sugerindo e publicando o que inicialmente chamei de limpeza do forame.

Vou sintetizar para, agora sim, chegar aos comentários sobre “remodelação foraminal”.

Todos cometem erros, muitos dos quais grosseiros, quando falam sobre esse tema.

Nada se faz no forame apical que se deva visar somente ele.

Todos falam, por exemplo, dos microrganismos que precisam ser eliminados das paredes do forame.

Forame não tem parede.

Forame é um orifício.

Quem tem parede é o canal cementário.

Este sim, tem suas paredes infectadas por microrganismos nos casos de necrose pulpar, particularmente aqueles com lesão periapical.

Por isso, o conceito de instrumentação do canal cementário.

Vamos lá.

A primeira pergunta que faço é:

Como alguém pode pensar em modelar ou remodelar o canal cementário com instrumentos cujas conicidades são no sentido oposto ao dele?

Você consegue modelar o canal dentinário porque a indústria fabrica instrumentos com conicidade no mesmo sentido da conicidade do canal dentinário.

Em que direção se dá a conicidade dos instrumentos?

No sentido da convergência das paredes do canal dentinário, de cervical para apical.

Onde o canal é mais amplo?

Em cervical.

Onde ele é mais constrito?

Em apical.

Onde as limas são mais calibrosas?

Obedecendo ao afunilamento do canal, onde a sua conicidade a torna menos calibrosa?

Sendo assim, quando o instrumento endodôntico estiver posicionado no canal dentinário ele estará bem “adaptado” em toda sua extensão.

Projete essas mesmas perguntas para o canal cementário e se quiser para o forame.

Quando esses instrumentos estiverem no forame apical, qual a porção deles que estará ali?

A mais fina.

Completamente solta, perdida, como mostra qualquer imagem ou vídeo que aborde esse tema.

Como esse instrumento conseguirá modelar ou remodelar o canal cementário se não toca nas suas paredes?

Que seja o forame. Como esse instrumento conseguirá modelar ou remodelar o forame se não toca nas suas “paredes”?

Não tenho como saber o que tentou fazer o Dr. Samuel Nogueira quando, como “comentário”, simplesmente escreveu “remodelação foraminal”.

Quis atribuir semelhanças entre o conceito de instrumentação do canal cementário e o de remodelação foraminal?

Quis dizer que o conceito de instrumentação do canal cementário nada tem de novidade porque ele, Dr. Samuel Nogueira, já aborda isso quem sabe lá há quanto tempo?

Não faço a menor ideia.

O que sei é que precisamos entender que um nada tem a ver com o outro.

Absolutamente nada.

Respeito o posicionamento de Dr. Samuel Nogueira (a quem não conheço, como também não conhecia a sua expressão “remodelação foraminal”) e a ideia dele, mas a remodelação foraminal carrega em si um grande equívoco.

Como o faz quem fala de ampliação foraminal.

Há muitos anos proponho o conceito de instrumentação do canal cementário e algumas publicações nesse sentido já foram feitas.

São muitos os equívocos cometidos ao longo dos últimos anos sobre esse tema e, portanto, muita coisa poderia ser dita aqui e agora.

No entanto, como já escrevi muito e postei vídeos sobre isso, para facilitar deixo abaixo os links de alguns desses textos (postados no meu site) e vídeos do meu canal no YouTube.

Neles você verá tudo isso em detalhes, inclusive com imagens, que aqui não foram colocadas.

É só clicar.

