A história de um trabalho

O pensador de Rodin

Da série Histórias que precisam ser contadas. E serão

Por Ronaldo Souza

Pouco tempo depois de me formar em Odontologia, algumas inquietações já começavam a povoar a minha cabeça.

Ao longo dos anos elas só foram aumentando.

  • É possível obter a precisão de que todos falam na determinação do comprimento de trabalho?
  • Se não for possível ter essa precisão não teremos sucesso?
  • Existe um limite apical ideal para a instrumentação?
  • Se existe, qual é?
  • Será que as substâncias químicas auxiliares do preparo do canal fazem o que dizem?
  • Será que o cimento obturador desempenha os papéis que lhe são atribuídos?
  • O limite apical da obturação é fator fundamental para o sucesso em Endodontia?
  • Será que o travamento do cone de guta percha representa o que dizem?
  • É possível obter vedamento hermético do canal através da obturação?
  • O vedamento hermético é o fator determinante do sucesso?
  • Vedamento hermético existe?

Mesmo sabendo que muitos achavam que já tinham essas questões bem resolvidas, não era assim que eu via.

Há basicamente duas maneiras de se tentar obter essas respostas; investigação científica e clínica.

Deve-se ressalvar, entretanto, que seja uma ou outra, ou as duas, intuição e bom senso representam aspectos importantes nesse processo.

Aí entra em campo a imaginação.

Sim, essa mesma que, queiramos ou não, muitas vezes é podada pelos protocolos, assunto que foi tema do texto Protocolos, mal necessário?.

A imaginação nos leva ao questionamento, a fazer perguntas.

É a busca das respostas que nos leva ao conhecimento.

Foi dentro dessa perspectiva que em janeiro de 1987 fiz pela primeira vez a instrumentação do canal cementário, o que à época ficou mais conhecido como limpeza do forame.

Fui muito criticado e, ainda que superficialmente, já contei um pouco dessa história em Pondo os pingos nos is.

Portanto, agora em janeiro de 2018 fez 31 anos que sistematicamente em todos os canais com necrose pulpar, sem ou com lesão periapical, faço a instrumentação do canal cementário.

Perceba que não estou falando de ampliação foraminal, um equívoco conceitual.

Nada a ver uma coisa com a outra.

Naquele mesmo ano, mais precisamente em maio de 1987, também dei asas à imaginação para voar numa outra direção. Esta, bem mais complicada e perigosa.

Entretanto, ainda que mais complicada e perigosa, se no caso da instrumentação do canal cementário em situações de polpa necrosada era mais difícil “comprovar” a sua importância e validade, neste caso talvez fosse mais fácil.

Imaginei então.

Se eu fizer o que vou fazer em canais com polpa viva, dirão; ele deu sorte. Não deu errado porque eram canais com polpa viva.

Se eu fizer o que vou fazer em canais com polpa necrosada sem lesão, dirão; é mentira dele. Aí é tudo caso de polpa viva e ele está dizendo que é necrose.

O que me restava?

Exatamente.

Foi o que fiz.

“Fiz o que ia fazer” somente nos canais que tivessem lesão periapical.

Ocorreu-me um pensamento bem simples.

Se eu fizer o que vou fazer em casos de canais com necrose pulpar e lesão periapical e as lesões desaparecerem, ninguém poderá dizer que estou errado.

Mal sabia que estava ousando demais e mexendo em casa de marimbondo.

Trago de volta algumas das minhas inquietações lá do começo de nossa conversa.

  • O limite apical da obturação é fator fundamental para o sucesso em Endodontia?
  • Será que o travamento do cone de guta percha representa o que dizem?
  • É possível obter vedamento hermético do canal através da obturação?
  • O vedamento hermético é o fator determinante do sucesso?
  • Vedamento hermético existe?

Posso ser sincero?

Para mim nada disso tinha nexo.

Soltei então todas as rédeas que poderiam conter a minha intuição, deixei o bom senso me conduzir por onde ele bem entendesse e liberei todas as asas da minha imaginação.

Não, não se preocupe, não estou.

Não estou nem um pouco preocupado com o que vão falar do que estou dizendo e da forma como o faço.

Entenda que há muito tempo meu encontro marcado é comigo mesmo.

Com mais ninguém.

Se falei aí atrás que “soltei todas as rédeas que poderiam conter a minha intuição, deixei o bom senso me conduzir por onde ele bem entendesse e liberei todas as asas da minha imaginação”, ao longo de todos esses anos em que fui fazendo o trabalho e vendo os resultados, comecei a pensar e dizer a mim mesmo; agora comece a deixar um pouco de lado a intuição e o bom senso.

Eles, intuição e bom senso, permitiram fazer as perguntas que a sua curiosidade lhe forçava a fazer. Serviram para você.

Mas agora você vai precisar explicar uma coisa.

Por que, contra toda a literatura endodôntica, nacional e internacional, o que você imaginou estava certo?

Disse então a mim mesmo.

Explique primeiro a você mesmo, depois aos demais.

Uma vez que fiz as perguntas, ao mesmo tempo em que ia vendo os resultados dos casos clínicos aparecendo, ia paralelamente buscando as respostas.

Nessa época eu era um clínico, recém tornado especialista em Endodontia.

Sequer pensava em ser professor.

Fui buscar a explicação.

E só o conhecimento explica.

Abro um pequeno parêntese.

No momento em que a intuição me levara a algumas perguntas, que agora eu ensaiava responder, algo até então desconhecido foi despertando e me fez ficar mais inquieto ainda.

Aqueles que me conhecem mais de perto sabem que já falei algumas vezes que houve um momento em que “fechei” todos os livros de Endodontia.

Não chegou a um ano completo, mas quase isso, em que diariamente (literalmente) estudava Histologia, Patologia e Microbiologia, particularmente essas três matérias.

Foi aí que resolvi fazer mestrado (1993), já com 19 anos de formado.

Lembre.

Eu não era professor.

