Nós e o Tempo

Por Ronaldo Souza

Em peças publicitárias muito divulgadas nesses últimos dias, a atriz Denise Fraga dá um show de interpretação e nos convida a pensar sobre o tempo, chamando a atenção das pessoas que “ouvem” na velocidade 2.

Há uma geração com pressa. Qualquer coisa escrita com mais de cinco linhas é chamada de textão, um texto grande demais. Qualquer coisa que seja um pouco mais longa é descartada. Nem mesmo um vídeo, que é algo mais dinâmico, resiste. Assim, tudo se modifica e se adapta ao desejo deles.

O que querem? Para onde querem ir?

Não percebem, claro, mas não irão a lugar algum. É como uma vitória de Pirro, expressão usada na antiguidade, como algo que se imagina ser uma vitória quando, na verdade, representa uma derrota.

Essa deterioração vai em todas as direções, mas, uma particularmente afetada é a área da Saúde. Tudo está sendo atropelado em nome dessa geração e as consequências virão mais rapidamente do que se pode imaginar.

É muito triste vê-los desrespeitarem a profissão e a especialidade que escolheram, induzidos que são por uma formação interesseira e absolutamente equivocada. Tornam-se incapazes de compreender coisas simples. Por exemplo. Se seus filhos, filhas, netos e netas precisarem de um tratamento endodôntico serão atendidos por esses profissionais forjados nessa perspectiva, profissionais que também desprezaram os “textões”, desprezaram professores, aulas e vídeos que ainda tentavam preservar o mínimo de respeito e compromisso com a Endodontia.

Incapacitados por um ensino que ao longo do tempo sofre mutilações ao sabor das conveniências, também não compreenderão que cardiologistas, pneumologistas, gastroenterologistas, todos os “istas” que atenderão seus filhos, filhas, netos e netas também terão sido forjados nessa mesma perspectiva, porque também fizeram e fazem parte dessa mesma geração que foi embalada pelo desprezo ao conhecimento. Pela mesma linha de raciocínio, eles serão os dentistas dos filhos, filhas, netos e netas desses “istas”.

Juntos, serão peças importantes desse processo de deterioração e os pacientes serão as suas maiores vítimas. Mas toda a sociedade será vítima.

Nada será percebido, simplesmente porque desconhecerão o que estará acontecendo. Como perceber algo errado se desconhecemos o certo?

E as instituições de ensino, o que farão?

O que já fazem; preservar os alunos, porque dependem deles.

E os professores?

Por razões diversas, muitos já estão devidamente engajados nesse processo e sob essa cartilha de tamanha pobreza de imaginação continuarão preparando os alunos para os seus cursos de atualização, aperfeiçoamento, especialização…

O show tem que continuar.

Denise Fraga, publicidade da Vivo

Um olhar sobre a vida

Por Ronaldo Souza

De maneira cíclica, há momentos em que a raça humana parece estagnar ou até mesmo retroceder. Na sua sabedoria, o povo define isso à sua maneira: “dar um passo para trás, para dar dois para a frente”.

Os registros desses momentos na história mostram que eles costumam perdurar por bom tempo.

Pela sua atuação como atriz, Angelina Jolie, que dispensa apresentações, já tinha um Oscar e diversos outros prêmios que deram a ela muita notoriedade e dinheiro.

Entretanto, diferentemente de inúmeros outros artistas mundo afora, ela lançou um outro olhar e viu a vida de outra forma.  

Veja que coisa encantadora. Pela sua obra humanitária, em 2013 Angelina Jolie ganhou o seu segundo Oscar.

Para a raça humana, qual será o Oscar mais importante?

Vem do site “Nome Perfeito” uma definição bem interessante:

“Angelina é um nome de origem latina que significa ‘pequeno anjo’ ou ‘pequena mensageira’.

A simbologia do nome Angelina é de anjo, representando pureza e lealdade. Angelina indica uma personalidade comunicativa, fiel aos seus amigos e ideais, amante da justiça…”

São coisas assim que me fazem cada vez mais acreditar firmemente que, apesar de eventuais tropeços, o destino da humanidade é sempre avançar.

Sobre isso, não pode haver nenhuma dúvida.

