Por favor, expliquem melhor porque eu ainda não consegui entender. Parte 2

E agora

Por Ronaldo Souza

Gosto muito de observar os títulos que são dados aos cursos de um modo geral, palestras e conferências.

Quando ainda estávamos no século XX era muito comum ver títulos como “Endodontia do século XXI”, “A Endodontia do próximo século” e outros dos quais não lembro agora.

Em geral, de uma forma ou de outra, todos nos remetem à tecnologia; “Técnicas avançadas em Endodontia”, “Excelência em Novas Tecnologias”, “Como fazer um molar em 30 minutos”…

Quando vi lançarem um curso de “Especialização em Endodontia Estética” entendi, definitivamente, que tudo é possível.

Claro que não percebem o mal que fazem à Endodontia, mas quem disse que isso tem alguma importância?

Impactar.

Este é o objetivo.

Ouvi dizer que é recomendação dos marqueteiros que orientam alguns dentistas.

Causar.

Sensacional!

“O aluno sairá apto a realizar o tratamento de canal com lima única”.

Você leu esta frase acima no texto anterior, Por favor, expliquem melhor porque eu ainda não consegui entender. Parte 1.

É como anunciavam um curso de Endodontia.

Brilhante.

Não poderia existir uma frase mais perfeita.

Pão e circo.

Ou também não perceberam a que se reduziram alguns cursos?

É um momento nada estimulante da Endodontia.

Real diâmetro anatômico apical

O trabalho de Wu e colaboradores (2002) parece ter deixado muita gente perplexa e despertou o interesse para o tema.

Veja o que eles disseram.

“É duvidoso se a dentina pode ser removida em toda a circunferência da parede do canal pela instrumentação com três limas de maior calibre além da que ajustou no CT”.

Portanto, em março de 2002 Min-Kai Wu e colaboradores já levantavam suspeitas de que o uso de quatro instrumentos pode ser insuficiente para remover o que se deseja de dentina.

Aqui no Brasil, em 2004, Vier e colaboradores publicaram um artigo muito interessante sobre o tema (clique no título do artigo e o veja na íntegra Avaliação in vitro do Diâmetro Anatômico de Canais Radiculares de Molares Humanos, Segundo a Influência da Idade).

Bem detalhado, o trabalho de Fabiana Vier e colaboradores mostrou que o diâmetro médio a 1 mm aquém do ápice radicular dos canais mesiais dos molares inferiores e vestibulares dos molares superiores era de 0,25 mm ou um pouco mais, a depender da faixa etária.

O Prof. Pécora e seu grupo também estudaram o tema e fizeram trabalhos muito interessantes nessa linha e alertaram para o que chamaram de real diâmetro anatômico apical. Você pode ler dois desses artigos publicados em 2005:

  1. Influence of cervical preflaring on apical file size determination
  2. Influence of Cervical Preflaring on Determination of Apical File Size in Maxillary Molars: SEM Analysis

Existem diversos trabalhos que estudam esse tema, muitos deles bem elaborados, com metodologias bem desenhadas e chamo a atenção em particular para os dos autores brasileiros citados aqui. Faço isso pela qualidade dos seus trabalhos, pela homenagem que lhes presto e pelo respeito que tenho por todos eles, os bons e dignos autores brasileiros.

Mas, além disso, vou me permitir falar também de um que publiquei com o Dr. Fernando Ribeiro, cuja metodologia está longe, muito longe, a quilômetros de distância de qualquer coisa que se possa chamar de metodologia bem desenhada e muito menos de sofisticada.

Sem estrutura para fazer trabalhos de pesquisa, ainda mais como os que foram citados, ele foi feito quando eu ainda não era professor e, por isso, foi realizado no consultório em finais de semana no ano de 2000.

Como você vai ter oportunidade de ver logo em seguida ao clicar no artigo, ele foi publicado no Vol. 9 nº 6 – Dezembro 2001/janeiro 2002.

Portanto, antes do que ainda viriam a dizer Wu e colaboradores, “pioneiros” em abordar o tema, tendo em vista que o trabalho deles foi publicado em março de 2002.

Por que faço essas considerações?

Ao ler o artigo de Edward Green (publicado em 1958), percebi que tudo que eu aprendera estava apoiado em bases equivocadas.

Até então a recomendação era a de que os canais mesiais dos molares inferiores e vestibulares dos molares superiores deviam ser instrumentados até a lima 25.

Isso graças a alguns aspectos, entre os quais destaco a pouca flexibilidade dos instrumentos e o fato de que na maioria desses canais a lima que mais frequentemente se ajustava no CT era a lima K #10. Com ela, portanto, iniciava-se a instrumentação.

Como sempre foi bastante utilizada a regra do 1+3 e 1+4, tínhamos ali cumprida a obediência a ela; 10 + 15 – 20 – 25.

Analisando grupos de dentes, Green estudou a configuração anatômica dos canais e mediu o diâmetro no terço apical (a 1 e 5 mm aquém do ápice radicular respectivamente), como você pode ver em B e C na figura abaixo.

Green

Todo o artigo é muito interessante, mas vou me ater às medidas do terço apical, a 1 mm aquém.

Green diz que não encontrou nenhum canal circular a 1 mm aquém do ápice radicular (universalmente o comprimento de trabalho mais adotado pelos endodontistas). Os três formatos de canal que ele observou é o que você vê em B. Como se pode observar, realmente nenhum é circular.

Deles, o que mais se aproxima do canal “redondo”, como muitos imaginam existir, é o primeiro da esquerda para a direita. Vamos usá-lo para a nossa conversa.

Green 2

Por não serem circulares, existem, claro, dois diâmetros no canal, um menor e outro maior. Na figura acima, o N é de narrow (estreito em inglês) e o W de wide (largo, na mesma língua).

Em média, o diâmetro menor dos canais vestibulares dos molares superiores e mesiais dos molares inferiores encontrado por Green foi de 0,23 mm. Como já vimos, os achados mais recentes apontam para 0,25 mm, ou um pouco mais.

Do fato do diâmetro médio desses canais ficar em torno de 0,25 mm podemos tirar algumas informações importantes, mas também aqui vou me ater só a um ponto específico.

Uma lima 25 estaria adaptada aos referidos canais mais ou menos da maneira como você vê na figura abaixo.

Green 3

Digo “mais ou menos” porque a lima não fica ‘certinha’, ‘bonitinha’, como está na figura. Mas, para efeito didático vamos imagina-la assim.

Considerando-se o diâmetro menor do canal (N), a lima 25 estaria tocando em algumas de suas paredes.

Deixo algumas questões para você.

  1. Nessas condições, instrumentar até a lima 25 seria o recomendável para controlar a infecção na luz do canal e nos túbulos dentinários?
  2. Tocando em algumas paredes do diâmetro menor e não tocando nas paredes do diâmetro maior (como se pode observar na figura acima), qual seria a real capacidade da lima de exercer o seu fundamental papel de ação mecânica sobre as paredes e remoção dos biofilmes ali aderidos?
  3. Nas condições descritas, qual seria a sua real capacidade de exercer alguma ação sobre túbulos dentinários infectados?

Segundo Green, a média do diâmetro maior é de 0,36 mm. Assim, a lima que melhor se ajustaria seria a lima 35. Imaginando-a ‘certinha’, ‘bonitinha’, a sua relação com as paredes do canal seria essa da figura abaixo.

Green 4

Sendo assim, caía por terra a ideia de canal bem preparado ao se concluir a instrumentação até a lima 25, porque este era o diâmetro original.

Se alguém me perguntasse se eu tinha noção das limitações da metodologia que usei para fazer o trabalho que publiquei Influência do preparo cervical na ampliação do canal, eu diria que plenamente.

O desejo à época era tão somente o de chamar a atenção para a questão, tendo em vista que ninguém falava disso.

Justamente por não ser professor e sim um profissional de consultório e por isso não ter um laboratório à disposição, a ideia nunca foi fazer um “grande” trabalho, mas chamar a atenção para o problema. Afinal, o trabalho de Green foi publicado em 1958 e até então essa informação não tinha sido devidamente considerada e a maior prova disso é que todos, todos, ensinavam instrumentar até a lima 25 naqueles canais.

Ou ninguém lembra do 1+3 e 1+4?

Como se traduzia isso nos canais mesiais dos molares inferiores e vestibulares dos molares superiores? 10 + 15 – 20 – 25, eventualmente 30, nos canais com polpa necrosada.

Quantos leram o nosso artigo?

Não faço a menor ideia. Nunca procurei saber quantos leem os artigos que publico, mas este provavelmente poucos leram.

Publicado em português, por um ilustre desconhecido, numa revista sem “Qualis”, sem impacto, quantos iriam ler?

E lendo, que valor teria?

Só tinha um detalhe.

Trazia uma informação sobre a qual ninguém falava.

O que você acha?

Se os canais mesiais dos molares inferiores e vestibulares dos molares superiores possuem um diâmetro médio de 0,25 mm, como imagina-los bem instrumentados quando se “leva” a instrumentação somente até a lima 25?

“Ao contrário da crença, nossos resultados sugerem que as limas de 10 a 20 geralmente nem tocam nas paredes dentinárias no CT dos canais mesiais dos molares”.
Marroquín, BB et al., J Endod May 2004

Os dias eram assim.

E como ficamos com a lima 25 se considerarmos os achados de Green sobre o diâmetro maior, cerca de 0,36 mm?

Quantos instrumentos usar?

É o que veremos na parte 3 deste texto.

Por favor, expliquem melhor porque eu ainda não consegui entender. Parte 1

Incongruência

Por Ronaldo Souza

Como é linda a Endodontia!

Linda e complexa.

Como é lindo falar de Endodontia e de sua complexidade.

Dos seus canais tortuosos a nos desafiar. As suas curvaturas, eterno desafio, para o qual a previsibilidade de protocolos bem desenhados se tornou uma arma inigualável.

Da outrora impensável exigência de obturações tridimensionais, finalmente uma realidade desde o advento das novas técnicas e materiais obturadores de última geração.

E como sabemos fazer do trabalhar essa complexidade algo digno dos deuses!

Em outras palavras, como sabemos dourar a pílula.

