Um metalúrgico presidente ou um presidene metalúrgico?

Todos temos os nossos segredos. Alguns, contamos para os amigos. Alguns, só para o melhor amigo. Outros, só para nós mesmos. Mas, existe um tipo de segredo da nossa personalidade que nem para nós mesmos contamos. São aqueles que não queremos aceitar. Costumo dizer que são os nossos pontos escuros. São os sentimentos que sabemos existirem, mas que nos trazem desconforto.

Convivemos socialmente à custa de sentimentos nobres; carinho, afeto, dedicação, amor, compreensão, solidariedade… Nos momentos de discussão, de ira, veem à tona sentimentos menores, porém reais; indiferença, incompreensão, ódio, vingança. Instintos mais primitivos que teimam em escapar do nosso controle. O homem é assim.

Voce vê alguém dizer, sou ladrão, sou cruel, sou um assassino (em potencial)? Se alguém, em momento de extrema ira, diz eu vou lhe matar e aquela pessoa morre, o que disse pode se tornar o primeiro suspeito, quando na verdade, foi só o desabafar de uma mágoa, ele “jamais” concretizaria o dito no momento da ira.

Não é politicamente correto, e muito difícil de ser visto, expor os sentimentos menos nobres. Você é racista! Não, não sou não, inclusive tenho vários amigos pretos. Às vezes na frase, em como ela é dita, já está lá. Isso é compreensível (aceitável é outra coisa), afinal, socialmente, não devemos ser o que somos, mas o que precisamos ser. Somente isso pode explicar muitas coisas à nossa volta.

Como nação, há um sentimento antigo, enraizado, que parece fazer parte do nosso DNA. Somos um país de terceiro mundo. Paciência, é o Brasil, aqui é assim. Se fosse nos Estados Unidos…

Um breve parêntese. A indústria da seca, como ficou conhecida a miséria no nordeste brasileiro, sempre foi lucrativa para muitos. Mas, além desse plano, foi um processo tão longo, tão devastador e motivador de anos de migração para as pessoas dessa região, que criou uma sub-raça, uma raça inferior. Uma raça sobre a qual incide um preconceito que não se explica. Para isso, pasme, até o sotaque contribui. Fecha o parêntese.

Por incrível que possa parecer, esse mesmo comportamento pode ser observado em boa parte das elites brasileiras. Os destinos do terceiro mundo, onde há séculos está inserido o Brasil, devem ser resolvidos pelo primeiro mundo. Não nos cabe decidir sobre o nosso destino. Sempre foi assim. Quem é o Brasil para determinar o seu próprio futuro? Autonomia é algo a que não temos direito. Muito menos opinar sobre as coisas do mundo.

Todos os que têm o hábito de viajar pelo mundo sempre afirmaram que ao dizer a senha “sou do Brasil” vinha de imediato a identificação: ah! Pelé, carnaval, samba. A alegria reinava. A isso se limitava o reconhecimento internacional do Brasil. E todos voltavam satisfeitos. Com a bagagem cheia de compras.

As mudanças ocorridas têm permitido um posicionamento diferente do Brasil, que saiu da condição de mero coadjuvante, sem nenhuma importância, para a de protagonista. Para citar uma delas, de devedor do FMI passou a credor, algo jamais visto na nossa história.

A mobilidade social causou admiração em toda a comunidade internacional. Mais de trinta milhões de brasileiros saíram da miséria e outros mais de vinte milhões migraram das classes D/E para a C (dados oficiais do IBGE).

Naquela que é considerada a maior crise internacional dos últimos 80 anos, o Brasil foi apontado como o último país a entrar e o primeiro a sair dela, como uma prova da força da sua economia. O seu presidente tem sido destacado pelos mais importantes jornais e revistas do mundo e comunidade internacional como um dos estadistas mais importantes e influentes da atualidade.

Veja o que diz o inglês Jim O’Neill, economista-chefe do banco norte-americano Goldman Sachs (ganhou notoriedade mundial ao criar, em 2001, o termo Bric, grupo de economias emergentes formado por Brasil, Rússia, Índia e China) sobre as eleições de 2010. “É fundamental que, independentemente de quem ganhe, o novo presidente mantenha o sucesso de atingir as metas para a inflação e tenha a mesma habilidade notável do Lula para se envolver com todos os espectros da sociedade”.

(Quase) todo mundo sabe que o governo do Sr. Fernando Henrique Cardoso sempre contou com o apoio total e irrestrito da grande (?) imprensa e por ela ainda hoje é blindado. (Quase) ninguém sabe, mas a blindagem ao candidato dele, o Sr. José Serra, é muito maior. (Quase) todos conhecem as razões para isso.

Recentemente foi divulgada pela grande (?) imprensa a queda na linha de miséria no país. O Jornal Nacional deu com grande ênfase: Caiu a linha de miséria no Brasil. Segundo dados da Fundação Getúlio Vargas, apoiados em indicadores do IBGE, desde 1995 a miséria vem caindo no país.

Vamos aos fatos. A notícia só é verdadeira quanto ao fato de que são dados oficiais levantados pela FGV em cima de indicadores do IBGE, mais nada. Veja aqui a verdade.

Vamos só reavivar a memória. Por causa do impeachment de Fernando Collor de Melo, Itamar Franco assumiu a Presidência da República de 29 de dezembro de 1992 a 31 de dezembro de 2004. Fernando Henrique Cardoso assumiu no dia 1 de janeiro de 1995 e governou até dezembro de 1998 e foi reeleito, governando de 1999 a 2002 (dezembro). O atual presidente passou a governar de 2003 a 2006, quando foi reeleito, e o segundo mandato vai de 2007 até os dias atuais.

Percebeu nos dados da FGV/IBGE que de 1992 a 1994 (Itamar Franco) houve realmente uma queda na linha de miséria? De 1995 a 2002 (Fernando Henrique Cardoso) ela
se manteve estável e voltou a cair de 2003 a 2009 (atual governo). Deve ser lembrado que aí não estão computados os dados de 2010, ano em que houve forte reaquecimento da economia brasileira e que se estima um PIB acima de 9% (IBGE), recorde absoluto em toda a história do país e que deverá ser o 2o ou 3o do mundo.

Um metalúrgico presidente, prova inconteste do amadurecimento da nação e de sua democracia. Ao escravo era dado o direito de acesso à Casa Grande. Era importante para o momento da história, a abolição da escravatura. Chamava a atenção do mundo, era até folclórico (um novo Lech Walesa*). Não sabia ele que a sua permanência não era o que tinha sido traçado pelos senhores da Casa Grande. Um metalúrgico presidente, sim, um presidente metalúrgico, não.