Fecho o parêntese.

O trabalho sobre o qual estamos conversando foi feito no meu consultório entre 1987 e 1996.

Exatamente 10 anos o tempo em que foi realizado.

Tempo em que fui escolhendo os casos, até porque tinha que ver quais os pacientes que iam aceitar que eu fizesse o tratamento deles “daquele jeito”.

Nesse tempo, quando observava os primeiros resultados iniciais ganhava força e entusiasmo para fazer os outros.

E o que era que eu estava fazendo?

Simples, bem simples.

Continuei tratando os canais como sempre fizera, inclusive os com lesão periapical. Eram preparados e obturados a cerca de 1 mm aquém do ápice radicular.

Ao mesmo tempo, porém, em alguns a abordagem foi diferente.

Tudo que faço em um tratamento endodôntico (acesso, instrumentação, irrigação com as mesmas soluções irrigadoras, patência foraminal, instrumentação do canal cementário e medicação com hidróxido de cálcio) foi feito da mesma maneira nos dois grupos. Repito, todos com lesão periapical.

Menos na hora da obturação.

Nesse momento, os canais de um grupo, o experimental, não foram obturados a 1 mm aquém, mas sim em diversas medidas, que variaram de 2 a 7 mm aquém do ápice radicular.

Em alguns casos, durante os dez anos em que os canais foram tratados, enquanto alguns eram iniciados outros já estavam sendo observados com radiografias periapicais de acompanhamento.

Alguns deles, todos do grupo experimental, foram acompanhados por longo período de tempo, o maior deles de 21 anos.

A última radiografia desse caso foi realizada em 2008.

Mesmo antes dessa data eu já mostrava esse material em vários lugares do Brasil.

Apanhei muito.

Houve um momento, em 2005, em que pensei que fossem tirar meu “couro” vivo.

Como já falei, quando comecei a fazer esse trabalho era apenas um clínico e o fiz para atender a uma curiosidade pessoal. Até porque não compartilhava isso com ninguém.

Como no “meio do caminho” me tornei um professor, comecei a pensar; um dia sento e escrevo esse artigo.

Tinha plena consciência de que não poderia ser um texto qualquer.

Ter “apanhado” por mostrar o trabalho em eventos Brasil afora me deu a exata noção do quão seria difícil torna-lo palatável num artigo.

Afinal, contesta conceitos enraizados há mais de 60 anos.

O texto não lhe dá as mesmas condições que a apresentação oral. A entonação da voz, a ênfase, a veemência…, nada disso é possível na escrita.

Nesse sentido, escrever é sempre mais difícil.

Até que um dia sentei e comecei a escrever, mas com a consciência de que não poderia permitir que a ansiedade participasse desse processo.

Escrevia e “deixava lá” assim que os primeiros sinais de cansaço e falta de inspiração se manifestavam.

Deixava e chegava até a esquecer dele.

Um bom baiano não tem pressa.

Para que tanta afobação? O futuro sempre nos chega à velocidade constante de sessenta minutos por hora”.
Einstein

Um dia terminei.

Não sem algumas vezes, claro, mudar parte do que já tinha escrito.

Sessão Clínica do Curso de Especialização em Endodontia da ABO-BA

Sessão Clínica 1 20.03.2018

Olá pessoal, tudo bem?

A Sessão Clínica do Curso de Especialização em Endodontia da ABO-BA voltou.

Atividade dos alunos do Curso de Especialização em Endodontia, ela voltou para novamente estimular a discussão de temas importantes para a especialidade.

Voltou e no seu primeiro momento já teve a participação de profissionais e alunos de graduação.

Sabe como foi?

Muito legal.

E desde já um aspecto deve ser ressaltado.

A serenidade do Prof. João Dantas e do Dr. Marcos Cook.

Sem estrelismo, responderam às perguntas e questionamentos sobre os casos clínicos apresentados com simplicidade e objetividade.

A próxima Sessão Clínica?

Dia 25 de abril, quarta-feira, ás 18:00.

Até lá.

Ah, sim.

O grande fotógrafo que fez a foto maravilhosa lá em cima fui eu.

Ronaldo.

Sessão Clínica

Sessão Clínica

Olá pessoal, tudo bem?

A Sessão Clínica do Curso de Especialização em Endodontia da ABO-BA está de volta.

Uma atividade voltada para os alunos do Curso de Especialização em Endodontia, ela será aberta a todos que gostam da especialidade, profissionais e alunos.

Sabe como vai ser?

Casos clínicos serão apresentados através de projeção e depois faremos uma discussão sobre eles.

A primeira será no dia 20 de março (terça-feira), das 18:00 às 20:30, na sede da ABO.

Sabe quem vai apresentar esta?

O Prof. João Dantas e depois um aluno da Especialização.

Em breve darei mais detalhes, mas já podem anotar nas suas agendas.

Você é nosso convidado.

Até lá.

O que você quer que eu diga?

Professor

Por Ronaldo Souza

Logo no início do livro de Carlos Heitor Cony, “Antes, o Verão”, um garoto pergunta a um velho escritor:

“Por que você escreve livros se tudo já foi dito?”

Uma pergunta complicada.

Não, nem tudo já foi dito.

Ainda há muito por dizer.

Mas, digamos que tudo já tivesse sido dito.

Ainda assim, haveria algo a se considerar.

O jeito de dizer.

Muitas vezes o jeito de dizer faz a diferença.

Uma vez em um evento de Endodontia um colega disse a outro, e este me contou, que não me levava para dar aula no seu estado porque eu derrubo tudo que o grupo dele diz.

Se derrubo tudo que dizem, não sei, não faço ideia.

Só sei que já fui lá, no estado dele, incansáveis vezes levado por outros professores, nunca pelo grupo do qual faz parte; eles, realmente, nunca me levaram lá.

O detalhe é que não tenho nenhuma intenção de derrubar o que dizem, o que quer que se diga, onde quer que se diga.