Para atender aos anseios e necessidades do momento, hoje tudo é 3D em Endodontia.

Fala-se por acaso em outra coisa que não seja obturação tridimensional?

Ah, o que seria de nós se não fossem os recentes avanços da tecnologia?

E depois de tantos avanços tecnológicos para vencer toda essa charmosa e sedutora complexidade anatômica, fomos nós, justamente nós, a geração atual de endodontistas, privilegiada que é, os brindados pelos deuses da Endodontia com a resolução de tantos problemas de maneira tão simples e fácil.

Ah, como nos facilita a vida o pensamento único!

O pensamento que se sustenta a si mesmo, com uma unidade lógica independente, sem qualquer vinculação ou compromisso com outros componentes de um sistema de pensamento.

Sistema de pensamento que nos faz lembrar do sistema de canais.

Sistema de pensamento, cuja elaboração é na verdade um exercício de imaginação, que traria benefícios para o enfrentamento dessa complexidade do sistema de canais radiculares.

A complexidade do sistema de canais que nos ensinaram, cujo reflexo (um deles) é a ausência de toque dos instrumentos em algumas paredes dos canais, mesmo com os de “ultíssima” geração, de repente se torna tão simples.

Na moderna endodontia, onde “o problema são as bactérias e o problema do endodontista é a anatomia”, tudo se resolve com o simplismo do pensamento único; “uma lima, uma hora, uma sessão”.

Eles não percebem a contradição.

Com uma única lima, em uma única hora, em uma única sessão, a única dificuldade do endodontista, a anatomia, é superada como num passe de mágica e o único problema da endodontia, as bactérias, é facilmente controlado.

Tudo se torna simples e fácil.

Diante de problema até então incontornável, o complexo sistema de canais radiculares, o que fizemos?

Buscar na “ultíssima” geração de instrumentos um desenho único jamais visto em qualquer outro instrumento endodôntico.

Um instrumento que nada tenha a ver com qualquer outro na sua configuração. Um segmento cortante que em nenhum momento se compara ao de qualquer outra lima.

Algo, qualquer coisa.

Um instrumento único.

Por favor, não confunda com instrumento de uso único. Aquele que nos países ricos depois de ser usado é descartado; “usou, joga fora” e que, adaptado à nossa realidade, é utilizado algumas vezes, a variar de acordo com cada situação.

Falo de instrumento único, aquele que bastaria somente ele ser usado no preparo do canal para tudo mais ficar para trás.

Limas

Não consegui ver o instrumento com aquele desenho único, jamais visto, que me permitisse imaginar capaz de fazer o que os outros não poderiam fazer. Todos pareciam semelhantes.

Como gosto de fazer, parei então para ver e ouvir. Considero-me hoje um bom espectador e ouvinte.

Leitor também.

Como espectador e ouvinte, vi e ouvi de tudo.

E o que encontrei para ler me pareceu estranho.

O que encontrei para ler vinha como se estivesse, como dizer sem melindrar suscetibilidades… contaminado (não sei, mas tive a sensação de que parece que alguns periódicos importantes estão usando filtros de menor qualidade, que filtram menos).

O que fazer?

Imergir é a solução.

As profundezas nos trarão as respostas.

Mundo afora, as maravilhas do instrumento e do que ele é capaz foram demonstradas.

Após a imersão em águas profundas, curioso, perguntei.

– Mostraram muitas evidências?

– ???

– Vou explicar. Existem evidências e elas foram mostradas de trabalhos demonstrando que o instrumento único toca em todas as paredes dos canais ou pelo menos toca mais do que os das técnicas convencionais?

– Não.

– Existem evidências e elas foram mostradas de trabalhos em animais demonstrando que o instrumento único promove reparo de lesões periapicais melhor ou pelo menos igual ao da instrumentação com as técnicas convencionais?

– Não.

– Existem evidências e elas foram mostradas de trabalhos em humanos demonstrando que o instrumento único promove reparo de lesões periapicais melhor ou pelo menos igual ao da instrumentação com as técnicas convencionais?

– Não.

– O que vocês viram e fizeram quando imergiram no mundo do instrumento único?

– Aprendemos a usar o instrumento.

– Ah, entendi.

Parece que não há mais filtros.

Somente aí entendi a frase que tinha visto anteriormente para divulgar cursos de endodontia:

“O aluno sairá apto a realizar o tratamento de canal com lima única”.

E passei a entender melhor a postura dos periódicos.

Disseram um dia desses que “o problema da Endodontia são as bactérias e o problema do endodontista é a anatomia”.

Com a mania de querer entender tudo, confesso que ainda não entendi.

“Quanto mais instrumentado o canal radicular, menor é a possibilidade da permanência de microrganismos nele”.
Grossman

Assim aprendemos, daí a necessidade de se usar alguns instrumentos.

Mas vamos sair de Grossman, porque, por velho, pior, morto, seria logo taxado de ultrapassado.

“É razoável supor que quanto maior o alargamento menor a probabilidade de que microrganismos permaneçam no canal”.
Mickel AK et al. The role of apical size determination and enlargement in the reduction of intracanal bacteria. J Endod 2007;33:21-23.

Pronto, agora sim. Dito por autores atuais e ainda mais na bíblia, pode-se aceitar mais facilmente.

Mas, observe bem, a frase de Mickel e colaboradores é igual à de Grossman.

Em que fonte eles terão bebido?

A literatura nos ensinou a usar alguns instrumentos em sequência de ampliação dos seus calibres para preparar o canal e disse que mesmo assim não conseguimos tocar em todas suas paredes.

A literatura mais recente vem mostrando instrumentos mais modernos de grande qualidade e ficamos todos entusiasmados com eles. Não é para menos.

Mas veio a frustração. Diz que mesmo com eles também em uso sequencial de aumento de calibre e conicidade, não conseguimos tocar em todas as paredes do canal. De 35 a 40% das paredes dos canais não são tocadas. Em canais ovalados, mais de 50%. Tudo variável, conforme cada situação.

Voltamos para casa arrasados.

Meu Deus, por que tínhamos que ter canais tão complexos, curvaturas tão difíceis de lidar? E, pior ainda, se fosse só um canal, mas não, é o diabo de um sistema de canais, com canais laterais, acessórios, deltas apicais, recorrentes, túbulos dentinários…

Nesse momento de desencanto, com a nossa amada especialidade perdendo credibilidade (você já ouviu falar de Implantodontia?), veio alguém e disse:

Eureka!

Está tudo resolvido.

  1. Usar cerca de 4 ou 5 instrumentos para remover mais conteúdo do canal não deu certo.
  2. Usar cerca de 4 ou 5 instrumentos de qualidade muito maior, com aço assim, assado, desse jeito, daquele jeito, instrumento dourado, azul, para remover mais conteúdo do canal e assim exercer melhor controle de infecção não deu certo.

Então deixemos tudo isso de lado.

Vamos usar só um instrumento!!!

MA-RA-VI-LHA!

“Perdido por um, perdido por mil”, diz o provérbio português, muito utilizado no futebol.

Que se inverta a lógica.

Perdido por cinco, perdido por um.

Se não conseguimos limpar bem com cinco, vamos limpar bem com um só.

???

Nos tempos atuais, nada melhor do que soluções rápidas.

Tudo simples e fácil.

A “técnica” que se sustenta a si mesmo, com uma unidade lógica independente, sem qualquer vinculação ou compromisso com outros componentes de uma linha de raciocínio.

“Técnica” que nos faz esquecer da tal complexidade do sistema de canais que um dia nos ensinaram.

E se nos apresenta charmosa, sedutora, envolvente.

Como resistir ao irresistível?

Vamos ver isso mais de perto?

Na parte 2 deste texto.

A justa indignação e determinação de uma endodontista

Cabeça quente

Por Ronaldo Souza

Não foram poucas as vezes em que falei aqui das pressões existentes para que todos façam aquilo que ficou conhecido como Endodontia em sessão única.

Critiquei a pobreza do simplismo do pensamento único e para contextualizar usei uma frase de Martin Trope;

“Uma lima, uma hora, uma sessão. Como matar uma especialidade”.

Já falei também dos relatos que tenho ouvido dos próprios colegas, geralmente recém-formados, sobre esse tema, alguns dizendo inclusive que são pressionados até em entrevistas para empregos para fazer tudo em sessão única.

Não há nada melhor para donos de clínicas, empresários que são, do que reduzir custos. A visão empresarial não costuma abraçar as preocupações da área da saúde.

Ao mesmo tempo, também já comentei o que colegas do grupo do qual faço parte me contam de relatos semelhantes que com frequência ouvem.

Está claro, portanto, que sei muito bem o que vem acontecendo nesses últimos anos e não há nenhuma surpresa nisso.

Desta vez, porém, é diferente.

Não tinha ainda um depoimento em que a colega confessa por escrito sua indignação com essa pressão.

E mais.

Como você verá adiante, me autoriza a dizer o seu nome.

Polyana Firmo Silva França foi nossa aluna no Curso de Especialização (ABO-BA) na turma de 2004.

Na noite de 23 de outubro de 2017, há pouco mais de dois meses, ela me enviou a pergunta abaixo pelo Messenger.

– Boa noite Professor!! Tudo bem? Há algum tempo venho quero perguntar, mas ficado meio sem jeito, mas depois de sua postagem sobre o Hidróxido de Cálcio resolvi perguntar. Uso o hidróxido de cálcio sim, faço instrumentação automatizada e nem sempre em sessão única. Há algum tempo conheci o Material X, no Evento Y, achei bem prático e fácil de controlar o preenchimento do conduto por radiografia. O que o senhor acha deste produto. Gostei de alguns resultados obtidos com ele. Mas uma colega que está fazendo curso com um professor aí de Salvador disse que ele falou horrores sobre o tal produto. Não é mesmo bom?

Abraços! Sua aluna e admiradora.

É claro que respondi procurando orienta-la quanto ao material, mas o “depois de sua postagem sobre o Hidróxido de Cálcio resolvi perguntar” me deixou intrigado. Fiz então a seguinte pergunta:

– Posso usar esse seu comentário para escrever um texto? Não se preocupe que não colocarei seu nome (a não ser que você autorize). Você já deve ter observado que nos meus textos eu não cito nomes, a não ser quando é para elogiar.