O texto abaixo corresponde a uma enquete feita pelo Valor**.
 
O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi bom para o setor empresarial e será lembrado como um período de forte crescimento do setor produtivo, segundo empresários e dirigentes de grandes grupos industriais. Em enquete realizada pelo Valor na terça-feira, na entrega do prêmio "Executivo de Valor 2010", todos os que responderam à sondagem informaram que suas empresas cresceram de forma significativa nos últimos oito anos. Dos 142 empresários que participaram da pesquisa, nenhum disse que nesse período sua companhia estagnou ou encolheu. No entanto, a maioria pretende votar na oposição na eleição presidencial de outubro. José Serra (PSDB), ex-governador de São Paulo, recebeu 78% dos votos. A candidata do presidente Lula, ex-ministra Dilma Rousseff, teve 9% das intenções de voto. A pré-candidata do PV, senadora Marina Silva, conquistou 5,6% dos votos e o deputado Ciro Gomes, do PSB, teve apenas um voto, 0,7% do total.

O governo Lula é bem avaliado, segundo a sondagem: 52,8% consideram a gestão ótima ou boa e três em cada quatro empresários disseram que suas companhias ganharam muito no governo Lula. Apenas 6,3% classificam a administração como ruim ou péssima. A visão positiva em relação ao governo, entretanto, ainda não foi convertida em intenção de voto para a petista. Entre os que informaram que suas empresas cresceram muito, Dilma recebeu 9,3% dos votos e Serra, 79,4%.

Clique aqui para ver a veracidade da informação em “O voto dos empresários” no Valor on line, mas você vai ver que é só para assinantes. Aqui você consegue ler o texto, no Luis Nassif on line.

Você acha difícil explicar o voto dos empresários?

Apesar de todas as mudanças no panorama nacional e de todo o reconhecimento internacional, o homem que está à frente do processo, em cujo governo todas essas mudanças ocorreram, tem sido frequentemente insultado, desrespeitado. Na Internet proliferam e-mails tentando ridicularizar a sua figura. Em nenhum momento, a sua justa indignação jamais chegou perto da virulência com que tem sido atacado.

Jamais um homem, que por coincidência é o Presidente da República, foi tão humilhado. Por que será?

São os nossos pontos escuros falando mais alto.

 

* Lech Walesa – Operário polonês que se tornou presidente da Polônia (1990-1994) e não foi bem sucedido.
** Valor (Econômico) – Jornal sobre economia, tido como a mais completa cobertura sobre economia, negócios e investimentos do país.

O que diz o IBOPE?

Na campanha para a presidência da república de 1955, o candidato do Partido Social Democrata (PSD) sofreu uma infinidade de pressões por parte das oposições, principalmente da União Democrática Nacional (UDN). Essas pressões, entretanto, não deram resultado e no dia 3 de outubro de 1955, o candidato daquele partido era eleito Presidente do Brasil.

Tratava-se de Juscelino Kubitschek*. Você que é muito jovem talvez não saiba; foi o homem que construiu Brasília. Ele e Getúlio Vargas são considerados os dois maiores Presidentes do Brasil.

Ficou famosa a frase de Roberto Marinho, fundador e proprietário da Rede Globo: “Juscelino não pode ser candidato. Se for, não pode ser eleito e se for eleito não pode governar”.

Foi eleito, governou o Brasil e atribui-se a ele um dos períodos de maior desenvolvimento do país.

A história contemporânea tem registrado a dificuldade que a Rede Globo sempre teve de conviver com governos tidos como progressistas. A sua própria história mostra o porque dessa dificuldade (se você quiser saber como ela se transformou rapidamente no império que é hoje, clique aqui. É um arquivo pesado [645.1 MB] e o nome é Cidadão Kane).

Outro episódio famoso ocorreu com a eleição de Leonel Brizola para governador do Rio de Janeiro. Naquela oportunidade, as ligações de sempre voltavam a acontecer mais uma vez e, entre elas, estava a união do Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (IBOPE) com a Rede Globo. Foi um escândalo.

Você já deve ter percebido alguns exemplos de candidatos que “perdem” em todas as pesquisas, chegam às eleições como perdedores e ao final das apurações, saem eleitos. Um dos casos mais vergonhosos aconteceu na Bahia. Até o dia da eleição (03/10/2009), segundo o IBOPE, Paulo Souto (candidato de ACM) seria o vencedor no primeiro turno. Com as apurações, de fato a eleição foi decidida no primeiro turno, mas o eleito foi Jacques Wagner, candidato do PT.

Mas, provavelmente, o mais escandaloso foi a eleição de Brizola. Na sua reeleição o IBOPE (lá vem ele de novo) dava a derrota de Brizola como certa. Brizola ganhou (e ainda tentaram manipular os resultados). Em seu segundo mandato como governador do Rio de Janeiro (15/03/1991 a 02/04/1994), tantas foram as vezes em que os fatos foram manipulados e distorcidos, que ele obteve o famoso direito de resposta à Rede Globo (veja aqui).

Acusado de ter apresentado algumas pesquisas com resultados esquisitos para a atual campanha (juntamente com o Data Folha, do jornal Folha de São Paulo)**, o IBOPE está aí novamente. No ano passado, o Sr. Carlos Augusto Montenegro (presidente do IBOPE) disse que a candidata Dilma Roussef jamais passaria de 15% da intenção de votos na campanha para Presidente do Brasil. Parece que mudou de opinião. Veja o que ele diz em recente reportagem ao jornal O Globo (Rede Globo).

SÃO PAULO – O presidente do Ibope, Carlos Augusto Montenegro, disse nesta terça-feira em São Paulo que a eleição presidencial deste ano pode ser decidida no primeiro turno, tanto em favor da candidata Dilma Rousseff (PT) quanto de José Serra (PSDB), que apresentaram empate em 37% das intenções de voto em pesquisa divulgada pelo instituto no último final de semana. Na sua avaliação, a candidata do PV, a senadora Marina Silva, que teve 9% na mesma pesquisa do Ibope, será decisiva para a realização do segundo turno.

– Marina é uma boa candidata, uma pessoa diferente. Não sei se vai ter estrutura, tempo de televisão, para chegar perto dos primeiros. Pode ser uma surpresa. Acho que ela pode crescer com a ajuda da internet, da juventude, com a ajuda de uma série de coisas. Ela certamente vai ter um papel importante, podendo levar a eleição para um segundo turno. Caso ela fique estacionada ou caia um pouco, as pessoas tentem aplicar um voto útil ou tentar resolver a eleição logo, essa eleição pode sim ser decidida no primeiro turno para um lado ou para o outro – disse Montenegro.