Textos

1. Paradigmas da Endodontia
www.endodontiaclinica.odo.br/paradigmas-da-endodontia/

2. Paradigmas da Endodontia. 2ª parte
www.endodontiaclinica.odo.br/paradigmas-da-endodontia-2a-parte/

3. Paradigmas da Endodontia. 3ª parte
http://localhost/wp/endo2/paradigmas-da-endodontia-3a-parte/

4. Paradigmas da Endodontia. Final
http://localhost/wp/endo2/paradigmas-da-endodontia-final/

Vídeos

1. Ampliação foraminal; eles sabem o que estão dizendo?

2. Ampliação foraminal; o que acontece com o coto pulpar?

3. Instrumentação do canal cementário; um novo conceito

4. Instrumentação do canal cementário; resolvendo casos difíceis

Circuito Nacional de Endodontia

Por Ronaldo Souza

Em 2006, o Prof. Gilson Sydney me propôs a criação de um “evento” de Endodontia em Curitiba e Salvador, um ano em cada cidade.

De imediato aceitei a ideia, mas também de imediato propus faze-la de maneira um pouco diferente.

Por imaginar o quanto poderia ser cansativa e repetitiva a sua realização somente em duas cidades, sugeri uma pequena modificação.

Tendo em vista que o evento nascia apoiado fundamentalmente na força de uma amizade que se consolidara ao longo dos anos, propus a incorporação de outro grande amigo nosso, o Prof. Carlos Estrela.

Como envolveria três cidades, Curitiba, Goiânia e Salvador, seus respectivos estados e regiões do país (Sul, Centro Oeste e Nordeste), sugeri então o nome Circuito Nacional de Endodontia.

Foram momentos ricos de idealização e criação e os nossos batimentos cardíacos acelerados acusavam a pulsação arterial mais forte por conta de uma alegria “jovial de jovens não mais jovens” (permitam-me) e por isso contagiante.

Mas, estranho, a sensação não era plena.

E a razão era o fato de que outro grande amigo estaria ausente desse feliz encontro.

Pelo fato de à época estar morando na Inglaterra, o Prof. José Antônio Poli de Figueiredo e o Rio Grande do Sul “não estavam” no Circuito.

O Circuito Nacional de Endodontia nunca teve como lastro as faculdades às quais estavam vinculados os professores, nem as suas cidades e respectivos estados.

O seu grande lastro, e isso ficou evidente e foi registrado desde o início, era a amizade daqueles homens.

E foi muito interessante como desde o primeiro momento, ainda 2006 em Salvador, eu e Gilson “estabelecemos” que o Circuito Nacional de Endodontia não teria presidente, talvez como reflexo do que a vida ensina sobre a às vezes frágil estrutura psicológica do homem.

A vaidade pode levar o homem por caminhos que ele nem sempre deseja trilhar.

Mas esta é apenas uma particularidade. Há outras.

Por um pedido meu, também ficou estabelecido que as duas primeiras etapas seriam Curitiba (2007) e Goiânia (2008). Salvador ficaria por último, como de fato ocorreu, em 2009.

Na sequência, em 2010, quando voltava a Curitiba, ao Circuito foi incorporada a cidade de Campinas (SP), através do Prof. Rielson Cardoso. Em 2011, ele já ocorreu em Campinas.

Nesse espaço de tempo, três cidades e seus respectivos estados manifestaram desejo de se incorporar ao Circuito.

Conversamos, observamos, mas não aconteceu.

Nunca foi desejo do Circuito Nacional de Endodontia ser grande.

De ser o melhor, sim. Sobre isso, temos a nossa análise.

Mas um velho desejo tinha agora todas as possibilidades.

E em 2016, numa conversa a caminho do aeroporto, o professor Figueiredo me confirmava a “chegada” do Rio Grande do Sul.

Ali estava o velho e bom amigo “inglês” que impedira a plenitude da alegria “jovial de jovens não mais jovens”. Em 2018, o evento foi realizado em Porto Alegre.

Mais recentemente tivemos mais dois contatos, mas, por razões diversas, não aconteceu.

Até então nos moldes tradicionais, foi em 2009 em Salvador que ocorreu o primeiro debate do Circuito Nacional de Endodontia, atividade que passou a ser uma característica do evento; em todas as etapas, o turno ou o dia é finalizado com um debate.

Tornou-se uma marca forte.