– Claro que pode utilizar minha pergunta para elaborar um texto, se sentir necessidade de utilizar meu nome de maneira alguma me oponho, tudo bem. Gostei do Material X pela praticidade que ele proporciona, o fato de a agulha dele ser bem mais fina que a do Material Z, tbm me atraiu, pois consegue depositar o hidróxido de cálcio mais próximo ao ápice( resguardando os 3 mm indicados ) e de maneira mais uniforme. Quanto a agulha ela realmebte entope com facilidade, para evitar costumo deixar uma seringa estéril com soro fisiológico e passo pela agulha.  Ao conhecer o produto e notar a otimização de tempo que ele oferece o apresentei a uma colega que trabalha comigo no CEO ( Centro de Especialidades Odontológicas) do município onde cuidamos da parte endodôntica . Lá fazemos uso sempre do Hidróxido de Cálcio PA. Ela por sua vez, está fazendo um curso de instrumentação automatizada em Salvador e comentou com o Professor, não sei realmente qual a opinião dele sobre o Hidróxido de Cálcio em si, mas quando ela perguntou sobre o Material X o comentário dele foi que não serve para nada, era dinheiro jogado fora. Questionei se ele havia citado alguma pesquisa para basear esse comentário. Ela não soube me dizer.

– Você se sente “pressionada” por “ainda” usar hidróxido de cálcio ou conhece alguém que faz esse tipo de pressão e por isso fez a pergunta sobre o Material X no Messenger e não na parte de comentários do facebbok? Tenho ouvido vários relatos de pessoas com pouco tempo de formadas que se queixam desse tipo de pressão e ficam com vergonha de dizer que usam hidróxido de cálcio (por isso pensei em escrever o texto a partir de sua indagação).

– A resposta é sim, me sinto. E quando isso ocorre procuro entender o porque daquela linha de pensamento. Como o professor que criticou mas não apresentou argumentos que baseassem seu descontentamento com o material. Muito mais que a pressão pelo uso do hidróxido de cálcio é a pressão por se fazer endo em multiplas sessões. Há alguns anos atrás fui assistir a um mini curso do Prof, ( me sentirei a vontade em dar nomes aqui, pois sei de sua discrição) Fulano de Tal (claro que aqui eu, Ronaldo, omito o nome), gosto da postura e conceitos que ele passa, mas em determinados momentos o vejo muito radical. Nesse curso em dado momento ele questionou a nós em quantas sessões realizávamos uma endo de molar. Após as respostas, diagnosticou: se vc faz em duas sessões está perdendo dinheiro, se faz em três ou mais é vc quem está pagando ao paciente para realizar o tratamento. Achei isso forte e fiquei feliz de estar no interior onde não percebemos essa pressão de forma tão maçante, imaginei que nos grandes centros alguns colegas devem sentir -se constrangidos de pedir o paciente para retornar para outra sessão.

Se vc faz em duas sessões está perdendo dinheiro, se faz em três ou mais é vc quem está pagando ao paciente para realizar o tratamento“.

SEN-SA-CIO-NAL.

A quantidade de consultas se baseia no ganhar dinheiro.

É preocupante, mas isso se ouve cada vez mais nos tempos atuais.

É possível que agora alguns entendam melhor a minha preocupação com essa questão.

Está chamando a atenção de tal maneira que, além de incomodados, alguns já perguntam; “há algum interesse por trás disso?”

Aliás, essa suspeição da necessidade de matar ou morrer pela sessão única é cada vez mais relatada.

Observe que mesmo quando se refere a um professor de quem gosta, cujo nome, claro, omiti aqui, Polyana já aponta para o que chama de postura muito radical dele e busca uma razão para isso.

Polyana Firmo Silva França mostra que é uma endodontista que aprendeu a separar as coisas e determinou o seu próprio caminho.

O respeito que demonstra pelos seus pacientes de alguma forma chega a eles.

O tempo se encarrega de nos mostrar se a nossa escolha foi a mais adequada. Fazendo agora 14 anos de especialista, a indignação de Polyana com o que tentam lhe impor e a determinação de trilhar o seu próprio caminho sugerem fortemente que ela está de bem com ela mesma. 

Colegas seus perceberão a força e a importância que profissionais como ela possuem e terão nela um exemplo a ser seguido.

Outros já começam a perceber a maior frequência de pacientes com pós-operatório sintomático, edemas faciais e necessidade de retratamento dos canais tratados, o que faz com que as desconfianças ganhem mais força.

Mais uma vez, parece ser uma questão de tempo para que a ficha caia.

JOUS – Jornada Odontológica Universitária de Sergipe

jous 2

Por Ronaldo Souza

Mais alegria outra vez.

Tive a oportunidade de voltar a Aracaju dois meses depois de ter estado lá.

Quer coisa melhor?

Dessa vez para participar da XXVIII JOUS (Jornada Odontológica Universitária de Sergipe) da Faculdade de Odontologia da Universidade Federal de Sergipe, realizada de 14 a 16 de dezembro.

Com a presença especial do Prof. Mirabeau Ramos.

A satisfação e a alegria foram lá pra cima.

Já tinha recebido o certificado e a lembrança da Jornada (nas minhas mãos) quando nos lembramos de fazer o registro final. Mesmo alguns já tendo saído, a foto aí em cima dá para mostrar o entusiasmo da turma.

Muito legal!

Fui  tratado muito bem por todos e os alunos se desmancharam em gentilezas para mim.

Só ficou faltando o beiju de tapioca na bela orla da cidade. Dessa vez não deu tempo.

Fica para a próxima.

Figura 1

Meu agradecimento e carinho a todos os alunos e professores da Comissão Organizadora da JOUS.

Fiquei muito feliz.

Jous 1

Ainda sobre MTA e hidróxido de cálcio. E Diógenes

Hid. Cálcio e MTA

Por Ronaldo Souza

No texto Em algum lugar do passado fiz este comentário:

Diante da não citação do meu nome em nenhum momento numa discussão sobre ampliação foraminal (como alguns chamam) ocorrida num desses fóruns de Endodontia na internet, ele foi um dos dois únicos (o outro é de São Paulo) a fazer uma intervenção citando o meu nome:

“A bem da verdade, a primeira vez que ouvi falar de limpeza do forame foi com meu amigo da Bahia, Ronaldo Souza”. Disse ele.

A primeira vez que ouvi falar desse procedimento foi com o professor Ronaldo de Souza (esse de não existe no meu nome) da Bahia”. Disse Alex Otani, de São Paulo.

Observe que na primeira frase omiti o nome do autor, na segunda não. Tive minhas razões para isso.

Mas, até por questão de justiça, corrijo o que pode ter sido um equívoco por excesso de cuidados e vou dizer agora. Foi o professor Diógenes Alves, de Recife.

Não só por essa defesa que fez de mim no episódio acima (quando “amigos” meus ficaram calados), mas também por outras razões, devo gratidão a Diógenes e gosto dele. É gente muito boa.

Portanto, jamais ficaria sem dar uma resposta ao comentário abaixo, feito no textoMTA ou hidróxido de cálcio? Final”.

Concordo, inclusive quando se coloca uma medição intracanal de Ca((OH)2, a imagem ficava de um dente calcificado, devido a radiopacidade semelhante à dentina. Entretanto a imagem que estou me referindo possui uma radiopacidade muito maior. Seria de algum material radiopaco que você colocou protegendo o Hidróxido de Cálcio, como por exemplo o cimento IV? Se foi, e haja vista que naquela época, segundo o seu relato, não existia MTA, hoje em dia você usaria novamente o Hidróxido de Cálcio? E por quê?

O tempo está curto e por isso só agora respondo, com um pedido de desculpas.

Tendo em vista que três casos clínicos são apresentados no referido texto, acho que quando fala de radiopacidade muito maior, Diógenes deve estar se referindo ao caso da perfuração de furca do molar.

Como ele diz acredito que perdi alguma parte da narrativa em três atosnão deve ter visto que escrevi o seguinte no texto MTA ou hidróxido de cálcio? Parte 3; a opção à época foi protege-la com guta percha, cujo momento da colocação é visto em…

Portanto, o material que aparece com radiopacidade muito maior é guta percha, colocada sobre o selamento da perfuração por tecido mineralizado que já tinha ocorrido.

Quanto a usar hidróxido de cálcio novamente, sim, usaria.

Da mesma forma, como ele mesmo diz naquela época, segundo o seu relato, não existia MTA, também escrevi no MTA ou hidróxido de cálcio? Final que na perfuração de furca do caso acima, por exemplo, a “proteção” do tecido mineralizado que se formou fechando a perfuração teria sido feita com MTA caso ele existisse na época em que o tratamento foi realizado.

Resumindo, pelas razões já expostas na narrativa em três atos, como diz meu amigo Diógenes (na verdade em quatro atos, contando com o Final), em algumas situações recomendo todo o tratamento com hidróxido de cálcio. Em outras, recomendo o uso do hidróxido de cálcio durante o tratamento e o MTA na conclusão.

Fecham-se as cortinas e termina o espetáculo

Auditório 1

Por Ronaldo Souza

“Abrem-se as cortinas e começa o espetáculo”.

Este talvez tenha sido o bordão mais conhecido de Fiori Giglioti, consagrado locutor esportivo de São Paulo, falecido em 2006.

Era como começava a narrar uma partida de futebol.

O pouco que ouvi e li sobre ele e os poucos trechos de narração que tive oportunidade de ouvir foram suficientes para perceber a sua qualidade.

Classe, elegância e correção no uso do português o caracterizavam e o diferenciavam.

Roubo dele uma frase, usada para determinar que o jogo chegara ao final, para dar título a este texto.

“Fecham-se as cortinas e termina o espetáculo”.

Roubo, mas dou conotação diferente.

Uma vez numa entrevista, Elsimar Coutinho, famoso médico e cientista baiano, disse quase que literalmente.

Abre aspas
Eu sabia que alguns colegas falavam de mim e me criticavam e aquilo já me incomodava. Na minha presença, cumprimentos e sorrisos. Por trás, falavam mal. Era um grupo.