Em café da manhã com empresários do Grupo de Líderes Empresariais (Lide), o presidente do Ibope disse que dois terços do eleitorado já estão "radicalizados" e decididos entre Dilma e Serra, mas um terço ainda não definiu o voto, o que só deve acontecer depois da Copa do Mundo.

– Um terço já se posicionou a favor da Dilma, um terço a favor do Serra e acho que tem um terço, menos radical, mais tranquilo, que já votou no Fernando Henrique, já votou no Lula, que está atento a todos esses detalhes, a currículo, a postura, a carisma, credibilidade, propostas de governo, continuidade do governo. Esse pessoal vai analisar depois da Copa do Mundo e é esse pessoal que vai decidir a eleição.

Candidato precisa mostrar "preparo", diz Montenegro

Montenegro, que havia declarado à revista "Veja" no final do ano passado que o Brasil não elegeria um "poste" e que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva não faria seu sucessor e, ainda, que Serra era o favorito, reformulou sua afirmação dizendo que o candidato precisa, além do apoio presidencial, "mostrar preparo".

– Disse que ele não elegeria um poste. E continuo achando isso. O que é eleger um poste? O Brasil, antes da reeleição, tinha mandatos de quatro anos – justificou, explicando ainda mais: – Quando falava que não elegeria um poste, era até acreditando no povo brasileiro. Acho que o Lula pegar qualquer pessoa, por mais que ele tenha 80% de aprovação e dizer: "Olha, você vai ser o presidente", não acredito nisso. Acho que a pessoa tem que mostrar preparo. A pessoa tem que mostrar liderança, programa de governo, que está preparada para governar um país como o Brasil – disse afirmando que a entrevista à revista "saiu truncada&quo
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A pessoa tem que mostrar liderança, programa de governo, que está preparada para governar um país como o Brasil

Carlos Montenegro ainda voltou atrás na previsão de que Dilma Rousseff não passaria dos 15% de intenção de votos e que Lula não transferiria votos para a candidata petista.

– Acho que a Dilma está ocupando muito bem o espaço que estava vazio e alguém ia ocupar, fosse a Dilma, fosse o Tarso Genro, fosse o Fernando Haddad, fosse qualquer um candidato do presidente Lula iria ocupar esse espaço. Acho, por exemplo, que nos 37% a 37% divulgados você não tem só transferência de votos – disse, remetendo a sua opinião de que a eleição está "radicalizada" entre os dois principais candidatos.

De acordo com o presidente do Ibope, uma das partes de sua entrevista à "Veja" que foi "descartada" foi a sua previsão de que Lula deixará a presidência da República no ano que vem como "um dos maiores presidentes da história".

– A parte principal que foi descartada foi a minha percepção de que o presidente Lula vai sair como uma dos maiores presidentes da história do Brasil. O presidente Lula hoje talvez esteja no mesmo patamar que o presidente Getúlio Vargas e o presidente Juscelino. Mas só que como esses dois presidentes a maior parte dos brasileiros não tive oportunidade de conhecer, o Lula certamente vai sair como o maior presidente da história do Brasil. Isso as pesquisas estão constatando e me parece claro – disse.

O grifo da última frase não é meu.

É bastante conhecido o tipo de jornalismo da revista Veja ao longo desses pelo menos 20 anos. Apesar de já ter perdido parte considerável dos seus leitores (por isso ela faz tantas promoções de assinatura), ainda é a de maior tiragem (não é a mesma coisa que vendagem) no Brasil e a coisa mais fácil do mundo é explicar isso. Entretanto, não cabe aqui agora.

Observe, porém, que um dos homens que sempre se valeu das ligações com a revista e com outros órgãos de imprensa, como a Rede Globo, Folha de São Paulo, Jornal Estado de São Paulo (Estadão) e outros (há quem chame de PIG – Partido da Imprensa Golpista), ele próprio é quem diz que a revista só publicou a parte que parecia não favorecer ao Presidente da República e à sua candidata. A parte que o Sr. Carlos Augusto Montenegro, mesmo contrariado, elogia o presidente, a Veja “descartou”.

Viva a nossa elite.

 
* Juscelino Kubitschek (1902-1976) – Médico e político mineiro, Presidente do Brasil de 31 de janeiro de 1956 a 31 de janeiro de 1961.
** É possível que você não saiba que há alguns meses o Jornal Nacional declarou, por razões que desconheço, que só ia divulgar os resultados das pesquisas do IBOPE e do Data Folha (da Folha de São Paulo). Deve haver alguma razão para isso.

Obs. Abaixo está o link que dava acesso à reportagem com Carlos Augusto Montenegro em O Globo. Também por razões que desconheço, a reportagem foi tirada do site já no dia seguinte à sua publicação, em 09/06/2010 (tente ver aqui).

A sapa que virou princesa

Era uma vez uma jovem que morava em uma terra distante. Naqueles tempos difíceis na terra em que morava, ela teve um sonho. Sonhou que a vida dos homens, mulheres e crianças daquele povo podia ser melhor, algo que beirasse a uma vida digna. 

Jovem, muito jovem, e diante de uma conjuntura que nada permitia, mesmo aos jovens, saiu noite adentro na luta pela conquista dos seus ideais (alguns jovens costumam ter esses sonhos malucos). Abdicou do que ao jovem é dado ter; barzinho da moda, o último lançamento, a bolsa nova, e foi brigar pelo ar que lhe era negado.

Louca, não percebeu que nem sempre é permitido sonhar (só mesmo um jovem para não perceber isso). Não sei se você já percebeu, mas os jovens fazem muitas bobagens. É só o coração que conta. Razão, nem um pingo. É paixão, ímpeto, desejo, típicos deles (ah, como me lembro).

Consta que nessa loucura por coisas tão banais, como princípios e ideais, juntou-se a outros e enveredou por caminhos que pareciam à época, se não a única, uma das alternativas mais viáveis. Foi presa e torturada.

Dizia-se de tudo: guerrilheiros, assassinos cruéis, destruidores da família, comiam criancinhas, verdadeiros monstros. Imperdoável. Vamos acabar com essa raça. Onde já se viu, comer criancinhas. Aí todos ficaram com raiva deles. Para piorar as coisas, um país irmão, sempre preocupado em proteger os povos em perigo, também ficou zangado e passou a ajudar a caçar aqueles terroristas. Muitos amigos, filhos, irmãos, pais, maridos, desapareceram ou morreram.

Um dos defeitos do jovem é tornar-se adulto, quando geralmente o coração deixa de dar as ordens. A razão dita as ações. E a jovem, já adulta, tomou outros rumos, na verdade, os mesmos, só que de outra forma, mas fiel ao seu passado. Para o bem e para o mal, o adulto é a continuação do jovem, com outros gestos.