Na entrega da famosa estatueta, ela fez o discurso que você pode ver no vídeo.

A lágrima

Imagem retirada do Google

Por Ronaldo Souza

Éramos muitos, todos sentados à mesa

Pessoas, vozes, sons, uma coisa só

Em determinado momento, todas as pessoas, vozes, sons, haviam desaparecido

Estavam ali, presentes, mas haviam desaparecido

Estávamos sós

Eu e ela

Uma mulher

Linda, ouvinte, paciente

Enigmática

Encantadora

Quando dei por mim, estava me entregando

No seu silêncio, ela me envolvia

Naquele momento, o meu ser era tudo que eu tinha para dar

Ela percebia e me envolvia mais ainda

Meus medos, inseguranças, fantasmas… tudo ia sendo mostrado, como se ela já não os conhecesse

Fui me vendo, o homem

Nada mais, nem ninguém, estava ali

Só eu e ela

Irresistivelmente, sem pudor, o meu “eu” se mostrava, como se o Sol tivesse me invadido e, sob a sua luz, tudo estivesse exposto

Parecia não haver nenhuma parte da minha alma que não estivesse à mostra

E então, serenamente, ela debruçou o seu rosto sobre a mesa

Assustei-me um pouco quando vi que uma lágrima lhe correu pela face

Mas, antes de qualquer reação da minha parte, abriu-se um sorriso

Um discreto sorriso, belo e acolhedor, como eu jamais tinha visto

Só aí me dei conta de que estivera conversando com a Vida

Com a minha vida

Fazendo-se representar pela alma feminina, ela resolvera conversar comigo

E, só aí, também percebi que aquela lágrima e aquele sorriso eram uma mensagem

– Tenha calma, fique em paz. Está tudo bem

Sorri

E me pareceu ser o meu melhor sorriso

E uma paz enorme tomou conta de mim.

A noite da delicadeza

Por Ronaldo Souza

O dia a dia é capaz de nos embrutecer, ainda mais quando vivemos num país em que a maior parte da população encontra grandes dificuldades para sobreviver.

As condições socioeconômicas geradas por muitos dos nossos dirigentes têm sido a grande causa dessa condição.

Nesse sentido, entretanto, não se pode esquecer do papel desempenhado pelas elites de nosso país. Tradicionalmente, elas têm exibido uma postura selvagemente cruel e destruidora das mínimas condições de sobrevivência para boa parte da nossa sociedade.

No entanto, apesar desse casamento duradouro entre elites e políticos, não se tem registro de outro momento igual ao que vivemos.

Há algum tempo, não se trata mais de política.

Inegavelmente, e somente a história nos mostrará isso com mais clareza, vive-se a bestialização da sociedade brasileira.

Entre outras coisas, momentos como o atual se caracterizam pelas seguidas tentativas de destruição da cultura do povo.

A inteligência, a sensibilidade e o conhecimento são os primeiros e mais importantes alvos. A ignorância sai à caça de intelectuais, artistas, pensadores, poetas, professores…

E são justamente eles que nos salvam.

Comemorando os 80 anos de Caetano, parte da família Veloso se reuniu ontem à noite, domingo, 07 de agosto de 2022, em um show que não foi um show.

Mesmo aos olhos de um anônimo perdido entre os mais de 200 milhões de brasileiros, não houve um espetáculo impecável, de consagração artística.

Via-se, por exemplo, uma Betânia mais contida e tímida e não aquela que tem nos arrebatado pelos palcos do país ao longo dos anos. O próprio Caetano parecia demonstrar uma certa timidez que não lhe é peculiar.

Mas foi, sim, uma noite de estrelas.

Não as do palco, mas as que brilharam no nosso Céu.

Foi destaque algo que sempre mereceu destaque; a genialidade do artista, com a força da irmã e a musicalidade dos filhos.

Mas também estava lá, a contundência do poeta.

E o povo negro entendeu que o grande vencedor se ergue além da dor”.

No entanto, muito mais do que isso, estavam no palco a leveza e a sensibilidade, tão ausentes de nossas vidas nesses últimos tempos.

Pelo menos por uma noite, voltamos aos tempos da delicadeza.