Houve então um congresso de Medicina em São Paulo. Eu era um dos palestrantes convidados e sabia que vários deles estariam lá, inclusive alguns também como palestrantes.

Comecei a falar dizendo que sabia que alguns colegas pareciam não gostar das minhas posições e colocações e falavam de mim. E completei; aqui estou, à disposição de todos. Esta é a hora. Gostaria que vocês se manifestassem aqui e agora para que possamos discutir os nossos pontos de vista.

E fiz a minha palestra.

Ninguém se manifestou.
Fecha aspas

Às vezes, mais do que cortinas, que dão somente acesso ao palco do espetáculo, tentam fechar as portas para qualquer alternativa fora da caixa.

A quem pode interessar que se mantenham abertas as portas de acesso à reflexão?

Fechem-nas e joguem as chaves fora.

A reflexão não costuma ser bem-vinda.

Uma voz que se levanta contra o pensamento dominante não pode ter microfones e câmeras à sua disposição.

Não é usual que um jeito próprio de pensar e ver as coisas faça se abrirem as portas para que se chegue às cortinas e enfim ao palco.

Afinal, os holofotes têm donos.

Alceu Valença, grande compositor pernambucano, dizia que o artista nordestino tem que fazer o vestibular do Sul para ser aceito no Brasil.

Projete-se “artista” para um sentido mais abrangente e entenda-se Sul como se diz no Nordeste; São Paulo e Rio.

A geografia condena.

A autofagia e a autocomiseração se incorporam aos “menos favorecidos” e o atrelamento aos “centros mais avançados” se torna o caminho mais confortável.

Uma postura antiga e enraizada em determinadas regiões do país.

E os palcos vazios de ideias se proliferam país afora, ainda que alguns auditórios possam estar repletos.

Neste momento todos os bares estão repletos de homens vazios
Vinícius de Moraes

Há situações, porém, em que o fechar das cortinas não encerra o espetáculo.

Pelo contrário, sempre haverá quem crie o seu próprio palco.

Dali se levantam talento e voz contra o estabelecido.

Dali sai o antídoto para mentes acomodadas.

Elsimar Coutinho não se atrelou ao pensamento dominante e não permitiu que lhe sufocassem.

Assim também fez o cientista brasileiro Miguel Nicolelis quando tentaram lhe fechar as cortinas.

Sempre digo aos meus alunos para desenvolver o hábito de pensar com suas próprias cabeças e andar com suas pernas, mesmo sabendo que isso não é estimulado.

Somos preparados para ver, ouvir e repetir as diferentes línguas e sotaques.

Refletir, jamais.

Mas haverá sempre uma porta que se abre para um palco vazio.

Por ali entra a luz do Sol.

MTA ou hidróxido de cálcio? Final

Por Ronaldo Souza

No texto MTA ou hidróxido de cálcio? Parte 3, conversamos sobre o tratamento de perfuração de furca com hidróxido de cálcio e o caso mostrado foi este abaixo.

Figura 6 A, B, C e D

Como as interpretações correm ao sabor dos ventos e muitas vezes os ventos são soprados com objetivos bem claros para que viajem sem controle, reforço que em nenhum momento falei ou insinuei que condeno o uso do MTA.

Pelo contrário, o MTA é um bom material e quando necessário recomendo o seu uso.

Na perfuração de furca do caso acima, por exemplo, a “proteção” do tecido mineralizado que se formou fechando a perfuração teria sido feita com MTA caso ele existisse na época em que o tratamento foi realizado.

O que contesto e combato é “ensinar” que são os materiais os fatores determinantes do sucesso em Endodontia.

É um erro injustificável que se comete.

O que tenho feito, desde os textos anteriores, é chamar a atenção para o entendimento do problema.

Ao entender a questão, percebe-se mais facilmente que não somos dependentes do material como alguns querem fazer crer.

Lamentavelmente, porém, deixamos de ensinar que quando se entende o que se faz, faz-se melhor.

Já vimos que o hidróxido de cálcio desempenha o mesmo papel que o MTA como tampão apical, mesmo “sem estar presente” algum tempo depois de feito o tampão.

Já vimos que ele também faz o mesmo no tratamento de perfurações de furca.

O que mais poderíamos ver?

Hidróxido de cálcio nas perfurações radiculares

Vamos ver como o hidróxido de cálcio pode agir nos casos de perfurações radiculares.

Figura 7 A, B, C e D

Pela aparente destruição coronária é possível que o planejamento deste caso tenha sido voltado para a realização de coroa protética com retenção intrarradicular e deve ter ocorrido um acidente no preparo do espaço para o pino.

Digo isso porque a paciente já me foi encaminhada com a radiografia da figura 7 A, feita pelo colega que a encaminhou. As outras três (B, C e D) foram feitas durante o tratamento.

Alguns podem imaginar que a perfuração só se deu no local apontado pela seta na figura A, mas não foi. Ela ocorreu no local onde está o ponto preto sobre o instrumento usado pelo colega para fazer o mapeamento da perfuração. Ou seja, no começo do terço médio da face vestibular, como mostra o ponto branco em B. Ali está o local da perfuração. A partir desse ponto o instrumento está inteiramente fora do canal, está no periodonto.

A aparência radiográfica sugere que a obturação do canal está bem feita, com imagem compatível com o que se costuma chamar de um tratamento endodôntico bem realizado. Por esta razão, resolvi tratar somente a perfuração.

Inicialmente fiz uma curetagem no local em que ela ocorreu e em seguida a colocação da pasta de hidróxido de cálcio com soro fisiológico preenchendo todo o terço cervical e começo do médio (C).

Nas consultas seguintes a curetagem não era repetida, somente a remoção do hidróxido de cálcio e “lavagem” do local com soro fisiológico. Em seguida, secagem e novo preenchimento com o hidróxido de cálcio.

Pode parecer que as faces mesial e distal estavam com cavidades, mas estavam restauradas por resina composta sem radiopacidade (é um caso clínico de alguns anos atrás). Assim, apesar da aparente destruição coronária que fez o colega planejar uma coroa protética com retenção intrarradicular, era plenamente possível fazer um selamento coronário provisório confiável entre as consultas, que foram realizadas durante oito meses, não necessariamente uma a cada mês.

Durante esse tempo fui acompanhando o “fechamento” da perfuração por tecido mineralizado. Para isso “jogava” a luz do refletor sobre o espelho clínico e através deste via as mudanças em andamento.

Quando finalmente percebi a definição do fechamento da perfuração, obturei aquela porção do canal, terços cervical e começo do médio, com guta percha aquecida e plastificada e cimento obturador. Observe a diferença na radiopacidade do “novo” material obturador (seta branca) com a obturação original do terço apical (seta preta).

Por não haver necessidade, tendo em vista que a perfuração já não existia mais, não foi feito nenhum tampão com hidróxido de cálcio.

Figura 8 A, B e C

Acompanhemos agora este caso da figura 8. Da mesma forma que no caso anterior, a paciente trouxe a radiografia vista em A.

Aqui alguém poderia imaginar que “quase” ocorreu a perfuração, pois a ponta do instrumento usado pelo colega para sondar se tinha havido perfuração aparenta ainda estar em dentina. O próprio colega, porém, disse que ao preparar o espaço para pino percebeu um discreto “fio” de sangue. Assustado, parou e radiografou.

Houve sim a perfuração, também na face vestibular, no local marcado pelo ponto preto sobre o instrumento, ainda na figura A. A partir dali o instrumento está no periodonto.

Após curetagem da perfuração, o hidróxido de cálcio foi usado nas mesmas condições descritas para o caso da figura 7 (setas pretas em 8 B).

Entretanto, se no caso anterior era plenamente possível fazer um selamento coronário provisório confiável entre as consultas, aqui não era.

Perceba que o dente não tem coroa. Ainda que se pudesse fazer isolamento absoluto, como mostra a figura C, não havia como fazer o selamento confiável entre muitas consultas, como seria necessário.

Por esta razão a abordagem foi diferente.

Diferentemente do caso anterior, em que a coroa permitia selamento provisório confiável entre as consultas e assim pude aguardar o fechamento da perfuração, foram feitas somente duas medicações com hidróxido de cálcio visando o tratamento da perfuração. O canal foi então retratado (C).

Figura 8 D, E e F''

Em D podemos ver o momento em que a obturação está sendo feita sob isolamento absoluto. No local da perfuração foi feito um tampão de hidróxido de cálcio (ponto preto) e o canal foi obturado. Em E a obturação está concluída e o dente selado. Perceba a homogeneidade e radiopacidade da obturação (seta preta), reflexo da plastificação da guta percha e condensação vertical vigorosa, com discretíssimo extravasamento do material obturador (seta amarela), que sugere alguma pequena falha na confecção do tampão de hidróxido de cálcio.

A paciente é uma médica que tem um filho e uma sobrinha dentistas. A figura F mostra uma radiografia de acompanhamento realizada pela sobrinha nove anos depois da conclusão do tratamento. Observe que o dente vizinho (11) foi extraído e foi instalada uma ponte fixa extensa (de orelha a orelha).

Não há mais lesão periapical.

Compare agora a obturação em E com a da figura F e observe que a homogeneidade referida em E (seta preta) desapareceu. Nove anos depois a obturação está cheia de falhas (setas pretas em F).

Por que as falhas numa obturação que era tão homogênea?

Vamos desenvolver uma linha de raciocínio juntos?