Não tenho nenhuma dúvida de que outros eventos também adotarão essa postura, tão saudável e essencial para o real desenvolvimento de qualquer especialidade.

Sejam bem-vindos.

Estarei na torcida para que isso aconteça.

Características assim foram definindo o “jeito” de ser do Circuito, o que não tardou a ser reconhecido pela comunidade endodôntica.

O Circuito Nacional de Endodontia não exibe a Endodontia, conversa com ela.

E mais do que isso, traz a Endodontia para a discussão, para o debate. A Endodontia é exposta à discussão, afinal “da discussão nasce a luz”.

As empresas comerciais ligadas à Endodontia, parceiras de vários momentos, souberam entender, porque também perceberam que ali havia algo mais.

O Circuito Nacional de Endodontia representa o triunfo da ciência endodôntica e da atividade clínica num corpo só, mas, sobretudo, a festa da amizade.

Quando amizade e princípios estão no comando, tudo é mais sólido, mais consistente.

Nesse sentido, o Circuito Nacional de Endodontia é um evento único.

E este foi o legado maior que o Prof. Gilson Sydney nos deixou.

Poucas vezes vi exemplo maior desses valores.

Gilson é um exemplo para todos nós.

Entretanto, não são poucas as vezes em que a vida se põe à nossa frente e abre o seu leque de eventuais dificuldades, oportunidades e alternativas e nesse momento estou me afastando desse evento que se tornou o mais representativo da Endodontia brasileira e que poucos serão capazes de imaginar o que representa para mim. 

Não tenho nenhuma dúvida de que o Circuito Nacional de Endodontia estará em mãos que saberão preservar as suas conquistas.

Aqui, sob o Céu e o Sol da Bahia e a proteção dos Orixás, estarei torcendo por isso.

Paradigmas da Endodontia. Final

Por Ronaldo Souza

O êxito final do tratamento endodôntico está condicionado à qualidade da obturação

Por incrível que deveria parecer, ainda hoje se ensina a obturação como fator determinante do sucesso do tratamento endodôntico.

Essa concepção, criada por Ingle em 1956, tornou-se possível e se difundiu mundo afora graças ao famoso estudo de Washington. Apoia-se fundamentalmente em dois pilares; o travamento apical perfeito do cone de guta percha e o consequente vedamento hermético que proporcionaria, contando, claro, com a participação do cimento obturador.

Vejamos isso.

A grande causa, a maior, das alterações pulpares é a cárie. Fiquemos nela para facilitar a compreensão.

1. Por onde chegam as bactérias que promovem a cárie, pela coroa ou pelo ápice radicular?

Precisa responder?

2. Em condições normais, na região periapical existe bactéria?

Não.

Bactérias conseguem sobreviver nos tecidos periapicais?

Ainda motivo de controvérsia, normalmente não. Alguns autores dizem que é possível, outros dizem que não. Como este texto não pretende ser um artigo científico formal, não colocarei aqui nomes de autores que defendem uma ou outra concepção e muito menos as bactérias que teriam essa capacidade. Só lhe digo que seriam muito poucas.

Por que essa dificuldade das bactérias em sobreviver nos tecidos periapicais?

Porque expostas ao ambiente periapical, estariam sujeitas e dificilmente resistiriam ao sistema imune do paciente (no sistema de canais estão protegidas) e isso só ocorre em situações bem específicas.

Em condições normais, portanto, não existem bactérias no periápice.

Como se ensinou e se ensina a fazer obturação ao longo dos anos?

Era (ainda é?) imprescindível que se conseguisse o travamento apical perfeito do cone de guta parcha, cortando-se a sua ponta para travar bem ou mudando o cone para um de calibre maior.

Quando você concluía a obturação estavam lá o cone principal e acessórios com os seus excessos saindo pela porção coronária. Você os cortava, aproveitava o momento de guta percha aquecida, portanto, plastificada, acomodava, condensava verticalmente e selava a coroa.