Obrigado, Caetano.

“A geometria condena”

Por Ronaldo Souza

– Presidente, o senhor escala seus generais e ministros. Eu escalo o meu time!

Foi assim que João Saldanha cortou qualquer possibilidade de interferência de Médici na Seleção Brasileira, que iria à Copa do Mundo no México em 1970.

O general Emílio Garrastazu Médici, um dos presidentes do Brasil no período da Ditadura, queria a todo custo que Dario, ídolo do general e centroavante do Atlético Mineiro, fosse convocado para a seleção.

Não dava. Simplesmente, não havia espaço para ele naquele time.

Gaúcho radicado no Rio, jornalista, comentarista de futebol, valente, destemido…, Saldanha sabia que aquela atitude poderia lhe custar caro. Homens como ele sabem dos riscos que correm por assumirem suas posições.

Não temem traições, na essência da palavra, porque sabem que elas virão, de uma forma ou de outra. Têm a devida noção de que, na verdade, não precisam ser “traídos”. Nessas horas, basta que falte apoio (traição branca). Não ignoram que o apoio será negado, mesmo por aqueles que se criaram à sua sombra.

Essa tem sido e será a história de muitos, famosos ou anônimos, que ousaram ou ousam ser.

É A condição humana (clique no título ou aqui para ler).

Aonde quer que fosse, onde quer que estivesse, Saldanha se destacava. Seu talento, inteligência e facilidade de expressão e comunicação eram inquestionáveis.

Ele sabia.

E sabia que isso incomoda.

Entre os inúmeros momentos em que sua inteligência se manifestou, houve um em particular.

Comentando um lance em que um jogador de futebol tentara fazer o gol, “impossível” pela posição em que ele estava na hora do chute, Saldanha brilhou ao microfone:

– Meu filho, daí a geometria condena!

Idas e vindas, Saldanha foi “aposentado”, deixou de ser o técnico da seleção brasileira que iria para o mundial do México.

Não existia mais a Seleção do Saldanha, como ficara conhecida.

Zagalo assumiu.

Dario foi convocado!

Não argumentem a favor de Dario com o fato de que o Brasil foi campeão mundial. Com todo respeito, ele não jogou nem por um minuto na Copa do Mundo de 1970.

Utopia e Paixão

Por Ronaldo Souza

Enquanto escrevia Utopias e Desejos, lembrei-me de imediato de Roberto Freire; psiquiatra, jornalista, diretor de teatro e escritor, que criou a terapia denominada Soma; a Somaterapia.

Acho que li praticamente todos os livros de Roberto Freire: “Cleo e Daniel”, “Coiote”, “Ame e dê vexame”…, mas os livros dos quais me lembrei no momento citado foram “Utopia e Paixão” (título deste artigo) e “Sem tesão não há solução”.

A utopia está incorporada ao poeta, artista, filósofo, escritor…, faz parte da vida deles.

Mas, engana-se quem pensa que só faz parte da vida deles!

Quando perguntei no referido texto (Utopias e Desejos) “É possível viver sem utopia?”, já dei à pergunta uma conotação que insinuava que não, não é possível viver sem ela. Para logo em seguida dizer que “mesmo estando incorporada à vida, utopia é algo que muitas vezes foge da compreensão”.

Veja o belo depoimento de Eduardo Galeano, escritor uruguaio, autor de “As veias abertas da América Latina”.

Era admirável a paixão de Paulo Freire pelo ensino/aprendizagem, o que o tornou um educador respeitado, admirado e referência em todo o mundo.

De uma certa forma, o ensino/aprendizagem idealizado por Paulo Freire é uma utopia.

Utopia é paixão!

Ensino/aprendizagem é paixão.

Algumas palavras perderam importância e peso, de tanto que têm sido utilizadas com absoluta ausência de significado real. Tornaram-se um imenso vazio e cairam na vala das banalidades.

Amigo é uma delas.

O sentimento que nos faz realmente amigos é forte demais e nada tem a ver com a conotação que se dá há muito tempo à palavra. Que o diga o significado mais recente; o das redes sociais, onde todos são… amigos!

Banalizado também está o amor que se diz ter pela profissão/especialidade.