Até porque seria uma tremenda indelicadeza, na verdade uma grosseria.

O que ocorre é que não sigo o padrão.

Sim, isso mesmo, não sigo o padrão.

Bons psicólogos e psicanalistas não lhe dizem o que fazer.

Procuram lhe mostrar a resposta que está em você.

Não aponto para a verdade.

Por uma razão bem simples.

Ela não existe.

Quer um exemplo?

Todos têm protocolos a ensinar.

Eu não tenho.

Todos sabem que nas minhas aulas desenvolvo linhas de raciocínio e convido a plateia a me acompanhar.

Seja num grande auditório, seja numa pequena sala de aula de curso de especialização.

Ao final, concordam ou não.

Se concordarem, ótimo.

Se não, naturalmente irão procurar quem lhes diga o que e como fazer.

Há muito tempo sei que o segredo para ser convidado é não dizer nada fora da caixa.

Muitos agem assim.

Não é conveniente convidar alguém que não vai falar o que se quer ouvir.

Há eventos de Endodontia que têm comportamento semelhante.

Alguns professores dizem a mesma coisa e ninguém percebe.

Vamos lá.

Eu falo de instrumentação do canal e, claro, de instrumentos.

De instrumentação mesmo, falo pouco, mas não faltam muitas informações sobre os instrumentos.

Mas há “aquele” instrumento sobre o qual eu falo mais e aí os detalhes chegam a níveis profundos, como quem parece saber sobre ele o que os outros não sabem.

Aí vem outro palestrante e faz o mesmo.

Fala de instrumentação do canal e, claro, de instrumentos.

De instrumentação mesmo, fala pouco, mas não faltam muitas informações sobre os instrumentos.

Mas também para ele há “aquele” instrumento sobre o qual fala mais e aí os detalhes chegam a níveis profundos, como quem parece saber sobre ele o que os outros não sabem.

Vem outro e faz a mesma coisa, mas “pensando” em outro instrumento.

Como repeti aqui as mesmas palavras para descrever os mesmos comportamentos, repetem-se nos eventos as mesmas aulas.

Sob o patrocínio de causas diferentes.

Resultado!

Não vamos a lugar nenhum.

A Endodontia não anda.

Quem percebe?

Mas saímos dos auditórios doidos para comprar.

Até o próximo evento, que nos espera de braços abertos com novos instrumentos de última geração.

Os instrumentos andam, a nossa geração não.

Novo velho artigo

Artigo

Por Ronaldo Souza

Olá pessoal, postei um novo artigo no site.

O título é “Limpeza Química do Sistema de Canais – Um Capítulo Especial na Endodontia”.

Estou arrumando a Seção Publicações pela ordem do ano de publicação dos artigos. Ele está postado de acordo com a data em que foi publicado, razão pela qual você vai localiza-lo mais ou menos no “meio” da página da seção.

Apesar de recém postado, o que o torna “novo”, na verdade ele é “velho”, porque se trata de um artigo publicado em 2005, portanto há 13 anos.

Eu não o tinha digital. Como alguns que já estão postados, resolvi então digitalizar para poder posta-lo no site.

Leia com atenção.

Apesar de publicado há 13 anos, há algumas considerações que talvez sejam interessantes para uma melhor compreensão sobre irrigação em Endodontia.

São 10 páginas, uma de referências e as demais somente texto, sem nenhuma figura. Por essas características, à época cheguei a imaginar que não seria aceito para publicação.

Mas foi.

Obs. Pretendo digitalizar (buscando tempo para isso) alguns artigos que publiquei e não estão no site. Assim que for conseguindo posta-los, falo com vocês.

Circuito Nacional de Endodontia – Etapa Rio Grande do Sul

Rio Grande do Sul'

Já tivemos oportunidade de dizer que o Circuito Nacional de Endodontia nasceu de uma “conversa” entre as disciplinas de Endodontia dos Cursos de Odontologia da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública, Universidade Federal do Paraná e Universidade Federal de Goiás.

Era um momento especial; concretizava-se o desejo de três amigos; Carlos Estrela; Gilson Sydney e Ronaldo Souza.

Nada melhor do que dar as boas-vindas a um projeto em um ambiente de amizade.

Na sequência, chegou Campinas e mais um amigo se incorporou; Rielson Cardoso.

Cada um desses professores com os seus respectivos grupos.

Tivemos também oportunidade de falar que, desde o primeiro momento, ali não estava outro grande amigo; Figueiredo.

E não estava simplesmente porque à época ele era professor da Universidade de Eastman, em Londres. Não estava morando no Brasil.

Hoje, infelizmente, não temos mais Gilson conosco.

A etapa do Paraná está sob a responsabilidade do professor Antônio Batista, mais um amigo a fazer parte desse grupo.

Mas Figueiredo agora está conosco.

O coração do Circuito Nacional de Endodontia, ainda que sob a tristeza da ausência de Gilson, agora se enche de alegria pela chegada dele.

Juntamente com o GPERGS (Grupo de Professores de Endodontia do Rio Grande do Sul), importante grupo da Endodontia brasileira, o Professor José Antônio Poli de Figueiredo e o Rio Grande do Sul agora são Circuito Nacional de Endodontia.

E já temos um encontro marcado com a Endodontia para os dias 06 e 07 de abril de 2018, em Porto Alegre.

Circuito Nacional de Endodontia - Etapa Rio Grande do Sul

Figueiredo, que bom estarmos juntos nesse projeto.

Que bom estarmos com o GPERGS, juntos nesse projeto que se chama Circuito Nacional de Endodontia.

Sejam muito bem-vindos.

Antônio Batista, Carlos Estrela, Rielson Alves Cardoso, Ronaldo Souza

Por favor, expliquem melhor porque eu ainda não consegui entender. Final

Horizonte 2

Por Ronaldo Souza

Volto a uma frase que escrevi na parte 2 deste texto

Ao ler o artigo de Edward Green (publicado em 1958), percebi que tudo que eu aprendera estava apoiado em bases equivocadas.