Independentemente das técnicas mais modernas, para muitos ainda é assim numa quantidade considerável de vezes.

Em que momento você gastava mais tempo? Promovendo o travamento perfeito do cone (o professor dizia que não estava bom e aí se cortava o cone com uma lâmina de bisturi ou trocava o cone até chegar ao travamento ideal) ou “acomodando” a guta percha na entrada do canal para colocar o cimento selador da coroa?

O que lhe disse a sua memória?

Percebeu a inversão?

No local por onde não “chegam” os microrganismos, o ápice radicular, você gastava um tempo enorme para fazer a obturação perfeita, que travasse o cone perfeitamente e vedasse hermeticamente o canal.

No local em que elas existem aos milhões, o ambiente bucal, e por onde elas iniciam o processo de invasão do sistema de canais, a embocadura do canal (terço cervical), você simplesmente concluía a obturação sem maiores preocupações, muitas vezes até com pressa e “jogando” o cimento selador coronário para “fechar” o dente.

Se as bactérias que promovem a cárie, invadem o sistema de canais, promovem necrose pulpar e infecção do sistema de canais chegam pela coroa/terço cervical do canal, por que cuidados especiais sempre foram destinados ao travamento do cone e vedamento hermético no ápice radicular?

Percebe a enorme distorção de valores e preocupações?

Este é o primeiro equívoco e foi consagrado durante mais de 60 anos.

Vamos simplificar o restante de maneira simples, direta e objetiva:

  1. O travamento do cone principal de guta percha como sinônimo de vedamento hermético nunca existiu e não existe.
  2. O vedamento hermético do canal nunca existiu e não existe.

Faz algum sentido insistir com o ensino de uma especialidade que tem como fundamento um princípio que nunca foi comprovado em mais de 60 anos?

Faz algum sentido insistir com o ensino dessa Endodontia que diz que o êxito final do tratamento endodôntico está condicionado à qualidade da obturação”.

Não importa quem disse isso, até porque representa o pensamento dos professores de um modo geral.

Há mudanças no horizonte?

Espero que sim.

Mais uma vez, como já fiz em diversos momentos, quem tiver trabalhos que confirmem a existência de vedamento hermético, por favor, envie ou diga onde encontra-los.

“A obturação é um componente importante para o tratamento, mas deve ser vista como um complemento para o controle de infecção”.
Figdor, D

Deixo aqui dois artigos sobre esse tema para você ler, é só clicar sobre eles. Vale a pena.

  1. Healing of apical periodontitis after endodontic treatment with and without obturation in dogs
  2. Relationship between the apical limit of root canal filling and repair

Já postei informações detalhadas sobre o primeiro no texto Paradigmas da Endodontia. 3ª parte e o que disse lá repito aqui. Estranho muito que um belo trabalho, publicado em 2006 (está fazendo 14 anos) até hoje não tenha despertado curiosidade e interesse dos pesquisadores em investir em mais pesquisas e publicações sobre a importância da obturação e seu real papel no tratamento endodôntico.

Estranho e lamento que seja assim.

Li o artigo abaixo há cerca de dois meses.

Falta de evidências para a necessidade de obturação do canal

Esta é a tradução do título desse interessante trabalho, que entre outras coisas diz: 

  • A despeito dessa óbvia falta de evidências da necessidade da obturação…
  • Tem sido repetidamente demonstrado que os materiais e técnicas de obturação existentes não conseguem promover vedamento hermético, sem espaços vazios…
  • As bactérias têm demonstrado que não só são capazes de crescer nos materiais obturadores como também de degrada-los
  • A presença da obturação não impede a bactéria de novamente ocupar o espaço interno do canal e causar o fracasso do tratamento
  • Mesmo se uma obturação perfeita fosse possível, haveria espaço suficiente para o crescimento bacteriano

Quando o li, entrei em contato com o professor Matthias Karl, um dos autores, professor na Alemanha, e desde então temos conversado bastante.