Sempre me causou arrepios ouvir em reuniões “amo meus alunos” e ouvir e ver coisas diferentes fora das “câmeras e microfones”.

Amo isso, amo aquilo e, diante da primeira oportunidade, num estalar de dedos, abandona-se isso e aquilo.

Estamos realmente precisando de cursos de harmonização. Almas e corações estão em desarmonia!

O que significa para o ensino, por exemplo, o pedido de redução de carga horária de um professor?

Dar aulas não nos transforma automaticamente em professores.

Ser professor é algo muito maior.

Não são muitos os que compreendem Paulo Freire e sua paixão pelo ensino.

Só trilha esse caminho, como diz Eduardo Galeano, quem sonha, quem delira, quem tem paixão, quem faz da utopia a sua forma de caminhar.

Sem tesão não há solução!

Utopias e Desejos

Por Ronaldo Souza

Independentemente de eventuais divergências e concordâncias com as opiniões de um autor, a importância dele tem muito a ver com a sua capacidade de iluminar caminhos. Alguns vão além e se tornam mestres em ampliar/abrir novos caminhos e mostrar novas possibilidades.

Assim também é com o professor.

Ocorre que essa característica só se torna possível quando o professor/autor identifica e assume os riscos de mudar o que existe, muitas vezes, já consagrado pelo tempo.

Ganhei recentemente de minha mulher mais dois livros, ambos de Rubem Alves.

Rubem Alves é inspirador e boa parte de sua escrita é dedicada às coisas do ensino.

Em “Ostra feliz não faz pérola”, um desses livros, deparei-me com o texto abaixo, cujo título é “Desejos”. 

Quem irá concordar ou divergir do desejo dele?

Talvez não seja o que mais importa, mas, sim, o que ele será capaz de despertar em cada um de nós.

Desejos podem ter origem nos sonhos, nas utopias, e estas costumam ser vistas de forma pejorativa nesse mundo onde reina o pragmatismo.

É possível viver sem utopia?

Mesmo estando incorporada à vida, utopia é algo que muitas vezes foge da compreensão. 

Por essa razão, e sabendo que falarei disso em outro momento, resolvi dar o título “Utopias” a este meu breve texto de introdução ao “Desejos”.

Utopias e desejos andam juntos.

Veja Rubem Alves.

Desejos

Por Rubem Alves

Quero viver muitos anos mais. Mas com alegria. Quero ter forças para travar as batalhas que julgo importantes! A preservação da Amazônia! Viver com mais sabedoria! Entre a multidão dos meus desejos para a educação, elejo como minha prioridade acabar com os vestibulares. Os vestibulares são, a meu ver, a coisa mais estúpida que estraga a educação. Não me importam os vestibulares como processo seletivo para a entrada nas universidades. Importa-me o que eles fazem com todo o processo escolar que os antecede. Em primeiro lugar, eles são inúteis. Os supostos saberes exigidos para os malditos exames estão condenados ao esquecimento. Eu não passaria nos vestibulares, nossos reitores não passariam nos vestibulares, os professores de cursinhos não passariam nos vestibulares. Os especialistas em português tombariam diante dos problemas de física e química. Os professores de física e química tombariam diante das questões de análise sintática. Memória ruim? Não. Memória inteligente. A memória inteligente sabe esquecer o que não faz sentido. E a desgraça é que as escolas, desde o seu início, vivem sob a sombra do grande bicho-papão. Quem determina os saberes a serem sabidos são os professores que preparam as questões para os exames. E, então, as questões fundamentais da educação, da formação humana dos alunos, são enviadas para o porão. O prazer da leitura? Quem pensa que leitura dá prazer quando ela é obrigatória? Não existe forma mais rápida de fazer um aluno detestar a leitura que fazer dela um dever de que se terá de prestar contas. A apreciação da música, a educação dos sentidos, a curiosidade vagabunda… Tudo é deixado de fora. Tanto sofrimento para nada – porque tudo é esquecido. Além de inúteis são perniciosos, porque criam hábitos mentais tortos. Para cada pergunta há uma resposta correta! Mas na vida  não é assim! Nem na ciência. A ciência se faz com uma infinidade de erros. Sem os vestibulares, as escolas estariam livres para realmente educar. Quero o fim dos vestibulares. Mas que processo os substituiria? Minha sugestão: um sorteio… Loucura? Parece, mas não é.