Instrumentos e técnicas de instrumentação podem e devem ser vistos sob duas perspectivas; mecânica e biológica.

Como temos feito aqui, tratemos isso de maneira bem simples e direta.

Perspectiva mecânica:

  1. A literatura ensina que o instrumento que clinicamente dá a sensação tátil de ajuste no CT não está ajustado. Pelo contrário, está folgado.
  2. Se está folgado no CT (que seria o ponto de constrição do canal – limite CDC, lembra?), não deve tocar em muitas paredes do corpo do canal.
  3. A literatura demonstra que mesmo a instrumentação do canal com algumas limas de maior calibre além da que ajustou no CT não toca em considerável quantidade de paredes.
  4. Você concorda comigo se eu disser que onde não toco, não limpo? Ou, pelo menos, onde não toco serão bem maiores as minhas dificuldades para limpar?
  5. Existem trabalhos demonstrando que o instrumento único toca em todas as paredes dos canais ou pelo menos toca em mais paredes do que os das técnicas que usam cerca de 4 a 5 instrumentos?

Perspectiva biológica:

  1. Existem trabalhos em animais demonstrando que o instrumento único promove mais reparo de lesões periapicais ou pelo menos da mesma forma que a instrumentação com as técnicas convencionais?
  2. Existem trabalhos em humanos demonstrando que o instrumento único promove mais reparo de lesões periapicais ou pelo menos da mesma forma que a instrumentação com as técnicas convencionais?

Façamos as correlações.

Se a literatura diz que o instrumento ajustado está folgado (a frase é intencional) e mesmo com a sua ação e de mais 3 ou 4 instrumentos em aumento sequencial de calibre algumas paredes do canal não são tocadas, ficam evidentes as limitações mecânicas da instrumentação.

Precisamos então de trabalhos que demonstrem que o instrumento único exerce ação mecânica mais efetiva do que a postura clássica que sugere o uso de alguns instrumentos. Esta ação se traduziria pela maior capacidade de tocar em mais paredes do canal. É do que trata o item 5 da perspectiva mecânica.

Esses trabalhos existem?

Sob vários aspectos, no ato operatório a ação mecânica dos instrumentos desempenha papel fundamental.

Por exemplo, a Periodontia aprendeu que somente o uso de substâncias químicas para a remoção do biofilme periodontal era inefetivo sem que houvesse a ação mecânica de raspagem radicular.

A Endodontia parece ter demorado um pouco mais para perceber isso. Sabe-se hoje, porém, que sem efetiva ação mecânica sobre as paredes do canal a remoção do biofilme não ocorre.

Sob essa perspectiva biológica, há suporte científico suficiente que demonstre que o instrumento único proporciona reparo das lesões periapicais com mais qualidade e maior frequência?

Vou lhe fazer uma pergunta bem simples e direta.

Se não há respostas confirmando os questionamentos acima, como professor de Endodontia posso sair Brasil afora recomendando que se adote a proposta de instrumentar os canais com um único instrumento?

Há algum conflito de interesses entre esse papel de divulgador do instrumento e a condição de professor?

Gostaria que você refletisse sobre essas questões.

De volta ao passado?

Por outro lado, já há recomendações de “pequenas modificações” sugerindo que mais instrumentos (os outros dois do próprio sistema, por exemplo, ou quaisquer outros) devem ser incorporados à proposta original.

Ou seja, recomenda-se que, além do instrumento único, outros mais sejam usados. Mais 1 ou 2, quem sabe 3? Quantos?

Talvez alguns nem conheçam a regra do 1+3 e 1+4, sobre a qual já falei aqui.

Cito-a porque durante muitos anos ela se tornou uma referência e, para muitos, algo obrigatório quando o assunto era quanto instrumentar os canais.

Como geralmente se fala dos molares (canais MV, ML e DV), como seria então esta “nova” técnica

Instrumento único + 2 instrumentos? Quem sabe 3?

Ah, você já ouviu falar dessa proposta.

E isso não lhe fez pensar?

Por que será que já estão começando a dizer que pode usar mais instrumentos além do único?

O único deixa de ser único?

Interessante.

A exigência por evidências que suportem o que se preconiza é primordial nas ciências.

Se algum dia eu tivesse tido dúvidas quanto a isso, elas teriam deixado de existir depois de agosto de 2009.

Foi durante um evento de Endodontia em Salvador.

Diante de um tema que estava sendo discutido, vi um professor negar a sua validade pela ausência de evidências.

A argumentação, entretanto, era pouco consistente, na verdade, equivocada.

Ocorre que um importante professor, que fazia parte do debate, também percebeu (por ele jamais ela passaria despercebida, dada a sua inteligência) e se manifestou desconstruindo a argumentação.

Não passou despercebida também para a plateia, que ficou bastante inquieta e a sua inquietação se manifestou principalmente através de perguntas escritas. Ressalve-se que todas eram encaminhadas para mim que em seguida lia para os debatedores.

Uma particularmente me chamou a atenção, pela qualidade e pela força. Ela não deixava dúvidas quanto à discordância ao professor que cobrava evidências da forma como o fizera.

Lembro que no intervalo do café uma endodontista do Paraná veio falar comigo, perguntando se eu não ia me manifestar (ela já tinha visto aulas em que eu abordava o mesmo tema). Era ela, a “dona” da pergunta.

Foram tantas as pessoas que me cobraram uma manifestação, que na volta do intervalo me vi “forçado” a explicar que eu era apenas o moderador, não simposiasta, e como tal não deveria emitir minha opinião.

Mas a vida segue e ao dobrar a primeira esquina, veio-me a tristeza de ver que nem sempre as evidências são merecedoras dos cuidados e carinhos a elas eventualmente dedicados.

Como dizer para não melindrar…, as evidências também têm suas conveniências.

Permita-me recomendar um texto que postei em 21 de dezembro de 2015; Quando as evidências não estão evidentes.