  1. No caso clínico da figura 7, como a coroa do dente permitia selamento provisório confiável, fiz o tratamento com hidróxido de cálcio durante oito meses e quando constatei o fechamento da perfuração por tecido mineralizado obturei o canal.
  2. Como no caso da figura 8 não podia confiar na qualidade do selamento provisório pela ausência da coroa, fiz somente duas consultas com hidróxido de cálcio no espaço de 21 dias e com ele fiz o tampão e obturei o canal.
  3. No caso da figura 5 do texto MTA ou hidróxido de cálcio? Parte 2, o tampão apical de hidróxido de cálcio “desapareceu” e mesmo o tamanho daquele espaço vazio não impediu o reparo com selamento biológico (figuras D, E, F e G).
  4. Neste caso da figura 8 acima, é claro que o tampão “lateral” de hidróxido de cálcio também desapareceu, porém, mais uma vez, o espaço vazio deixado por ele não impediu o reparo.
  5. Aqui, mais facilmente se comprova algo. Uma vez que o tampão “lateral” de hidróxido de cálcio desapareceu, é claro que a perfuração (ainda presente, razão pela qual foi feito o tampão) permite que fluidos teciduais penetrem no canal.
  6. Dois são os componentes da obturação; guta percha e cimento obturador. Qual deles é solúvel? O cimento. Ao penetrarem no canal pela perfuração, os fluidos teciduais solubilizam o cimento obturador que é “levado” do canal.
  7. Se um dos componentes da obturação (o cimento) “desaparece”, ela perde a homogeneidade.
  8. A perda da homogeneidade é um reflexo da penetração de fluidos teciduais no canal e a consequente solubilização do cimento obturador.

Vamos ver agora um detalhe que talvez você não tenha percebido, para o qual só agora chamo a atenção.

Veja o forame incisivo na figura 8 A. Está normal e entre ele e o dente em questão (21) existe uma “faixa” radiopaca, como se os mantivesse afastados um do outro. Observe como o espaço do ligamento periodontal do referido dente está com espessura normal e plenamente perceptível. É nessa imagem que está registrado o momento em que o periodonto foi agredido pela broca que fez a perfuração e o colega colocou um instrumento para confirmar se ela teria ocorrido ou não. Portanto, nesse momento, o periodonto estava normal.

Observe como na imagem seguinte (8 B) o forame incisivo parece “ter crescido e avançado para cima da raiz” do 21. Perceba que nas imagens seguintes (8 C, D e E) o forame incisivo apresenta essas mesmas características.

Agora, já na imagem em F, o forame voltou ao seu “tamanho normal”, o espaço do ligamento periodontal do dente está outra vez com espessura normal e plenamente perceptível e a faixa radiopaca também está de volta, como se os mantivesse afastados um do outro.

É para o que apontam as setas brancas nas figuras 8 B, C, D e E; para a “faixa escura” (radiolúcida) que aparece em todas elas. Perceba também que essa imagem da faixa escura está justamente “sobre” o local onde houve a perfuração.

Observe agora como em nenhum momento o forame incisivo parece “ter crescido e avançado para cima da raiz” do 11. Todo o tempo a faixa radiopaca entre o 11 e o forame incisivo se manteve intacta.

Vamos juntos outra vez?

O que acontece quando um canal está com polpa necrosada e infectada e existe um canal lateral saindo na porção mesial ou distal da raiz?

É comum aparecer uma lesão lateral, como uma resposta ao canal infectado que deságua em mesial ou distal e é flagrado pela imagem bidimensional da radiografia periapical.

Se esse canal lateral estivesse “saindo” na face vestibular ou palatina da raiz, muito provavelmente você não perceberia a lesão lateral que ele provocaria porque, sendo a imagem radiográfica bidimensional ela só “mostra” o que está em mesial ou distal.

Você está lembrado que eu disse que a perfuração ocorreu na face vestibular da raiz?

Tal qual o canal lateral infectado gerando a lesão lateral, se a perfuração tivesse sido na face mesial ou distal haveria uma lesão lateral como resposta a agressão ao periodonto provocada pela broca.

Quer dizer então que não tem lesão?

Tem sim. Mas como ela está na face vestibular da raiz não é flagrada pela imagem bidimensional da radiografia. Aí ela se manifesta no periodonto vestibular e, pela superposição de imagens, aparenta estar “sobre ou dentro” da raiz.

É o que as setas brancas apontam.

Na figura 8 A ela não aparece porque, apesar de recém agredido, o periodonto ainda estava normal.

Na figura 8 F ela não aparece porque o periodonto voltou ao normal.

Por que voltou ao normal?

Porque houve reparo.

Reparo que se deu por uma razão bem simples.

O tratamento endodôntico realizado não se apoiou em um material. Ele se apoiou no conhecimento de que, criadas as condições adequadas, o organismo do paciente promove a cura.

A substância utilizada, hidróxido de cálcio, foi complemento importante na promoção do reparo, não a sua razão.

Assim, uma extensa prótese (de orelha a orelha) foi instalada tendo como pilar um dente com perfuração radicular tratado com hidróxido de cálcio nas condições descritas.

Vamos fechar?

A literatura endodôntica diz há mais de 60 anos que “a maioria dos insucessos do tratamento endodôntico se deve a pequenas falhas da obturação”.

No equívoco dessa concepção, que se mantém ao longo de tantos anos, reside uma das razões do encantamento pelo MTA e consequente descarte do hidróxido de cálcio; o primeiro sela, o segundo não.

Como preconizar um material que não sela?

Tampão apical 2''

Observe a figura acima. Aí estão as características que atribuo igualmente ao MTA e ao hidróxido de cálcio e que já foram comentadas no texto MTA ou hidróxido de cálcio? Parte 2. Perceba que entre elas não consta o selamento.

Já há muitos anos venho dizendo, e por isso “apanhei” muito em algumas partes do Brasil, que não é o vedamento do canal quem responde pelo sucesso do tratamento endodôntico.

Entretanto, apesar de discordar inteiramente, por considera-la absolutamente equivocada, da concepção que atribui ao vedamento (como quer que o queiram chamar – hermético, perfeito, tridimensional…) o sucesso pelo tratamento endodôntico, nunca tive e não tenho a menor intenção de tirar do selamento a importância do seu papel.

Não acredito, porém, que o MTA foi idealizado com esse objetivo.

Como também disse naquele texto, o grande objetivo do tampão apical é funcionar como barreira física e evitar que haja extravasamento de material obturador para os tecidos periapicais. 

A razão pela qual comecei este texto (dividido em quatro partes) falando de casos com rizogênese incompleta foi justamente a de mostrar e reforçar que não dependemos do selamento, do jeito que ele é pensado e proposto, para ter sucesso em Endodontia.

Por outro lado, não posso deixar de aproveitar a oportunidade para também reforçar que às virtudes atribuídas a ambos, acrescento mais duas que só vejo no hidróxido de cálcio e que também já foram comentadas no MTA ou hidróxido de cálcio? Parte 2; o menor custo e o fato de que, diante de eventual falha no tratamento, pode-se tentar outra vez. Ao contrário, caso tenha sido feito com MTA, não se pode reverter com novo tratamento; a nova abordagem terá que ser cirúrgica.

Vejo importância nas duas.

E, finalmente, ao mostrar a resolução de casos de rizogênese incompleta, forame muito amplo, perfuração de furca e perfuração radicular tratados com sucesso com hidróxido de cálcio, contemplo as principais indicações do MTA na Endodontia.

Além dessas, o que mais seria relevante? O seu uso na cirurgia parendodôntica.

Mas, insisto, o desejo não é contestar a importância do MTA.

Ao abordar esse tema, pretendo ir muito além dos jardins.

O que desejo, isso sim, é chamar a atenção para a postura atual de alguns “professores”, algo que se alastrou entre alunos e profissionais da Endodontia, particularmente os mais jovens.

A recomendação de retratamento de molar em sessão única é a banalização absurda da Endodontia e não reflete somente ignorância, mas também irresponsabilidade.

Jogar quilos e quilos de material obturador nos tecidos periapicais como comprovação de qualquer coisa que seja nada mais representa do que o desconhecimento da fisiologia tecidual. Para além disso, esconder-se no argumento, muitas vezes utilizado, de que não temos que entender de fisiologia tecidual porque somos clínicos e não histologistas ou patologistas, expõe a tola esperteza de que alguns são portadores.

Prescrever anti-inflamatório para sintomatologia pós-operatória de canais com necrose pulpar e infecção tratados em sessão única é… sem comentários.

Assim, mais uma vez, o desejo é chamar a atenção para o rumo que está tomando o ensino da Endodontia, onde se privilegiam materiais e instrumentos em detrimento do verdadeiro conhecimento e prática da Endodontia, nos quais estão inseridos os materiais e instrumentos.

Mais importante do que qualquer material ou sistema utilizado é entender o que representam de fato a infecção endodôntica e a sua consequência, a periodontite apical.

A Endodontia deve ser a única especialidade da área de saúde em que se pretende enfrentar a infecção com materiais.

A riqueza está no saber, não no fazer.

Há pouca ou nenhuma riqueza no fazer.

Sem o saber, o fazer nada é além de habilidade manual.

Ficam vazias as nossas mentes, a nossa imaginação, a nossa vida, quando tiramos o colorido do saber e tentamos transferi-lo para outras coisas.

Em pouco tempo estaremos cansados, muito cansados.

Cansados, perderemos o prazer, a alegria, e faremos a Endodontia descolorida do “fazer um canal”.

Ensinar a usar MTA ou qualquer outro material é muito pouco.

É nada.

Ensine ao aluno a entender a patologia e aí ensine a trata-la usando hidróxido de cálcio, MTA ou qualquer outra substância.

Ensine a ele que o colorido está na imaginação/conhecimento e não no instrumento ou no material.

Desde quando é a lâmina do bisturi que salva o paciente?

MTA ou hidróxido de cálcio? Parte 3

Por Ronaldo Souza,

No texto anterior, MTA ou hidróxido de cálcio? Parte 2, conversamos sobre o tampão apical com hidróxido de cálcio e o caso clínico abaixo foi mostrado.

Figura 4 C, D e E

Deve-se entender que o hidróxido de cálcio desempenhou basicamente 3 funções.

A primeira delas como medicação intracanal durante a fase de preparo do canal.

A medicação intracanal teve como objetivo principal exercer uma ação antimicrobiana complementar à da instrumentação e irrigação durante o preparo do canal. Neste caso em particular em um dente portador de fístula e lesão periapical que vinha sendo tratado sem êxito por uma colega, quando então o paciente me foi encaminhado.

A outra função foi a de agir como um “estimulador” de mineralização tecidual, tendo em vista que dentina e cemento tinham sido desgastados pela instrumentação e o tecido ósseo tinha sido reabsorvido, formando-se a lesão periapical.