Estava traçado. Aquela mulher tinha que estar ligada a funções que, de alguma maneira, fossem reflexo do seu passado. Começa a ocupar postos que lhe permitiriam chamar a atenção pelo caráter forte e competência naquilo que fazia: entrara na política.

Em momento de grande desvario, aceita a indicação do seu nome como candidata ao mais alto posto de comando daquela terra, tendo como avalista um conhecido sapo barbudo, reverenciado pela grande maioria da população, mas odiado por forte setor dela. Afinal, era um sapo. Começaram então a surgir “fatos” que denegriam a sua imagem.

Daqueles tempos, qualquer ligação com eventual trajetória de luta (certa ou errada) que pudesse espelhar uma mulher de fibra, revolucionária (palavra que ganhou contornos condenáveis), foi esquecida. Só ficou o que pudesse ser manipulado e permitisse chama-la de terrorista assassina.

Um dos momentos marcantes foi quando um grande jornal de uma das províncias daquela terra publicou, em destaque na primeira página, a sua ficha de terrorista, com foto e tudo. Outros importantes órgãos de imprensa, inclusive grandes redes de televisão, destacaram mais ainda em letras garrafais e muitos decibéis acima do suportável pelos sensíveis ouvidos humanos.

Tratavam-na mais uma vez como sapa (e eles estavam certos, afinal sapa é sapa, sapa não é princesa). O mundo parecia ruir sobre os seus ombros.

Ocorre que em todo conto de fadas há os maus e os bons. Àquela época, outros meios de comunicação já estavam bastante disseminados na sociedade daquela terra, e jornalistas independentes mostraram, através dos diversos blogs existentes, que aquilo era um documento falso. A falsidade do “documento” foi comprovada pelo próprio órgão de onde se dizia ter ele saído. Por aquele documento falso, que tinha merecido destaque na primeira página daquele velho e decadente órgão da imprensa, o seu dono limitou-se a um pedido de desculpas que ninguém viu, porque foi publicado em poucas palavras em um canto qualquer daquele jornal. O problema é que não era a primeira vez que eles faziam aquilo, nem seria a última.

Se eu acreditasse em contos de fadas diria que a história tinha reservado dias especiais para aquela sapa. Uma senhora da alta sociedade daquela terra, viúva de um mega empresário das comunicações, achou que ela não parecia ser aquilo que diziam. Desconfiando disso, quis conhece-la mais de perto e em um belo dia resolveu convida-la para um almoço.

É evidente que essa senhora não estava gozando de boa saúde mental, afinal, onde já se viu, pessoa tão fina, da alta sociedade, convidar uma sapa para o almoço? E o pior de tudo, também convidou cinquenta das suas mais importantes amigas, o jet set do mundo feminino daquelas plagas.

É claro que não concordaram com aquilo, mas, como recusar ao convite da grande dama? Seria o fim das suas carreiras de amigas dela (dizem que naquele meio é muito comum a prática do alpinismo social). “A Lily (Marinho) estava um pouco ansiosa porque muitas têm até medo de chegar perto do PT e da Dilma. Mas todo mundo está chegando, graças a Deus”, dizia uma amiga da anfitriã.

Muitos comentários após o almoço: “Ela é uma política e tanto, tudo que ela falou está certo. Ela está preparada para governar o Brasil”. Alguns mais profundos: “Me surpreendeu positivamente. Acho que posso convidá-la para minha clínica de estética, que não vai fazer feio” (veja aqui).

Muitos jornalistas e fotógrafos presentes. Perguntada sobre o conhecido sapo barbudo (muito amigo da sapa e uma espécie de protetor dela), a grande dama respondeu: “Ele é muito inteligente. Ele conseguiu nesses anos se fazer apreciar na Europa, nos Estados Unidos, é um encanto. Não o conheço pessoalmente, mas acho ele fantástico”. Era a maior demonstração da sua insanidade mental.

A partir daquele dia, como que num passe de mágica, a terrorista, perdão, a sapa
se transformou em uma bela princesa. Mesmo jornalistas e colunistas sociais dos decadentes jornais se renderam a aquela metamorfose (veja aqui e aqui).

Estou quase acreditando em contos de fadas.

Dunga

Você acredita que se o Brasil for campeão da Copa do Mundo, meia hora depois os jogadores estarão nas ruas de Salvador? Claro que não. Mesmo com os modernos e rápidos meios de transporte atuais, não tem como isso acontecer aqui ou em qualquer outra das nossas cidades.

Em 1958 o Brasil foi campeão mundial pela primeira vez, na Suécia. Logo após a partida final, “jogadores” vestidos de verde e amarelo circulavam pelas ruas de Juazeiro (Bahia), onde eu ainda vivia a minha infância. Pai, são os jogadores da seleção? Como é bom ser criança.

Em 1962, Brasil bi-campeão. Em 1966, já sob o regime militar, todos tinham a vitória como certa. Festa, políticos, gente importante e a imprensa. Não ganhamos nada.

Copa do México, 1970. O grande time de todos os tempos, armado por João Saldanha, o João-sem-medo, jornalista, torcedor do Botafogo, comunista, valente, destemido. Diante da "sugestão" de Médici (então o militar presidente do Brasil na época da ditadura) para colocar o jogador Dario na seleção, disse que Médici  mandava no ministério, no time quem mandava era ele. Por algumas razões, deixou a seleção.

Com a base do time montada por Saldanha, Zagalo, que tinha sido o ponta esquerda de 58 e 62, assume o comando, elevando Rivelino à condição de titular. Brasil tri-campeão. Pela primeira vez, transmissão a cores. Já estava delineado o poder de uma rede de televisão.

De 1974 a 1990 não ganhamos nenhuma. Aí já estava bem estabelecido o poder da Rede Globo sobre as coisas do país (por coincidência, ela surge e cresce justamente no período da ditadura militar).

Um parêntese para aquela que foi a coisa mais bonita do mundo de se ver, a seleção de Telê (Santana), em 1982. Para muitos, a melhor de todos os tempos, com jogadores como Zico, Sócrates, Falcão e Júnior arrebentando. Infelizmente, por crueldade do destino, não foi campeã. Em 1986 repetiu-se parte do time, mas já não era a mesma coisa, era outro momento.