Recomenda a honestidade científica que as evidências não devem se movimentar ao sabor dos ventos das conveniências.

Sobrepor-se à ciência, por qualquer outro interesse que não seja ela própria, não deveria encontrar respaldo entre professores.

Há conflitos de interesse conhecidos na Endodontia e, com boa vontade, é possível que pelo menos alguns desses encontrem alguma explicação para sua existência.

Outros não.

Por isso, hoje vejo como preocupante, muito preocupante, a defesa tão veemente que ora se faz de uma proposta que claramente precisa de evidências que lhe deem algum suporte.

E elas não foram apresentadas até o momento.

Isso me remete a 2009.

Só que agora a exigência por evidências foi deixada de lado.

Enfatizo com o “claramente” por conta de algo que me parece óbvio.

Se o uso de cerca de 4 a 5 instrumentos não atende às expectativas do mundo endodôntico por não se mostrar capaz de tocar em considerável quantidade de paredes do canal, em que bases está apoiada a proposta de uso de um único instrumento?

Antes que me ataquem em nome da “endodontia moderna”, raciocinemos juntos.

Para onde conduz a lógica quando a instrumentação com cerca de 4 a 5 instrumentos se mostra insuficiente para o bom preparo do canal?

Se não conduz para o uso de mais instrumentos, parece bem menos provável que conduza para o uso de um só.

Você não acha que contrariar a lógica exigiria não só muitas evidências como também que elas fossem robustas?

Pergunto outra vez.

Essas evidências existem?

Que não se tente contra argumentar dizendo que para isso existe hipoclorito de sódio. Não seria inteligente.

Ainda é a solução irrigadora mais adequada e por isso a mais corretamente indicada para uso no tratamento endodôntico, mas a contra argumentação não é válida porque o hipoclorito de sódio também é usado na “técnica convencional”, com 4 a 5 instrumentos.

O pensador de Rodin

A imaginação é mais importante que o conhecimento

Talvez só ele pudesse dizer essa frase.

Einstein.

Um físico teórico.

“A imaginação é mais importante que o conhecimento”.

Não parece difícil imaginar o quanto essa frase deve ter incomodado o mundo acadêmico.

Ao longo dos anos as pesquisas nos mostraram a complexidade da anatomia do sistema de canais radiculares. Que se prestem homenagens hoje e sempre a esses pioneiros da Endodontia, ainda mais diante das condições de que se dispunha à época.

Ao mesmo tempo, brindemos às ferramentas que temos hoje nas nossas mãos. Mas sem esquecer que foram eles que construíram esse conhecimento.

Graças a eles, o “trabalhar no escuro” que se atribuía à Endodontia não era mais tão no escuro. Para isso existia a imaginação de alguns professores e endodontistas. Uma vez que se pode imaginar o que não se vê, as coisas ficam mais claras, ou, se você preferir, menos escuras.

Enxerga-se mais.

E essa característica de imaginar, pensar, refletir, inerente ao humano e não ao animal, só se fortalece à medida em que pesquisadores e professores, no sentido verdadeiro das palavras, estimulam esse processo.

Assim, foi ficando cada vez mais fácil entender o que é de fato o tratamento endodôntico.

O que já sabíamos por imaginar como seria, a tecnologia nos mostrou; a terceira dimensão na Endodontia.

A computação gráfica percorre o mundo através das publicações na literatura endodôntica mostrando em detalhes a anatomia da cavidade pulpar.

Ao ver esse “novo” mundo me senti muito bem e ao mesmo tempo frustrado.

A sensação de bem-estar se explica na confirmação de que a minha imaginação, que viajou comigo todo esse tempo e me fez “ver” o sistema de canais, nunca permitiu que eu trabalhasse no escuro.

E a frustração veio pela confirmação da complexidade do sistema de canais.

Como ser bem-sucedido diante daquela complexidade que eu estava vendo?

Foi a pergunta que insinuou me atormentar.

Novamente, estava diante de mais uma limitação que se impunha a mim. Eu, que já aprendera a identificar e conviver com tantas outras.

Sereno, entendi que seria tarefa para tolos pretender dominar aquela anatomia.

Dormi em paz.

E um dia acordei sob as trombetas da insensatez.

Alguém dizia que estava tudo resolvido; bastava um instrumento.

Um único instrumento.

E uma grande preocupação tomou conta de mim.

Não por conta do instrumento único, mas pelo horizonte que se desenhava.

Será que não estão percebendo que ao proporem uma única lima para algo tão complexo e desafiador evidencia-se uma enorme contradição?

Será que não estão percebendo que tratar a complexidade tridimensional do sistema de canais, que tanto fizeram questão de nos ensinar, com o pensamento unidimensional demonstra que o que estão fazendo é absolutamente paradoxal?

Dizem uma coisa e douram a pílula.

Fazem outra e tudo se resolve.

Sempre digo aos meus alunos para “fugir” de regras pré-estabelecidas em Endodontia.

Mas que façam isso apoiados em algo sólido, consistente.

O 1+3 e 1+4 se tornou uma regra pré-estabelecida?

Para muitos, sim. Tornou-se algo a ser cumprido.

Então vamos “fugir” dele.

Por que ensino aos alunos algo tão vago quanto “vamos instrumentar com cerca de 4 a 5 instrumentos”, às vezes um pouco mais, às vezes um pouco menos?

Por que escrevi no livro que “o comprimento de trabalho deve ser em torno de 1,5 mm aquém do ápice radicular?”

Por que “cerca de”, “em torno de” no mundo da precisão?

Porque simplesmente não há espaço para essa precisão em Endodontia.

Ela não existe.

A proposta da lima única vem apoiada no pragmatismo, divulgado e defendido como algo inerente ao “mundo moderno”.

Dizem, afirmam, repetem aos quatro cantos do “mundo moderno” que os não pragmáticos terão como prêmio o fracasso profissional.