Além desse momento como medicação intracanal, as ações antimicrobiana e mineralizadora “continuaram” ocorrendo pelo fato de o tampão apical ter sido feito com hidróxido de cálcio. Isto é, enquanto o tampão esteve presente as ações químicas dessa substância estiveram acontecendo.

Trago uma frase daquele texto:

Se a substância ou material utilizado, além de conter a obturação do canal, apresenta as características citadas, ótimo, são bem-vindas.

Excetuando-se a capacidade de selar cavidade (ação física), se observarmos bem veremos que as ações atribuídas ao hidróxido de cálcio são semelhantes às do MTA.

Tendo em vista que todos usam MTA, não parece difícil perceber que expressões pejorativas como “melar o canal com hidróxido de cálcio” (usada tolamente por alguns) refletem a ignorância de quem tenta diminuir os que não fazem tratamento endodôntico em sessão única.

Só eles não percebem.

Ver ou não ver, eis a questão.

Ou, se preferirem, perceber ou não perceber, eis a questão.

Sem noção, do simplismo foram direto para o ridículo e criaram a “batalha” – os a favor e os contra a sessão única – com interesses bem claros.

Continuemos, para que possamos entender todo o processo e não somente a sua etapa mecânica.

Vamos juntos.

Figura 6 A e B

O molar da figura acima já tinha sido indicado para extração em função de uma perfuração do assoalho da furca e o paciente me foi encaminhado para ver se ainda havia como salvar o dente. Observe que a imagem radiográfica da lesão da furca se encontra com a da lesão periapical da raiz mesial. Os canais mesiais estão obturados com cones de prata (seta em A).

Em B os canais estão sendo desobstruídos e os comprimentos de trabalho determinados. Um cuidado que sempre existiu foi o de manter um material selador no local da perfuração para evitar que soluções irrigadoras e fluidos teciduais circulassem entre os canais e a furca. O ponto preto mostra o material selador em questão.

Figura 6 C, D, E e F

Em C os canais foram obturados. Perceba o preenchimento de canais laterais pela obturação. Somente a partir daí o tratamento da perfuração da furca foi iniciado. Depois de curetar a porção envolvida da furca (contígua à perfuração), o hidróxido de cálcio PA foi colocado preenchendo toda a perfuração e foi protegido por Cimpat. Em seguida, a porção coronária foi selada com cimento de óxido de zinco e eugenol de presa rápida. Na consulta seguinte, todo esse procedimento foi refeito.

Em D, a seta preta mostra o início do canal distal parcialmente vazio, sem obturação do canal. Isto se explica pelo desejo inicial de fazer uma restauração provisória com retenção intrarradicular em função da destruição coronária. Resolvi então não fazer porque achei que haveria risco maior de contaminação a cada consulta no momento da sua remoção e da nova cimentação. A seta branca mostra que essa porção ficava protegida por material selador. A seta amarela chama a atenção para os sinais de rearranjo do trabeculado ósseo abaixo da furca.

Houve um momento em que o impacto mastigatório provocou a fragmentação do cimento selador provisório (apesar da imagem, consequência da incidência radiográfica, ele tinha pouca espessura, daí o desejo inicial de fazer uma restauração provisória com retenção intrarradicular) e houve recontaminação da perfuração. O paciente apresentava a região ligeiramente edemaciada e a furca voltara a apresentar sinais evidentes de destruição tecidual. É o que você vê em E e F. Por outro lado, observe que as lesões periapicais já desapareceram.

Figura 6 G, H, I e J

Observe em G a lesão de furca (seta) e as reabsorções teciduais envolvendo toda ela. Algum tempo após o reinício do tratamento com hidróxido de cálcio, percebe-se novo rearranjo dessa região, cujos referenciais anatômicos começam a se redefinir (H). Num tempo maior de acompanhamento estava definitivamente consolidada a formação de tecido mineralizado fechando a perfuração, algo facilmente observável a olho nu e confirmado com toques suaves com a ponta da sonda exploradora. A opção à época foi protege-la com guta percha, cujo momento da colocação é visto em I. Em J, a conclusão do tratamento e o selamento coronário provisório.

Figura 6 A e K

Compare a primeira radiografia do caso, quando foi iniciado o tratamento (A), com a que foi feita cerca de 4 anos depois, já com a prótese definitiva instalada (K). É evidente o reparo, com desaparecimento das lesões periapicais e da furca.

O que precisamos entender?

1. A partir do momento em que se controla a infecção (isso foi feito com a curetagem da furca e o uso do hidróxido de cálcio), o processo de mineralização da perfuração se dará com ou sem o hidróxido de cálcio ou o MTA.
1b. No canal isso é feito com o preparo com os instrumentos endodônticos e o hidróxido de cálcio como medicação.
2. Esse papel de mineralização cabe ao organismo e não às substâncias/materiais, sejam eles o hidróxido de cálcio, MTA ou qualquer outro que exista.
3. Para isso é necessário que se faça um bom selamento coronário para dificultar a contaminação daquela porção.
3b. No canal isso é feito pela obturação.

Se você não concorda ou até se assusta com o item 1 vá lá em cima e veja as figuras 5 (espaço vazio apontado pelas setas) e 6 (mineralização de todo o espaço vazio). Talvez seja melhor ainda reler o texto MTA ou hidróxido de cálcio? Parte 2.

“Vocês, Professores e Professoras, possuem o poder de mudar o mundo”

Vi essa frase em um breve texto no Dia dos Professores.

Possuímos sim o poder de mudar o mundo.

E poucos o possuem como nós.

Mas não usamos porque nos rendemos ao fácil.

Imaginem esse homem culto de Vargas Llosa (ganhador do Nobel de Literatura em 2010) como sendo o professor.

E não o imaginemos com a cultura nos níveis de que fala o escritor peruano, particularmente como o descreve no livro, mas simplesmente como aquele que possui um conhecimento geral mais pleno, mais abrangente do que aquele a quem ensina, o especialista.

Não deveria caber ao homem culto, o professor, abrir os horizontes do especialista, o seu aluno?

É bem possível que alguns tenham discordado e até se chocado com isso que falei sobre o vídeo de Vargas Llosa no texto Qual é o nosso real tamanho?.

Vou além.

É bem possível que alguns tenham se chocado com o texto em si, por acha-lo, quem sabe, pedante.

Não foi essa a intenção.

Não quis me referir à cultura nos níveis de que fala Vargas Llosa, algo de poucos.

Quando também naquele texto eu disse Professor e aluno de mãos dadas se incorporando à corrente do não pensar, do simplismo, e “fazendo canal, fazendo canal, fazendo canal”, nada mais, quis me referir ao conhecimento (cultura) das coisas da Endodontia, que o professor parece não ter mais.

“Sufoco de ter somente isso à minha volta
Abram todas as janelas
Abram mais janelas do que todas as janelas que há no mundo”.
Fernando Pessoa

Como pode o professor, abrir os horizontes do especialista, o seu aluno, se no seu próprio não consegue abrir as janelas? 

Muitas vezes fazem imersão que nos leva ao nada.

Imersão que, segundo a Astrologia, significa “momento do desaparecimento de um astro, ao ser ocultado por outro”

Aqui, o astro é o conhecimento, o outro a ignorância.

O professor dá as mãos ao aluno e o conduz pelos caminhos do desconhecimento.

Sem saber navegar, o aluno se afoga nos protocolos.

Nada se modifica quando se usam as mesmas ferramentas do que já está estabelecido.

MTA ou hidróxido de cálcio? Parte 2

Por Ronaldo Souza

No texto anterior falei que fraturas como essa, sem dúvida, foram fatores determinantes para mudanças no tratamento desses dentes.

Falava, claro, das fraturas que ocorrem em dentes com rizogênese incompleta e o caso abaixo foi o que justificou o comentário.

Fig. 3

Quanto às mudanças no tratamento, referia-me particularmente ao tampão apical.

Tampão apical

Hoje a “endodontia moderna” é ensinada e exibida nas redes sociais.

É o que há de mais moderno e atraente nos dias atuais.

As incansáveis e absolutamente injustificáveis postagens (faço grande esforço para não chama-las de outra coisa) nas redes sociais, com exibição de obturações que vão do “surplus” a absurdos extravasamentos de material obturador, são de uma estupidez sem tamanho.

Não, não vou dizer que a fisiologia tecidual condena esse procedimento.

Deixemos isso, fisiologia tecidual, de lado.

Alguns ministradores de cursos e os professores de redes sociais “estão se lixando” para ela, até por não saberem do que se trata.

Portanto, deixemos de lado.

Independentemente e apesar de tudo isso, obturar canais com a amplitude foraminal vista no caso acima (Fig. 3) é um convite ao extravasamento de material obturador.

E isso representa uma agressão à fisiologia…, opa, quase escapole, foi sem querer. 

Isso representa uma agressão aos tecidos periapicais.

Como uma maneira de contornar esse problema, surgiu o tampão apical.

Apesar de outras sugestões terem sido feitas, como o tampão apical de raspas de dentina, a substância mais recomendada para esse objetivo era o hidróxido de cálcio.

Já há algum tempo, porém, a escolha recai sobre o MTA.

Nos casos em que eram feitas trocas sucessivas da medicação intracanal com hidróxido de cálcio até o fechamento apical (apicificação), tem sido recomendado o uso dessa substância da mesma maneira, ou seja, como medicação intracanal (renovada ou não por mais uma ou duas consultas conforme cada situação) e em seguida a confecção do tampão apical com MTA e obturação do canal.

Por que isso?

O primeiro aspecto a ser observado e entendido é o papel do tampão apical.

Tampão apical 3'

A grande função do tampão apical é conter a obturação dentro do canal.

Em outras palavras, o grande objetivo do tampão apical é funcionar como barreira física e evitar que haja extravasamento de material obturador para os tecidos periapicais.

Ao fazer isso, permite que mais cedo se possa obturar o canal e consequentemente concluir o tratamento, reduzindo-o de forma considerável em termos de tempo, que passa a ser bem menor do que aquele exigido pela apicificação.

Isso, claro, torna possível a imediata realização da restauração coronária definitiva, o que por sua vez deve tornar menor o risco de fratura do dente.