A condição humana

Por Ronaldo Souza

Recém formado, eu estava no Clube dos Médicos num domingo qualquer. A razão da minha presença ali era um grande amigo, amigo irmão, médico, radiologista.

Um grupo de médicos falava de um colega radiologista, recentemente falecido, reconhecido como grande profissional e maior radiologista da Bahia (assim mesmo, sem deixar qualquer margem de dúvidas sobre a sua competência). Rasgavam-se elogios a ele.

Era o pai do meu amigo médico.

De repente, um deles, também radiologista, diz:

“Era excelente! Com a morte dele, a Clínica… acabou; ele era a clínica. Agora acabou”.

Ali do lado, ouvindo tudo, mas sem participar da conversa, “parei”!

A clínica em questão era composta de quatro radiologistas e aquilo dele ser o grande nome da clínica era verdade. Portanto, até aí, nada de errado.

Aparentemente!

Na verdade, o que tinha acabado de ser dito não era um elogio, ou era, no mínimo, um elogio enviesado.

Pela primeira vez, eu era surpreendido pelo meu senso de observação e percepção e pelo que depois vim a ver com um pouco mais de clareza: o conhecimento que já demonstrava ter do ser humano, para mim um conhecimento surpreendente, até pela pouca idade.

Aquele elogio, certamente, encantou todos os médicos ali presentes. Um profissional elogiar com tanto entusiasmo um colega “rival”, que brigava pelo mesmo mercado não é algo comum de se ver.

Não somos tão grandes!

Por se tratar do pai de um amigo irmão, eu sabia de alguns detalhes daquela relação.

Aquele médico sabia que ele realmente era o melhor, mas não externou a sua opinião por conta disso. Ele o fez, em primeiro lugar, porque ele já tinha falecido, claro. Há pessoas que apresentam dificuldade de elogiar em vida, para elas não é simples assim. Em segundo, foi feito mais como uma forma de destruir aquela clínica, que era, sim, a melhor, graças ao pai do meu amigo, do que como forma de elogio.

Aos 25-26 anos, acho que por aí, eu começava a aprender como pode funcionar a vida. Mesmo o elogio nem sempre tem boas intenções.

Duro, triste e cruel, mas, lamento, verdade. 

Às vezes, você é marcado desde cedo para ver “a vida como ela é”, como dizia Nelson Rodrigues.

E vai descobrindo que o reconhecimento pelo trabalho e o eventual consequente elogio existem na proporção do quanto aquela relação (alguns chamam de amizade) ainda pode oferecer. Quando a fonte dá a sensação de ter secado e as chances de ainda render alguma coisa parecem ser mínimas, tudo vai se tornando evidente, ainda que o “amigo” não perceba.

A intensidade do golpe é mais sentida por quem recebe, não por quem dá.

Quando, até por gratidão (que costuma incomodar a consciência), ainda há espaço para um gesto, uma reverência, são feitos de forma comedida e geralmente em off, como se diz por aí! Em público, nem pensar, não é inteligente. No máximo para três ou quatro pessos, e, mesmo assim, de forma contida. Aquele do Clube dos Médicos, por exemplo, só existiu porque o beneficiário já não oferecia “riscos” aos reais objetivos de quem elogiou.

Terminei o ano velho e comecei o novo lendo um  livro, uma biografia, um dos presentes de Natal que as minhas filhas me deram.

Adorei!

Gosto de biografias. Fazem-me conhecer melhor a história de grandes homens e mulheres.

Alguns deles conseguem grandes e duradoras amizades e isso é sensacional. Mas, mesmo eles, nem sempre escapam do afago que vai na onda do quanto aquela relação (às vezes realmente parece amizade) ainda pode oferecer. 

Talvez caiba aqui um parêntese. Grandes e duradoras amizades não devem ser confundidas com grandes e duradoras convivências.

É um São Francisco enviesado e cruel: “é dando que se recebe!”.

Nada a dar, nada a receber!

Lembra de Nelson Rodrigues?

A vida como ela é.