“A vantagem competitiva de uma sociedade não virá da eficiência com que a escola ensina multiplicação e tabela periódica, mas do modo como estimula a imaginação e a criatividade”.
Walter Isaacson (autor da biografia, “Einstein – Sua vida, seu universo”)

É inimaginável imaginar que a imaginação é mais importante que o conhecimento onde falta imaginação para imaginar.

Triste sim.

Não pela formação do trenzinho da alegria que percorre o Brasil conduzindo a um único pensamento, a um único lugar, por um único caminho, quando tantos outros existem.

Triste sim, mas por saber que entre os tripulantes estão professores que poderiam levar muitas cores para a vida dos endodontistas e não somente uma cor.

O que os faz agirem assim?

O azul às minhas costas, que “entra” pela janela do local onde escrevo este texto, não está sozinho. Com ele estão o branco das nuvens, o verde das árvores, do mar, o colorido das flores e dos pássaros.

Todos banhados pelo frescor dos ventos que se renovam a cada minuto, trazendo o sopro da diversidade da vida.

Ah, como são tantos e diversos os caminhos que a vida nos oferece.

E a Endodontia também.

Que pena!

Por favor, expliquem melhor porque eu ainda não consegui entender. Parte 3

Dúvidas e ideias

Por Ronaldo Souza

Quantos instrumentos usar?

Sempre houve e há uma grande preocupação com a questão de quantos instrumentos usar.

Nunca saberemos.

É um erro que se comete determinar previamente o quanto o canal deve ser instrumentado. Não deve haver regras pré-estabelecidas para algo que sofre tantas interferências, a mais importante delas a anatomia. Já deveria estar claro que cada caso deve ser analisado e “sentido” pelo profissional.

“É imperioso deixar bem claro que os limites de ampliação do canal encontram-se condicionados aos aspectos anatomopatológicos”.
Siqueira Jr JF; Lopes H; Elias CN. Endodontia-Biologia e Técnica 2015

Esta é a ideia que se difunde há muito tempo na Endodontia.

Vejamos isso mais de perto, imaginando duas situações.

Caso 1. Imaginemos o tratamento endodôntico de um incisivo central superior com polpa viva.

Tão normalmente volumoso é esse canal que o instrumento que vai dar a sensação tátil de ajuste no CT deverá ficar entre as limas 35 e 45, nessa faixa. Usemos a #40 como exemplo. E para efeito didático, o 1 + 3.

40 + 45 – 50 – 55

Concluído o tratamento, o paciente é liberado, faz a restauração…

Um dia esse paciente volta ao seu consultório apresentando uma lesão periapical no referido dente e você percebe que terá que fazer o retratamento.

Diante da patologia, lesão periapical, o que lhe vem à mente?

Como vou ter que retratar, vou alargar mais porque aí tenho mais segurança. Vou usar pelo menos uns quatro. Seria esta então a sequência.

60 – 70 – 80 – 90

Tranquilo. Fez a nova instrumentação e a nova obturação. O paciente é liberado para fazer a restauração.

Caso 2. Imaginemos agora o tratamento endodôntico de um primeiro molar superior com polpa viva.

Com as técnicas atuais, tornou-se mais fácil “alargar” os canais. Assim, consegue-se instrumentar mais facilmente o canal mésio-vestibular até a lima 40, por exemplo.

O tratamento foi realizado e um dia esse paciente volta ao seu consultório apresentando uma lesão periapical no canal MV. Você vai então fazer o retratamento.

Diante da patologia, lesão periapical, o que lhe vem à mente?

Como vou ter que retratar, vou alargar mais porque aí tenho mais segurança. Vou usar pelo menos uns quatro.

Pelo mesmo raciocínio, como você sabe que fez um bom preparo, usou rotatório, conseguiu instrumentar até a #40, provavelmente seria esta a nova sequência para o retratamento:

45 – 50 – 55 – 60

Talvez aí surjam algumas questões.

  1. É comum instrumentar o canal mésio-vestibular do primeiro molar superior até a lima 60?
  2. Os endodontistas conseguem sempre numa boa?
  3. Em quantos canais MV se consegue esse nível de ampliação?

Sabemos que diante de casos com necrose pulpar e lesão periapical, a orientação tem sido alargar bem o canal.

Nas duas situações acima estamos diante da mesma patologia; lesão periapical.

No incisivo central superior fizemos o alargamento idealizado sem nenhuma dificuldade e poderíamos tranquilamente alargar mais se assim desejássemos.

Podemos fazer o mesmo no canal mesio-vestibular, isto é, alargar o quanto desejar?

Não.

Por que?

Por causa da anatomia, que aqui particularmente se traduz como a presença da curvatura inerente ao canal mesio-vestibular do primeiro molar superior.

Posso fechar o meu raciocínio?

Diferentemente de toda a literatura, para mim o que determina o quanto instrumentar não são os aspectos anatomopatológicos.

São os aspectos anatômicos.

É a anatomia. É ela quem dá as cartas.

Repito. A tentativa de pré-estabelecer regras em Endodontia é um grande equívoco.

Tem que ser 0,5 aquém, tem que ser 1 aquém; tem que instrumentar no mínimo até lima X, tem que alargar com tantos instrumentos; tem que obturar a 0,5 mm aquém, tem que obturar a 1 mm aquém, tem que fazer “surplus” (meu Deus!!!), tem que usar cimento Y, tem que usar técnica de plastificação da guta percha…

Nada disso.

O que há, isso sim, é um padrão que deve servir única e exclusivamente como orientação, nada mais do que isso.

Esse “padrão” de instrumentação tem sido estabelecido como algo em torno de 4 a 5 instrumentos.

Um pouco mais, um pouco menos?

O pouco mais ou o pouco menos será definido na hora em que o canal estiver sendo tratado por um bom endodontista, pois somente nessa hora ele saberá “quem” é aquele canal.