Em 1990, Copa da Itália, fatos marcantes. Motim dos jogadores reivindicando melhores “bichos” (dinheiro por cada jogo). (Sebastião) Lazaroni era o técnico da seleção. Recebeu dinheiro da Rede Globo (diz-se que Cr$60.000,00 [sessenta mil cruzeiros, moeda da época] muito dinheiro  então), para dar as notícias a ela antes das outras emissoras. O terreno e o modo de atuação do Sistema Globo de Comunicação já estavam bem definidos. Pela primeira e única vez, torci contra a seleção e fiquei satisfeito quando ela foi eliminada pela Argentina nas oitavas-de-final.

Em 1994, acho que com o pior time que já tivemos e na pior copa fomos tetra-campeões nos Estados Unidos. Entre os jogadores, estava um chamado Dunga, que já tinha jogado na de 90. Surgia o que se chamou de a era Dunga. Capitão do time, jogador de meio de campo sem talento criativo, mas bom marcador e aguerrido. Participou também da seleção de 1998, que nada ganhou.

O técnico (Luis) Felipe Scolari, o Felipão, parte para a Copa de 2002 sem levar nenhum jogador do Rio de Janeiro, inclusive um chamado Romário. A imprensa, leia-se particularmente, Rede Globo, com Galvão Bueno, fez uma campanha como eu nunca tinha visto antes para forçar uma convocação. De tanta pressão, pouco antes do time partir, em entrevista coletiva Felipão disse: “não fui eu que matei o futebol carioca”. Loucura, que parece que passou despercebida pela população. Infarto coletivo na imprensa carioca.

Não é que o homem voltou penta-campeão! Ronaldo (fenômeno) e companhia arrebentaram. Confesso que pensei que ele fosse perguntar: e agora Galvão, era para levar Romário? Acho que preferiu deixar para lá e curtir a glória do título. Mas, vale a ressalva, também não alisou muito com a imprensa.

Em 2006, sob o comando de (Carlos Alberto) Parreira, o fiasco já conhecido. Roberto Carlos e companhia exigindo respeito pela copa de 2002 que “eles” tinham ganho. Semi-deuses, intocáveis, um m…

Em 2010, a seleção brasileira parte para a Copa do Mundo na África sob o comando de um novo técnico: Dunga. Novo em idade e experiência como técnico, pela primeira vez à frente de um time de futebol. Como Dunga!!! Não tem experiência como treinador (já ouvi essa história em outro lugar).

Restrições a ele como técnico? Provavelmente. Cada um de nós dirá: não levou Neymar, Ganso, Ronaldinho Gaucho, não levou esse ou aquele, não levou Romário… Ele é burro, não entende nada, é retranqueiro. E ainda por cima, viu o que ele está fazendo com os repórteres da Globo? Além de burro, grosso.

Deixe eu voltar a 1950 (não, eu ainda não tinha nascido). A Copa do Mundo foi disputada no Brasil e a nossa seleção chegou à final com o Uruguai. Vitória garantida, dentro dos nossos domínios, impossível perder.

Meu pai me contou que os jogadores não puderam dormir direito, de tanta festa na véspera do jogo. Políticos tirando fotos ao lado deles, pessoas importantes, e, como sempre, a imprensa.

Final do jogo, Maracanã lotado, Uruguai campeão. Voce nunca viu alguma reportagem mostrando o Brasil chorando por causa desse jogo? Precisa ver.

Os jogos de futebol no Brasil começavam às 17:00 aos domingos e às 21:00 nas quartas-feiras. Hoje, não tem hora certa. Aos domingos costuma ser às 16:00, por causa do Domingão do Faustão, programa de televisão da Rede Globo, e em qualquer dia da semana às 22:00, por causa da novela das oito, da mesma emissora. Não cabe aqui discutir os detalhes dessas mudanças, mas alguma coisa deve ser comentada.

Não é hábito nosso nos colocarmos no lugar dos outros. Os problemas dos outros não nos interessam. Então, vamos ao futebol, os jogos terminam cerca de meia-noite, voltamos para casa nos nossos carros e vamos dormir felizes ou tristes, de acordo com o resultado do jogo.

Há quem, independente do resultado do jogo, sempre sofre para chegar em casa, porque vai de transporte coletivo (em quantidade e de grande qualidade no Brasil, como sabemos), e só vai chegar Deus sabe a que horas. Detalhe: tem que acordar no outro dia bem mais cedo para pegar mais transporte coletivo e ir trabalhar. Resumo da ópera, dorme muito pouco, quase nada.

Isso não tem nada a ver comigo, paciência. Tem sim. Doenças geradas por condições precárias e estresse, baixo rendimento no trabalho,
em alguns casos com riscos para ele e para quem depende do trabalho dele, são aspectos a considerar. É uma questão social importante. Qual será o custo desse processo para a saúde da população e consequentemente para o país? Não importa.

É bem possível que a nossa sociedade não saiba da missa a metade quanto ao que a grande (???)  imprensa faz com esse país. Não vou lhe encher com essa questão, mas que é uma pena que seja assim é.

Também é possível que você não saiba, mas essa grande (???) imprensa, que manipula as informações de acordo com os seus interesses, vem perdendo a sua força. Tudo isso graças à Internet, que de fato democratizou o acesso à verdadeira notícia. Para você ter uma idéia, todos os analistas dizem que Barack Obama ganhou as eleições nos Estados Unidos graças à Internet. Ele é blogueiro.

Revistas semanais e grandes jornais, antes poderosíssimos, estão perdendo milhares de assinantes e vivem fazendo promoções para manter o que ainda resta e recuperar pelo menos alguns que perderam. Redes de televisão, também poderosíssimas, estão vendo a sua audiência em queda. Acredito que poucos sabem, por exemplo, que, apesar de ainda grande, a audiência da Globo nesta copa é menor do que na de 2006.

Na seleção brasileira de futebol, com todos os técnicos, uns mais outros menos, a Rede Globo sempre fez o que quis. Jogadores sempre foram entrevistados a qualquer hora, mesmo na madrugada. Nesta copa ela tem uma central só para entrevistas exclusivas, com a conivência da CBF.

Isso está mudando com Dunga. Foi grosseiro em alguns momentos? Foi sim (pediu desculpas aos torcedores), mas só quem sofre sabe a dimensão da dor. Viram o que Tadeu Schmidt leu irado em tom editorial no Fantástico (dizem que foi escrito por William Bonner), após o jogo contra a Costa do Marfim? Não foi só ele ( clique aqui para ver o vídeo). Por que?

Porque mais uma vez a Globo tinha tentado entrevista exclusiva e ao vivo de Fátima Bernardes com alguns jogadores, entre os quais Luis Fabiano e Robinho, para logo após o Fantástico. A que horas termina o Fantástico? Lá pelas 11 horas da noite, é isso? A depender do término do programa, na África seriam 3 ou 4 horas da manhã. Pode? Dunga não deixou.