Por que o MTA?

Por apresentar uma característica física que o hidróxido de cálcio não possui; selamento.

Mesmo diante dos avanços inegáveis da Endodontia, tanto no aspecto do conhecimento científico quanto no campo da tecnologia, é surpreendente como a antiga crença do vedamento hermético ainda reina.

Os avanços estão aí à nossa disposição, mas surpreende como a nossa cabeça ficou no passado, quando se atribuía às eventuais falhas da obturação os males do tratamento endodôntico.

Em outras palavras, as eventuais falhas da obturação são as responsáveis pelo insucesso.

Se é assim, temos que vedar hermeticamente.

Se temos que vedar hermeticamente, jamais o faremos com o hidróxido de cálcio, porque este não veda nada.

Conclusão!

Temos que fazer o tampão apical com o MTA.

Perfeito.

Se o conhecimento não é gerado, não é difundido e se não é difundido não se toma conhecimento dele.

Sem que muitos percebam (muitas vezes nem eles), ensinam a usar o MTA e não a entender e tratar a patologia.

Pergunto-me frequentemente que avanço é esse!

Vamos lá.

A terapia realizada com hidróxido de cálcio na apicificação tem o objetivo de ajudar no controle da infecção.

Uma vez alcançado o controle de infecção, tudo mais se resolve.

Observe um dente com polpa viva.

O que acontece com ele?

Irrompe com o canal ainda muito volumoso e vai desenvolvendo.

E vai formando dentina.

Quem forma dentina?

A polpa.

Aí, num belo domingo de manhã, num belo dia de sol, numa bela praia… opa, me perdi.

Aí um dia atinge o estágio de rizogênese completa.

Agora observe outro dente que, por qualquer razão que seja, um dia você percebe que ele não está se “desenvolvendo” como os demais.

“Parou” no tempo.

A raiz não completou a sua rizogênese, as paredes radiculares ficaram com pouca espessura, o canal está muito amplo e tem uma lesão periapical.

E aí você chega à triste conclusão de que houve necrose pulpar.

E com a necrose, a infecção.

Deixe-me aproveitar; ainda se fala de diagnóstico por aí?

Aliás, esqueça, deixa pra lá, diagnóstico não tem mais nenhuma importância.

Não tem mais polpa viva, portanto, não tem mais formação de dentina.

Não tendo mais formação de dentina, não há mais desenvolvimento radicular.

Tendo em vista que é o fato de a polpa estar necrosada e o canal infectado que impede o desenvolvimento radicular, o que se faz?

Faz-se o tratamento endodôntico.

Prefere dizer trata o canal?

Tudo bem, sem problema.

O que se busca?

Remover a causa.

Qual é a causa?

A polpa necrosada e o canal infectado.

Então quer dizer que se eu remover a polpa necrosada e “desinfetar” o canal tá tudo resolvido, o desenvolvimento radicular continua?

Não.

Lembre. Como não há mais quem forme dentina, não pode haver mais desenvolvimento radicular.

O que ocorre então?

Vamos avançar um pouco mais? Mas avançar mesmo

Se depois de preparar o canal e fazer 1 ou 2 medicações ou até mais (conforme a necessidade) com hidróxido de cálcio, caso existisse e eu usasse um “medidor de infecção” e ele dissesse que não tem mais infecção, o que fazer?

Não tendo mais infecção, mas ainda tendo o ápice aberto, vou fazer um tampão apical e obturar.

Voltemos à figura 4.

Já disse lá em cima que a grande função do tampão apical é conter a obturação dentro do canal.

Engana-se quem imagina que o tampão apical tem como objetivos selar o canal, exercer ação antimicrobiana, estimular a mineralização tecidual ou qualquer outra coisa nesse sentido.

Não. O tampão apical não tem esses objetivos.

Se a substância ou material utilizado, além de conter a obturação no canal, apresenta as características citadas, ótimo, são bem-vindas.

Mas não são objetivos.

O objetivo do tampão apical, insisto, é evitar extravasamento de material obturador para os tecidos periapicais.

Vejamos questões como as ações antimicrobiana e mineralizadora, ambas atribuídas ao MTA.

A ação antimicrobiana desejada foi obtida durante a fase de preparo do canal, onde se incluem as medicações com hidróxido de cálcio (1 ou 2 medicações conforme a necessidade ou até mais, dito aí em cima).

Da mesma forma com a ação mineralizadora.

Uma vez controlada a infecção, atribui-se também ao hidróxido de cálcio a capacidade de reverter o pH ácido, característico da inflamação, em pH alcalino, algo em torno de 12.5.

Sabendo-se, por exemplo, que a fosfatase alcalina, uma enzima associada à mineralização tecidual, é ativada em pH entre 8 e 10, seria então desencadeado o estímulo à mineralização.

Finalmente, a questão que parece ser a mais importante e que já foi abordada antes.

Por que usar o MTA?

Cuja resposta foi, por apresentar uma característica física que o hidróxido de cálcio não possui; selamento.

Alguns professores chegaram a atribuir ao MTA a capacidade de vedar o canal.

Lamento informar que a capacidade de exercer o vedamento nos níveis desejados e ditos ele não tem.

Vamos acompanhar o caso clínico da figura abaixo, sem descreve-lo em detalhes (tomaria muito tempo), a não ser a partir do momento em que pude obtura-lo (o artigo foi publicado em 2012 e pode ser lido aqui).

E vamos faze-lo por etapas.

Figura 4 A e B

Observe na figura A um cone de guta percha nº 80, com a ponta cortada, e veja como ele está absolutamente folgado, perdido no canal. Acima dele a largura do canal salta aos olhos. Imaginar um cone perfeitamente travado e associa-lo a qualquer possibilidade de vedamento hermético nessa situação é inimaginável.

Na figura B o cone está invertido e mesmo assim folgado. Perceba, porém, que todo aquele espaço radiolúcido acima dele na figura A está agora radiopaco, conforme apontam as setas brancas. Ali foi feito um tampão apical de hidróxido de cálcio.

Chamo a atenção para o fato de que o dente está sob isolamento absoluto, com o grampo colocado no pré-molar, o que pode ser percebido pela asa do grampo apontada pelas setas pretas. Em ambas as figuras há imagem de lesão periapical.

Figura 4 C, D e E

Em C a obturação está concluída, com espaço vazio deixado para colocação de pino provisório. É nítido que a imagem da obturação foge dos padrões. As setas brancas indicam a presença do tampão apical de hidróxido de cálcio.

A radiografia em D foi feita 2 meses e 28 dias depois da obturação do canal em C. Ela foi feita com esse espaço de tempo justamente para mostrar que o hidróxido de cálcio não estava mais presente. O canal agora está vazio naquela porção final, como apontam as setas brancas. O tampão apical não existe mais.

Vamos ver essas imagens de D e E mais de perto na figura abaixo.

Figura 4 F e G

Aqui estão. A imagem em F é a mesma de D e em G a mesma de E, só que ambas, F e G, “pegando” somente a porção radicular e em tamanho maior.

A linha branca pontilhada em F mostra o espaço que tinha sido preenchido pelo tampão com hidróxido de cálcio e agora está vazio. Como se pode ver, é enorme esse espaço.

Se o insucesso do tratamento endodôntico se explica por eventuais pequenas falhas da obturação, daí a necessidade de vedamento hermético, aqui não estamos diante de pequenas falhas e sim de uma verdadeira “cratera”. Sendo assim, nenhuma chance de sucesso.

Segundo todos, isso mesmo, como está escrito (não é erro de digitação), segundo todos é por isso que o tampão apical não pode ser feito com hidróxido de cálcio.

Porque ele não veda, ele não “fica lá”, ele “desaparece” e deixa o espaço vazio.

Tem que ser feito, segundo todos, com MTA.

Observe agora as setas amarela e preta (ainda em F). Ambas apontam para a espessura da parede remanescente de dentina.

Vamos agora para a imagem em G. As setas brancas apontam para o fechamento de toda a porção que antes estava completamente aberta, cuja largura mesio-distal pode ser dimensionada pela linha branca pontilhada em F. Todo aquele espaço vazio, anteriormente ocupado pelo tampão apical de hidróxido de cálcio agora está vedado por tecido mineralizado formado pelo organismo.

É isso que se chama de selamento biológico.

Vamos juntos outra vez?

Se o tampão apical tivesse sido feito com MTA, você acha que ali teria ocorrido deposição de tecido mineralizado pelo organismo constituindo o selamento biológico?

Claro que não!

Por uma razão bem simples.

Ali, naquele espaço, estaria o MTA.

Você aprendeu em algum momento da sua vida que dois corpos não ocupam o mesmo espaço físico?

Se ali estaria o MTA, como ali o organismo depositaria tecido mineralizado?

Observe a espessura da parede de dentina apontada pela seta amarela.

Ela se alterou, ficou mais espessa?

Não.

Por que?

Porque ali está a obturação do canal.

Observe agora a espessura da parede de dentina apontada pela seta preta.

Ela se alterou, ficou mais espessa?

Sim, e como ficou.

Ali não tinha nem obturação de canal nem MTA.

Ali não tinha nada, estava vazio.

E existe agora tecido mineralizado formado pelo próprio organismo do paciente.

E ele, organismo do paciente, me mandou uma mensagem.

“Ronaldo, muito obrigado por não ter me agredido com material obturador jogado nos meus tecidos periapicais e por ainda me ter permitido, após o controle da infecção, formar um tecido que só eu sei formar”.

Posso lhe fazer uma pergunta?

Quando você acha que há mais chance de formar selamento biológico em casos assim, quando se usa o MTA ou quando se usa hidróxido de cálcio?

Só para lhe dar uma ideia, se é que isso tem alguma importância para os professores das redes sociais e dos cursinhos de especialização, é consenso que o selamento biológico é a melhor demonstração de reparo em Endodontia.

Sempre digo que é a melhor forma do organismo lhe agradecer; promovendo reparo pleno.

Isso é sucesso.

Sabe o que preciso fazer agora?

Vamos juntos outra vez.

Qual é a substância mais cara entre as duas?

Há algum interesse nisso?