Logo no seu segundo e-mail, uma das coisas que ele me disse foi isso:

“Seeing the huge amount of stupid ‘research’ done in this field comparing sealer A vs. B and file C vs. D often drives me crazy and no one does the really important things… it is difficult to fight with established opinions…”

“Ver a enorme quantidade de ‘pesquisas’ estúpidas feitas nesse campo, comparando cimento A vs. B e lima C vs. D, muitas vezes me deixa louco e ninguém faz as coisas realmente importantes… é difícil lutar com opiniões estabelecidas”

Na mosca.

Devo esclarecer que, como se trata de comunicação pessoal, estou devidamente autorizado por ele a usar o seu texto.

Você faz ideia de quantos artigos já foram publicados comparando cimentos obturadores?

Você faz ideia de quantos artigos já foram publicados comparando limas?

Não faz?

Também não.

Posso lhe dizer, porém, que devem existir centenas.

Não é de “deixar louco” saber que existem centenas de artigos que falam de instrumentos e materiais, mas que praticamente inexistem artigos como o de Sabeti e colaboradores (o primeiro dos dois cujos links deixei aí em cima) que falam de Endodontia e mostram como ela é de fato?

Por conta de muitos “publicadores”, a nossa ciência anda cada vez menos científica.

Publicam, publicam, publicam… e o que fica?

Produz-se muito, aproveita-se muito pouco.

O prazo de validade é até que surja um novo instrumento, um novo cimento…

“Ninguém faz as coisas realmente importantes”.

Mas o currículo está lá para mostrar que aquele publicador é importante porque tem muitas publicações em periódicos importantes.

Segundo (Miguel) Nicolelis, brasileiro que é tido como um dos maiores cientistas do mundo, Einstein jamais seria pesquisador A1 do CNPq aqui no Brasil.

Pense no que isso significa.

Os paradigmas da Endodontia não são necessariamente repensados e modificados por quem publica muito em periódicos ditos importantes. Por alguns deles, tudo continua como está, nada se modifica e a Ciência se torna algo que só se repete. Por favor, vá à primeira parte deste texto, Paradigmas da Endodontia, e leia logo no começo “Como nasce um paradigma”. 

…com frequência, se processa uma separação definitiva entre o falado e o vivido, e a ciência se torna um jogo de conceitos… Malabarismo verbal, virtuosismo conceitual.
Rubem Alves

Os paradigmas são repensados e modificados por trabalhos que ousam, abrem novas perspectivas e mostram novos caminhos, ainda que eventualmente nem sejam publicados em periódicos consagrados e tão lidos nos primeiros momentos.

Aqui estão os loucos. Os desajustados. Os rebeldes. Os criadores de caso. Os pinos redondos nos buracos quadrados. Aqueles que vêem as coisas de forma diferente. Eles não curtem regras. E não respeitam o status quo. Você pode citá-los, discordar deles, glorificá-los ou caluniá-los. Mas a única coisa que você não pode fazer é ignorá-los. Porque eles mudam as coisas.
Schpoenhauer

A Ciência, como a Natureza, tem o seu tempo. É nele que “as coisas realmente importantes”, como diz o professor Matthias Karl, acontecem.

Enquanto isso, as coisas sem importância nos deixam loucos.

Repito aqui os dois questionamentos com que encerrei o Paradigmas da Endodontia. 3ª parte.

  1. Devemos continuar ignorando as evidências que “ameaçam” contestar as “incontestáveis evidências” da necessidade de travamento perfeito do cone de guta percha, vedamento hermético e da obturação como fator determinante do sucesso do tratamento endodôntico?
  2. Devemos considerar o que pode estar surgindo de consistente na Endodontia ou simplesmente seguir encantados com as maravilhas da mais recente e avançada lima, sistema de instrumentação, sistema de obturação, do mais novo cimento obturador…?

Há uma Endodontia que ainda está por vir.