Não quero discutir Dunga, o técnico. Quero falar de Dunga, o brasileiro. Ele está fazendo a parte dele, de forma corajosa, destemida, diria até louca; um homem não pode lutar contra um império (ou será que pode?). Ele é o D. Quixote, de Miguel de Cervantes, lutando contra os moinhos dos tempos contemporâneos.

Já se sabe que a Globo está exigindo e ele vai perder o cargo de técnico da seleção, ganhando ou perdendo a copa. Se ganhar, só vão esperar a hora certa. Escreva aí.

Como lamento não ter mais a inocência da criança da copa de 1958. Poderia ver os jogadores da seleção circulando pelas ruas da minha querida Juazeiro logo após o jogo.

PS. Escrevi esse texto no dia 01/07/2010 (quinta-feira) e postei às 02:25 (madrugada do dia 02/07/2010, sexta-feira), portanto, antes do jogo contra a Holanda pelas quartas-de-final. Espero que Dunga ganhe esse jogo e depois a copa.

Chico Buarque

Moro em Salvador desde os 11 anos de idade. Em todas as férias escolares lá íamos nós, eu, meus irmãos e minha mãe, para minha querida Juazeiro (Bahia). Por conta do trabalho, meu pai não podia ir e ficava em Salvador.

Acredito que com cerca de 15 anos de idade, já ensaiando os primeiros passos da adolescência e descobrindo o mundo que se descortinava à minha frente, comecei a me ligar mais às coisas de Salvador, e passei a fazer companhia a meu pai nas férias.

Como minha mãe continuava indo com os meus irmãos, o café da manhã e da noite eram em nossa casa, o almoço não. Almoçávamos, eu e meu pai, na casa de “Seu” Otto, que fazia da casa uma pensão só para as pessoas de sua cidade, Juazeiro.

Sempre que chegava para o almoço na casa de “Seu” Otto tinha uma música esquisita tocando em alto volume e aquilo me incomodava. Era principalmente de um dos seus filhos, Osmar, arquiteto sem diploma, contemporâneo de meu irmão mais velho.

Para a minha geração era Elvis Presley, Renato e seus Blue Caps, Roberto Carlos, The Beatles e outros tantos. Aquela música estranha, feia, barulhenta, ia entrando a cada dia pelos meus ouvidos, e ficando. Lembro muito bem, particularmente do 2 na Bossa, LP (era assim que se chamava) de Jair Rodrigues e Elis Regina.

Foi um caminho maravilhoso, e sem volta, para a música brasileira. Eram tantos que começavam a surgir. Os famosos festivais da Record, Caetano, Gil, Edu Lobo, Dori Caymmi, Milton Nascimento, Ivan Lins/Vitor Martins, João Bosco/Aldir Blanc, muitos.

E Chico Buarque.

Nessa época, estávamos sob o regime da ditadura militar. Período difícil, negro. Garoto, eu não sabia o que era, mas aos poucos ia conhecendo um outro mundo. O medo, a delação, um horror.

Fora os comunistas, comunista come criancinha. Meu pai, um homem simples, um comunista. Não pode ser, meu pai não come criancinhas. Por que então os livros jogados fora, às escondidas? Se é, então não é o que dizem. Começava a entender que o que dizem tem muitos sentidos, há sempre um outro significado por trás do que dizem.

Fora os comunistas, comunista come criancinha. Não pode ser verdade. Como pode alguém ser tão perverso, comer criancinhas, e fazer músicas como Com açúcar, com afeto. Como pode um comunista ser isso e cantar Carolina, Januária, que coisa ridícula.

Ali estava um comunista, que comia criancinhas, e cantava a mulher como nenhum outro compositor conseguiu. Uma sensibilidade que a cada dia se manifestava com mais força.

1. Até pensei

Junto a mim morava a minha amada
Com olhos claros como o dia
Lá o meu olhar vivia
De sonho e fantasia
E a dona dos olhos nem via


2. Te amo

Se nós nas travessuras das noites eternas
Já confundimos tanto as nossas pernas
Diz com que pernas eu devo seguir

Se entornaste a nossa sorte pelo chão
Se na bagunça do teu coração
Meu sangue errou de veia e se perdeu

Como, se na desordem do armário embutido
Meu paletó enlaça o teu vestido
E o meu sapato inda pisa no teu


3. Pedaço de mim

Oh, pedaço de mim
Oh, metade arrancada de mim
Leva o vulto teu
Que a saudade é o revés de um parto
A saudade é arrumar o quarto
Do filho que já morreu

Viva os comunistas.

Em defesa dos colegas, disse muitas vezes que não se deve cobrar posições políticas do artista. Concordo. Mas, quando alguém é o que ele é como artista, talento e sensibilidade insuperáveis, e consegue ter a consciência político/social que ele tem, esse alguém é único.

Chico Buarque de Holanda é uma página especial, à parte, no cenário brasileiro.

No dia do seu aniversário (19/06/2010), veja o que uma mulher escreveu sobre ele (clique aqui).

E veja aqui as suas músicas.

O mundo em paz

Se você falar de Robert Reford virá à mente, pelo menos das mulheres, o homem bonito. Vou além. Ele é um dos mais bonitos e charmosos homens do mundo artístico. Vou além. Um grande ator. Vou muito mais além. Um dos artistas mais conscientes e engajados politicamente do mundo. Possivelmente, uma faceta conhecida por poucos.

Há pouco tempo assisti a um filme em que ele é diretor, produtor e um dos atores: Leões e cordeiros (Lions for lambs). Há uma cena com um diálogo ágil entre a jornalista Janine (Meryl Streep) e o senador Jasper (Tom Cruise), em que é colocado com alguma sutileza o que há por trás do discurso do senador, de proteger o povo americano e o resto do mundo dos terroristas. A experiente jornalista percebe a farsa. A real causa: invadir o Afeganistão (como tinha sido feito com o Iraque, segundo o próprio filme).

De volta à redação do Jornal, ela se nega a publicar a entrevista, pelo que é repreendida pelo seu diretor. Sabendo da importância da entrevista, dos interesses e necessidades do jornal e do governo, diz que ela não podia, a aquela altura da vida, dar uma de jornalista preocupada com o jornalismo.

Todo o mundo deseja a Paz.

É bem recente a invasão do Iraque. Morreram muitos americanos e iraquianos (cerca de 655 mil iraquianos, uma média de 500 por dia). Qual a razão? Proteger o povo americano e o mundo dos terroristas. Não se encontrou uma única arma das que alegaram para justificar essa invasão.