Ao dizer que se usa, qual dá mais “status”?

Entende?

Vamos lá.

Se o tratamento falhar e você achar que pode e deve tentar outra vez, isto é, se houver necessidade de nova intervenção, ela será possível se o tampão apical tiver sido feito com o hidróxido de cálcio.

Se tiver sido feito com o MTA a abordagem terá que ser cirúrgica.

Sabe aquele quadro de “virtudes” do tampão apical lá em cima na figura 4?

Todas aquelas vantagens atribuídas ao tampão apical com MTA o hidróxido de cálcio também apresenta.

Todas.

Mas, a aquele quadro das “virtudes” do tampão apical eu acrescentaria duas vantagens do hidróxido de cálcio sobre o MTA.

Custo e reversibilidade do tratamento.

“Sabe qual é a mais nova de Ronaldo? Disse que o MTA não presta”.

Antes que alguém acometido pela Síndrome do Caranguejo diga isso, pergunto a você.

Estou dizendo que o MTA não é boa opção, não presta ou qualquer outra coisa nesse sentido?

Não.

Estou chamando a atenção para uma alternativa que em determinadas situações (veremos outras) possui as mesmas chances de sucesso, para a qual, não me pergunte porque, as cortinas foram fechadas.

Se você voltar lá em cima neste texto vai encontrar as seguintes frases:

Se o conhecimento não é gerado, não é difundido e se não é difundido não se toma conhecimento dele.

Sem que muitos percebam (muitas vezes nem eles), ensinam a usar o MTA e não a entender e tratar a patologia.

Por isso não consigo enxergar o avanço que tanto anunciam nos cursinhos de endodontia.

Mesmo sabendo qual é o conceito de avanço deles.

Daí a importância de trazer de volta uma questão que abordei no texto Qual é o nosso real tamanho?

Ao enaltecer as qualidades dos materiais tiram do foco a compreensão do problema por parte dos alunos.

Fazem acreditar que é o material o fator determinante do sucesso e não o controle de infecção.

O que, na verdade, estão fazendo esses “professores”?

Estão desensinando.

E assim seguirão, fazendo de conta.

“A maior desgraça de um país pobre é que, em vez de produzir riqueza, vai produzindo ricos. Poderia hoje acrescentar que outro problema das nações pobres é que, em vez de produzirem conhecimento, produzem doutores. Em vez de promover pesquisa, emitem diplomas. Outra desgraça de uma nação pobre é o modelo único de sucesso que vendem às novas gerações.
Mia Couto

Cada um escolhe seu caminho.

Sigamos o nosso.

E o nosso vai nos levar para o próximo texto sobre este tema.

MTA ou hidróxido de cálcio?

Por Ronaldo Souza

No texto Qual é o nosso real tamanho?, fiz essas colocações:

Criou-se um consenso sobre a necessidade e a imprescindibilidade de usar o MTA e todos passaram a acreditar que só resolverão “aqueles” casos se ele for usado.
O que, na verdade, estão fazendo esses “professores”?
Ao enaltecer as qualidades dos materiais tiram do foco a compreensão do problema por parte dos alunos.
Fazem acreditar que é o material o fator determinante do sucesso e não o controle de infecção.

Vamos ver isso de perto.

Desde que surgiu, o MTA passou a ser preconizado para praticamente todas as situações em Endodontia.

Também desde que surgiu, uma das vantagens atribuídas a esse material era a de que, além das características e ações químicas semelhantes às do hidróxido de cálcio, apresentava uma de natureza física; grande capacidade de selamento.

Característica que atenderia à eterna e injustificável crença do vedamento hermético.

Aliás, não faltou quem falasse em vedamento hermético proporcionado por esse material.

Estaria ali o grande diferencial que fazia do MTA o material de eleição para os males da Endodontia;

Vedamento.

Como poucas vezes visto, proliferaram-se artigos sobre esse material na literatura endodôntica.

Criou-se um consenso sobre a necessidade e a imprescindibilidade de usar o MTA e todos passaram a acreditar que só resolverão “aqueles” casos se ele for usado.

Rizogênese incompleta

Por qualquer razão que seja, quando a polpa de um dente com rizogênese incompleta entra em processo de necrose pulpar surge a necessidade de tratamento endodôntico.

A terapia clássica é a apicificação, ou seja, o tratamento que visa o fechamento apical.

Uma vez que, pela ausência de polpa viva, a continuação do desenvolvimento radicular não mais ocorrerá, trata-se o canal visando a remoção da polpa necrosada para possibilitar que tecido mineralizado seja depositado no final da raiz e assim promova o seu selamento.

Há, basicamente, duas situações que justificam este tratamento; trauma e cárie.

É muito comum que a interrupção do desenvolvimento radicular se dê por trauma.

Sendo assim, a polpa entra em necrose em função do rompimento do feixe vásculo/nervoso que, entrando no canal pelo forame apical, constitui a fonte principal de nutrição pulpar.

Observe que nesses casos não há envolvimento microbiano.

Para melhor compreensão dessa questão, deixemos de lado discussões sobre, uma vez que não há participação de microrganismos, como explicar a presença de lesões periapicais, tão comuns nesses casos.

Quem sabe venhamos a discutir em outro momento questões como a anacorese, como alguns autores tentam explicar essa ocorrência.

Por outro lado, quando a rizogênese é interrompida por necrose pulpar decorrente da cárie, aí sim não podem existir dúvidas quanto à participação de microrganismos.

Seja por uma razão, trauma, em que a contaminação do canal surge posteriormente, ou outra, quando ela já se faz presente desde o início como decorrência da cárie, tem sido atribuído basicamente dois papéis à terapia endodôntica; eliminação da infecção e vedamento do canal.

Controle de infecção

Não tem sido possível demonstrar a eliminação da infecção do sistema de canais radiculares via tratamento endodôntico.

Antes que alguém se apresse, muito menos pela cirurgia parendodôntica.

Por isso, seria recomendável que entendêssemos e adotássemos o conceito de controle de infecção. Além de racional e, na verdade, o possível de se alcançar, ele nos força a entender, aceitar e trabalhar com as limitações que a Endodontia nos impõe.

Como consequência, deveria também nos fazer entender que o tratamento endodôntico não deve ser a coisa mais simples do mundo como alguns querem fazer crer.

Uma vez que a partir da necrose pulpar o desenvolvimento radicular (rizogênese) é paralisado, ambos, volume do canal e espessura das paredes dentinárias, permanecerão como se encontram naquele momento.

Portanto, não mais haverá desenvolvimento radicular.

Por conta desse estágio de desenvolvimento radicular, dois fatores devem ser observados; o volume do canal e a espessura das paredes dentinárias.

Diante dos casos de dentes com polpa necrosada e rizogênese incompleta o canal era tratado com sucessivas trocas de hidróxido de cálcio até que ocorresse o fechamento apical, quando então era obturado.

Vamos reforçar?

Ocorre fechamento apical e não desenvolvimento radicular.

O tempo exigido para o fechamento apical é variado, a depender de alguns aspectos, entre os quais, como acabou de ser dito, o estágio em que se encontra o desenvolvimento radicular quando ocorre a necrose da polpa.

Fig. 1

Observe o incisivo central superior direito (11) na figura 1 A. Perceba que o canal é muito amplo, as paredes dentinárias se apresentam com pouca espessura e há uma lesão periapical. Perceba também a imensa abertura apical. Tudo isso é reflexo da necrose pulpar que impediu sua rizogênese.

Compare-o com o dente vizinho, o 21, e observe que este, com rizogênese em pleno andamento, exibe desenvolvimento radicular dentro dos parâmetros normais. O canal, ainda que também volumoso, apresenta-se com paredes dentinárias bem mais espessas.

Já em tratamento, pode-se observar o canal totalmente preenchido com hidróxido de cálcio (imagem em B).

Com o tratamento realizado (apicificação), pode-se observar em C que não há mais lesão periapical. A seta aponta para a formação de uma “barreira” de tecido mineralizado a cerca de 2 mm aquém do ápice radicular.

O canal está pronto para ser obturado.

Abro um breve parêntese para dizer que este é um dos três tipos de fechamento apical encontrados pelo professor Holland e seu grupo em Araçatuba.

Fig. 2

Na figura 2 A acima, a seta preta e a linha preta pontilhada mostram respectivamente o local onde se formou a barreira de tecido mineralizado e a amplitude da abertura apical no trabalho de Holland e seu grupo. A seta branca e a linha branca pontilhada em B mostram a mesma coisa no caso clínico.

Com o tempo a mineralização que formou a barreira ocupará todo o espaço “vazio” entre ela e o ápice radicular. A isso se dá o nome de selamento biológico.

Por conta do tempo necessário para promover o fechamento apical, a demora do tratamento sempre trouxe um inconveniente; o risco de fratura do dente.

Veja agora a figura 3.

Fig. 3

Mais uma vez, observe em A que o desenvolvimento radicular que se vê no 11 não ocorre no 21, reflexo da necrose pulpar. Nele também se percebe que o volume do canal é consideravelmente maior. Além disso, perceba a intensa reabsorção que destrói todo o delineamento apical e a presença de lesão periapical.

O tratamento instituído foi o mesmo do caso anterior. Em B podemos ver o canal também totalmente preenchido com hidróxido de cálcio. Renovações da medicação foram feitas de acordo com as necessidades desse caso.

A paciente “sumiu” do consultório e quando voltou apresentou o quadro visto em C. Pelo tempo que levou afastada, já não há mais hidróxido de cálcio (o canal está vazio) e o dente está com fraturas múltiplas. A seta preta aponta para uma lesão lateral que se manifesta como consequência da fratura.

Entretanto, apesar desse panorama, perceba que a lesão periapical já se apresenta bem menor e, o mais importante, um novo delineamento radicular apical já se manifesta claramente (setas brancas). As setas apontam para o espaço do ligamento periodontal contornando todo o ápice radicular.

São evidentes os sinais de que este caso caminhava para o sucesso, no entanto, por conta da fratura o dente teve que ser extraído.

Fraturas como essa, sem dúvida, foram fatores determinantes para mudanças no tratamento desses dentes.

É o que veremos no próximo texto.