Somente nessa hora, o bom endodontista conhecerá as facilidades e dificuldades que podem existir em cada tratamento endodôntico.

E só um bom endodontista, treinado para fazer bem e sobretudo estimulado a pensar cada caso, conseguirá fazer assim.

Pensar cada caso

Em endodontia, muitas escolas reduziram a disciplina a um curso de treinamento em ’como fazer um canal’.
Lars Spangberg

Muitos considerarão uma tolice convidar para ‘pensar cada caso’ ao se trabalhar num espaço tão reduzido que, excetuando-se os caninos, numa visão bidimensional teria em média cerca de 22 mm de extensão por 0,40 mm de largura no plano mesio-distal.

Talvez se deva lembrar que há outros atos operatórios cuja redução de espaço em que são realizados não lhes tira a importância.

Ainda que se considerem as diferenças, atos operatórios em espaços reduzidos na Medicina não lhes confere a irrelevância que se dá ao ato operatório no reduzido espaço do canal radicular.

Mesmo que se distribuam pelo corpo humano com características próprias a cada função a desempenhar, os tecidos pulpar e perirradiculares, com os quais se lida na Endodontia, possuem basicamente as mesmas características dos demais tecidos conjuntivos.

Seria assim sensato que fossem vistos como semelhantes e, como tal, merecedores de uma visão menos mecânica no tratamento, visão essa que empobrece a Endodontia e a torna pequena como especialidade da área da Saúde.

Transmitir essa visão aos alunos de Odontologia explica em boa parte a pouca importância que historicamente se dá a essa profissão.

Especificamente pensando em Endodontia, é esse raciocínio curto que permite a disseminação e aceitação da ideia de se ter o “controle da anatomia”.

É nesse universo que disseminam o pensamento único.

O que ocorre normalmente?

O paciente ainda não chegou ao seu consultório, você não o conhece, mas já sabe:

  1. O CT dos canais do molar que você vai tratar será X mm aquém
  2. Vai instrumentar somente com a lima Y
  3. Vai fazer ampliação foraminal com a lima Z
  4. Vai ajustar o cone a 2 mm aquém porque sabe que ao condensar ele vai avançar exatamente mais 1 mm e ali vai travar perfeitamente (malabarismo no mais alto grau, já no campo do ilusionismo), obtendo a tão desejada obturação 3D, com a incontestável comprovação de vedamento hermético pela visualização do “surplus”
  5. Como não há possibilidade de imprevistos, tudo será feito em 50 minutos, se muito.

Tá pronto.

Que entre o outro paciente.

Temos hoje uma diversidade de instrumentos de grande qualidade, com diferentes conicidades, técnicas de instrumentação bem interessantes, técnicas, materiais e sistemas de obturação que permitem obturações com qualidade e praticidade, tudo a favor do endodontista.

Se limitações existem, elas ocorrerão fundamentalmente em função da anatomia; ainda é ela quem determina o que é possível fazer.

Observe, porém, que as eventuais limitações impostas pela anatomia dizem respeito ao desejo de maiores alargamentos.

Se há dúvidas e limitações quanto a isso, ou seja, o quanto instrumentar, não parece haver quanto à necessidade de um nível mínimo de instrumentação.

Que nível mínimo é esse?

A minha resposta é a mesma; nunca saberemos.

Como saber quais são o mínimo e o máximo de instrumentos a utilizar no preparo dos canais?

Sem chance.

Como saber qual exatamente o antibiótico e em que dosagem para todos os casos?

Alguma chance?

Nenhuma.

Não só nos dois exemplos citados como em muitas outras situações, são muitas as variáveis.

Outro fato a se observar é que quando se fala até a lima 25, ela também instrumenta o canal.

Esse nível de instrumentação, até a lima 25 (inclusive ela), é contestado porque 0,25 mm é o real diâmetro anatômico apical.

Como reconhecer que instrumentar até a lima 25 seria insuficiente e aceitar que instrumentar somente com a lima 25 é suficiente?

Qual a lógica que há nisso?

Para muitos, a lógica parece depender de onde vem a proposta. A proposta de João jamais terá a mesma repercussão e aceitação que a de John, assim como a de José não terá a mesma que a de Joseph.

Dessa lógica, que atravessa os oceanos e nos chega em outras línguas, pode vir a aceitação ou a negação.

Ariano Suassuna, esse paraibano-pernambucano fantástico, conta a história de uma mulher que parece classificar a humanidade em duas categorias; quem foi a Disney e quem não foi.

Todos riem, mas, como sempre, muitos não captam a mensagem dele (um mestre na arte de mandar “recados” nas suas falas).

Tal qual a história de Ariano Suassuna, onde a inteligência e a sensibilidade da mulher da Disney trazem perplexidade, traz perplexidade também a divisão da Endodontia em grupos:

  1. Os que fazem sessão única e os que não fazem
  2. Os que usam instrumento único e os que não usam
  3. Os que fazem molar em 45 minutos e os que são abestalhados

Talvez seja interessante acrescentar mais um.

Os que falam inglês e os que não falam.

Just my two cents.

Vamos fazer a imersão final no tema no próximo texto.

Ao meu amigo Diógenes

Somos

Por Ronaldo Souza

Meu caro Diógenes, não se trata de uma mensagem. Foi um texto sobre um tema recente da Endodontia que, para minha alegria, gerou o seu comentário e daí as minhas colocações.

O que se trata, isso sim, é de um momento em que pessoas de quem se esperava gestos e atitudes com um pouco mais de dignidade entraram num jogo perverso.

Em qualquer tempo, em qualquer categoria profissional, onde quer que seja, sempre foi assim. Disso tenho plena consciência.

Portanto, que não se imagine inocência da minha parte. Na verdade, depois de alguns anos vividos seria estupidez, não inocência.

No entanto, fatos mais recentes têm trazido muita preocupação, às vezes tristeza.

No nosso tempo, sem qualquer desejo de olhar para trás como saudosista, porque não sou, quantas faculdades de Odontologia existiam em Pernambuco e na Bahia?