Por acaso, voce lembra das invasões do Vietnam e Afeganistão, só para falar de duas das mais recentes?

Não há como negar a importância e influência dos Estados Unidos no resto do mundo. País rico, possui duas indústrias muito poderosas, de grande importância e retorno financeiro: a cinematográfica e a bélica. A cinematográfica vai muito bem, obrigado. A bélica, precisa continuar.

Agora é a vez do Irã. Acusado de estar enriquecendo urânio para fazer a sua bomba atômica, é um país demonizado. Há algum tempo se busca uma negociação em nome da paz (parece que é o único país do mundo que tem ou quer fazer uma bomba atômica) e até pouco tempo não se conseguia. Houve fracasso nas negociações no ano passado.

Aí vem um pobre país do terceiro mundo e acha, veja que petulância, que pode tentar negociar nessa direção. Você queria o que? É claro que o mundo todo achou um absurdo. O Presidente da Rússia disse, na frente do Presidente do Brasil e da imprensa de todo o mundo, que “pelo seu entusiasmo, daria no máximo 3% de chances para o sucesso nas negociações”.

A Secretária dos Estados Unidos, a senhora Hillary Clintom, disse que, apesar de o Brasil não ter nenhuma chance, seria a última tentativa. Vazou para imprensa internacional a carta com o pedido do Presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, ao Presidente do Brasil, para tentar resolver o impasse, ao mesmo tempo em que lhe desejava sorte na missão.

O governo brasileiro, juntamente com o turco, conseguiu o acordo. Detalhe: com as exigências feitas e negadas na tentativa do acordo de 2009.

No outro dia, exatamente no outro dia, os governantes dos países mais ricos do mundo negaram toda a importância do acordo e mais do que rapidamente reverteram todo o noticiário internacional para as sanções que estavam sendo estudadas para aquele país de terroristas. Inclusive, possibilidade de invasão.

Sabe de quem eu lembrei? De Janine. Não sabe quem é? Aquela jornalista do filme Leões e cordeiros, daquele artista bonito de Hollyood, Robert Redford, quando ela percebeu o que havia por trás do discurso.

O mundo está em paz.

Muita presunção e inocência de um paisinho de terceiro mundo tentar conseguir uma coisa da qual só os grandes entendem. E é lógico que os políticos de oposição do Brasil e a grande (?) imprensa (há quem diga que é a mesma coisa) não perdoaram essa insensatez.

Veja o que diz sobre o tema um dos grandes teólogos e pensadores do país.

Leonardo Boff
Teólogo

A saudade do servo na velha diplomacia brasileira

O filósofo F. Hegel em sua Fenomenologia do Espírito analisou detalhadamente a dialética do senhor e do servo. O senhor se torna tanto mais senhor quanto mais o servo internaliza em si o senhor, o que aprofunda ainda mais seu estado de servo. A mesma dialética identificou Paulo Freire na relação oprimido-opressor,  em sua clássica obra Pedagogia do oprimido. Com humor comentou Frei Betto: "em cada cabeça de oprimido há uma placa virtual que diz: hospedaria de opressor". Quer dizer, o oprimido hospeda em si o opressor e é exatamente isso que o faz oprimido. A libertação se realiza quando o oprimido extrojeta o opressor e ai começa então uma nova história na qual não haverá mais oprimido e opressor, mas o cidadão livre.

Escrevo isso a propósito de nossa imprensa comercial, os grandes jornais do Rio, de São Paulo e de Porto Alegre, com referência à política externa do governo Lula no seu afã de mediar junto com o governo turco um acordo pacífico com o Irã a respeito do enriquecimento de urânio para fins não militares.  Ler as opiniões emitidas por estes jornais, seja em editoriais, seja por seus articulistas, algum deles embaixadores da velha guarda, reféns do tempo da guerra-fria, na lógica de amigo-inimigo, é simplesmente estarrecedor. O Globo fala em "suicídio diplomático” (24/05) para referir apenas um título até suave. Bem que poderiam colocar como sub-cabeçalho de seus jornais: "Sucursal do Império", pois sua voz é mais eco da voz do senhor imperial do que a voz do jornalismo que objetivamente informa e honestamente opina. Outros, como o Jornal do Brasil, tem seguido uma linha de objetividade, fornecendo os dados principais para os leitores fazerem sua apreciação.

As opiniões revelam pessoas que têm saudades deste senhor imperial internalizado, de quem se comportam como súcubos. Não admitem que o Brasil de Lula ganhe relevância mundial e se transforme num ator político importante, como o repetiu, há pouco, no Brasil, o Secretário
Geral da ONU, Ban-Ki-moon. Querem vê-lo no lugar que lhe cabe: na periferia colonial, alinhado ao patrão imperial, qual cão amestrado e vira-lata. Posso imaginar o quanto os donos desses jornais sofrem ao ter que aceitar que o Brasil nunca poderá ser o que gostariam que
fosse: um Estado-agrega
do como é  Hawai e Porto-Rico. Como não há jeito, a maneira então de atender à voz do senhor internalizado, é difamar, ridicularizar e desqualificar, de forma até antipatriótica, a iniciativa e a pessoa do Presidente. Este notoriamente é reconhecido,
mundo afora, como excepcional interlocutor, com grande habilidade nas negociações e dotado de singular força de convencimento.
O povo brasileiro abomina a subserviência aos poderosos e aprecia, às vezes ingenuamente, os estrangeiros e os outros povos. Sente-se orgulhoso de seu Presidente. Ele é um deles, um sobrevivente da grande tribulação, que as elites, tidas por Darcy Ribeiro como das mais
reacionárias do mundo, nunca o aceitaram porque pensam que seu lugar não é na Presidência, mas na fábrica produzindo para elas. Mas a história quis que fosse Presidente e que comparecesse como um personagem de grande carisma, unindo em sua pessoa ternura para com os humildes e vigor com o qual sustenta suas posições.
O que estamos assistindo é a contraposição de dois paradigmas de fazer diplomacia: uma velha, imperial, intimidatória, do uso da truculência ideológica, econômica e eventualmente militar, diplomacia inimiga da paz e da vida, que nunca trouxe resultados duradouros. E outra, do século XXI, que se dá conta de que vivemos numa fase nova da história, a história coletiva dos povos que se obrigam a conviver harmoniosamente num pequeno planeta, escasso de recursos e semi-devastado. Para esta nova situação impõe-se a diplomacia do diálogo incansável, da negociação do ganha-ganha, dos acertos para além das diferenças. Lula entendeu esta fase planetária. Fez-se protagonista do novo, daquela estratégia que pode efetivamente evitar a maior praga que jamais existiu: a guerra que só destrói e mata. Agora, ou seguiremos esta nova diplomacia, ou nos entredevoraremos. Ou Hillary ou Lula.