Quantos profissionais saiam dessas faculdades por ano?

Quantas faculdades existem hoje em Pernambuco e na Bahia?

Quantos profissionais saem hoje por semestre?

Com que idade?

Mais do que nós quando nos formamos, não só pela quantidade, mas, sobretudo, pela inexperiência, eles se tornaram alvos fáceis para a sedução barata.

Sempre discordei, hoje mais ainda, de uma frase muito conhecida; o jovem sabe o que quer.

Será que de fato alguém aos 18 anos de idade sabe o que quer?

Olhemos para nós lá atrás e encontraremos a resposta.

Pelo desconhecimento das coisas, a insegurança é uma constante nessa idade.

Natural.

Olhemos agora também, mas de frente, para alguns (muitos?) professores.

Exibem-se diariamente como adolescentes carentes.

As redes sociais não possuem filtros, elas expõem tantos quantos queiram se expor.

E esses que querem se expor o fazem com tanto ímpeto que se perdem.

Há muitos anos meu pai me contou uma “história” que sempre gostei muito e jamais esqueci e muito menos imaginei que um dia a contaria aqui, como faço agora. Até como uma homenagem a ele, vou conta-la com o mesmo personagem de quando ele me contou.

Um alfaiate chega numa cidade (coloquemos Salvador), monta sua alfaiataria numa rua e põe uma “placa” na porta; Fulano de Tal, o melhor alfaiate de Salvador.

Começou a trabalhar bem, ganhar seu dinheiro e seguiu feliz da vida.

Um belo dia, talvez vendo o sucesso daquele alfaiate, vem alguém, monta outra alfaiataria na mesma rua e põe a placa na porta; Fulano de Tal, o melhor alfaiate da Bahia.

Ficaram os dois ganhando um bom dinheiro.

Mas todos estão de olhos abertos.

Vendo o sucesso daqueles dois alfaiates, outro resolveu seguir os mesmos passos e na mesma rua montou a terceira alfaiataria. Do mesmo jeito, a placa na porta; Fulano de Tal, o melhor alfaiate do Nordeste.

E assim foi.

O quarto pôs a placa na porta; Fulano de Tal, o melhor alfaiate do Brasil.

O quinto; Fulano de Tal, o melhor alfaiate da Terra.

O sexto; Fulano de Tal, o melhor alfaiate do Universo.

Aquela rua ficou famosa pelos alfaiates que tinha, cada um melhor que o outro, todos ganhando um bom dinheiro e tudo parecia resolvido.

Um dia, porém, para o espanto de todos, porque parecia não haver mais como destacar outra alfaiataria, chegou alguém e se instalou.

Foi enorme a curiosidade na cidade e o reboliço no dia da inauguração nem se fala.

Alfaiataria pronta, ele mesmo, o novato, subiu na escada, colocou a placa e desceu.

Estava lá.

Fulano de Tal, o melhor alfaiate dessa rua.

A Endodontia hoje é ensinada nas redes sociais e nos vídeos do YouTube e as placas precisam ser cada vez mais atraentes e sedutoras, não importa a que preço.

Há cerca de 6 anos, ao sugerir um livro para uma aluna estudar, eu mesmo tive o ‘privilégio’ de ouvir; “professor, por que eu vou estudar se vejo tudo na Internet? ”

Hoje muitos profissionais contratam equipes de marketing caras, algumas fora do seu estado e de reconhecimento nacional, para terem mais curtidas ou seguidores, como bem disse você no seu primeiro comentário.

Como você falou, “a importância de alguém está sendo mais valorizada pelo número de curtidas ou seguidores, do que pelos seus conhecimentos”.

Eles sabem que é assim.

Pagam bem aos marqueteiros pelas curtidas, têm muitos seguidores e aí se veem os melhores.

É o olho que faz o horizonte.
Ralph Valdo Emerson

Dentro desse pequeno mundo, todos se tornaram os melhores de Salvador, da Bahia, do Nordeste, do Brasil, da Terra, do Universo.

Por que se preocupar com esses melhores?

O exibicionismo tolo e infantil alimenta tolos e infantis.

Desde quando esses são considerados?

O problema está no que veio embutido nesse processo.

Quando falei da frustração com alguns professores que pareciam promissores, mas que se perderam e estão caindo em descrédito, este é um dos grandes problemas.

Concorde-se ou não, alguns se tornaram referências.

Entraram nessa luta insana pela luz dos holofotes, quando os egos se inflam sem controle. Conseguem mais curtidas e arrastam um número maior de seguidores e, pior ainda, entre professores.

Ainda que não percebam no que se transformaram e o preço a pagar.

E quando não se percebe o que está à sua volta, tudo parece normal.

Sabe aquele gesto que se faz com a mão tentando enxergar quando um foco de luz se põe entre você e o objeto que deseja ver?

Eles não conseguirão enxergar porque terão a visão ofuscada pelas fortes luzes dos holofotes.

A motivação é a mesma de sempre.

E é aí que se perde a credibilidade.

Há sim, Diógenes, algo obscuro nisso tudo.

Há qualquer coisa no ar além dos aviões da PanAir.

Mas não precisamos nos preocupar com a sua identificação.

As coisas acontecem naturalmente.

Para o bem ou para o mal.

Não preciso abrir os olhos para vê-los.

Como alguns já o fizeram, quem sabe outros também percebam.

Tornaram-se os melhores de Salvador, da Bahia, do Nordeste, do Brasil, da Terra, do Universo, mas, dessa rua, não.

Dessa rua chamada Endodontia.

Nela, ainda existem os de fato grandes alfaiates, que precisam somente despertar para o momento.

O homem deve alguma coisa ao homem. Se ele ignora a dívida, isto o envenena e se ele tenta pagá-la, o débito só faz crescer. Sim, o homem deve alguma coisa ao homem e a qualidade da sua doação é a medida do homem.
John Steinbeck