A nossa imprensa comercial é obtusa face a essa nova emergência da história. Por isso abomina a diplomacia de Lula.

Sem comentários.

Companheiros de viagem

Não era a primeira vez que acontecia. Às vezes começávamos a conversar e o tempo de consulta acabava. Reinaldo Pamponet, psicanalista e amigo de alguns anos. Sentado na minha cadeira de endodontista, também naquele dia o seu tratamento não foi realizado. Surgira uma conversa.

Falávamos de crescimento, não o físico, o outro, o do espírito, da alma, do intelecto, como queiram chamar. Relatos e exemplos comuns, como cada um faz a sua trajetória.

As amizades surgem em determinados momentos da vida e podem ou não se conservar. Elas são frutos de afinidades e estas têm muito a ver com o momento que se vive. Na infância, muito mais fácil, a inocência e a pureza dão as cartas.

Ponha crianças negras, brancas, orientais, quantas você quiser, para brincarem juntas. Tem racismo, discriminação social? Não, não tem. Só vão conhecer isso quando entrarem no mundo dos adultos, e aí todos têm participação decisiva, principalmente os pais. E elas se tornam racistas, discriminadoras, superiores.

Na adolescência é a vez do começar a descobrir o mundo e aí chegam os amores, as alegrias, as tristezas (como dói a tristeza do [des]amor). Algumas amizades da infância ainda estão aí, outras já se foram. Algo desconhecido está no ar, interferindo na amizade; surgem as diferenças. Postura, comportamento, projetos, prioridades. É a vida chamando, é hora de crescer.

Há um livro (A Sociedade da Decepção) de um filósofo francês, Gilles Lipovetsky (ainda vivo), que fala da perda de alguns valores pela alienação e individualismo exagerados, numa sociedade que ele chama de hipermoderna e cuja característica é o hiperconsumismo. Aí ele vai por uma linha cada vez mais clara nos dias de hoje e aborda um tema muito atual; o papel da mídia nesse processo, ainda que não se perceba isso.

Os recentes resultados de estudos que mostram a (in)capacidade de análise do aluno brasileiro assustam, mas não surpreendem. Há um detalhe, porém. Eles se reportam aos alunos, o que pressupõe a criança e/ou o adolescente, onde se teme a irreversibilidade do processo. E o adulto? Salta aos olhos o embotamento mental promovido pela grande mídia, um segmento que deveria informar melhor e ajudar a formar o cidadão. A manipulação da notícia nunca foi tão evidente.

Aí fica mais fácil entender porque na longa viagem do crescimento, um dia você olha para o lado e sente a falta de alguém e só aí se dá conta de que ele ficou na última estação. Mais um, depois outro… Outras estações chegarão e com elas uma angústia: quem seguirá viagem? Será que muitos?

Há uma frase antológica atribuída a Carlos Costa Pinto*; “A felicidade do homem está em nascer burro, viver ignorante e morrer de repente”.

Cruel? Talvez. Esnobe? Possivelmente. Verdade?…

O eremita está se aproximando e é assustador.

* Carlos Costa Pinto (1885 – 1946) – Comerciante e exportador de açúcar da Bahia. Da sua coleção particular surgiu o Museu Carlos Costa Pinto (veja aqui), um casarão em estilo colonial americano pertencente à família, que possui um acervo de cerca de 3.000 obras de artes decorativas dos séculos XVII ao XX.

O malandro

Sexta-feira, cervejinha gelada, tira-gosto, jogando conversa fora, relaxamento, eu também sou filho de Deus. É muito bom. Descontração total, esquece-se de tudo, vive-se o momento. Quer coisa melhor?

Ouve-se também de tudo. Kaká é melhor do que Messi, ‘cê tá louco!!! Messi é melhor do que Pelé, você é maluco, é? Aquela mulher é um avião, não acho isso tudo não. Aquele cara é viado, ‘cê tá brincando!!!

Mesa vizinha, muito próximo, não pude deixar de ouvir que as pessoas não falavam muito bem do atual Presidente da República. É, mas temos que reconhecer que o cara é inteligente.

Inteligente, não, ele é malandro, ele é malandro.

Que se façam restrições a isso ou aquilo, que se façam restrições às limitações culturais (não confundir com inteligência), que se diga que não pertence à encantadora elite brasileira, que se diga que é um semi-analfabeto, que se diga que não daria um voto a ele, ou a quem quer que apoie, que se diga o que quiser, mas chamar de malandro o homem eleito o estadista do mundo (faço um esforço danado e não consigo lembrar de outro político brasileiro, de qualquer época, que tenha recebido essa honraria), para mim é um legítimo atestado de…

Não há mais o que dizer, trata-se de algo que só Freud conseguiria explicar.

Por duas vezes pelo menos, em épocas diferentes, o jornalista Luis Nassif foi bastante elogiado pelas pessoas Brasil afora por um texto que lhe foi atribuído, um texto de uma agressividade enorme contra o presidente. Percebi então que elas tinham um grande respeito pelo jornalista, a ponto de elogia-lo e espalhar o seu texto pela internet.

Nas duas oportunidades Nassif negou no seu blog a autoria do texto (qualquer um que o conhecesse minimamente veria que nem de longe, pela linguagem usada, poderia ser dele). Para mim, entretanto, ficou registrada a credibilidade que ele tinha diante das pessoas.

Recentemente, sob o título “Índia apoia Lula para a ONU”, essa notícia foi veiculada:

Após a derrota de seu candidato para o sul-coreano Ban Ki-moon em 2007, o governo indiano avalia que terá no ano que vem mais chances de indicar o próximo secretário-geral das Nações Unidas. Mas se o presidente Luiz Inácio Lula da Silva estiver entre os postulantes, abriria mão da disputa por ver nele a personificação dos países emergentes e da capacidade de mediação entre ricos e pobres, disse ao UOL Notícias um diplomata ligado à Índia e à ONU.

Aproveito a credibilidade de Nassif para usar um comentário, agora sim, feito por ele (para confirmar a veracidade clique aqui), sobre essa notícia:

É possível criticar a política diplomática brasileira com profundidade ou com besteirol – como, por exemplo, chamar Lula de “simplório”  e Celso Amorim de “trêfego”, como fez o notável analista Otávio Frias Filho*.
Mas não há como bater contra os fatos. Hoje em dia o Brasil tem posição ativa no cenário diplomático internacional – muito maior, aliás, que a projeção da sua força. E Lula tornou-se um dos líderes mundiais mais respeitados e, seguramente, o mais admirado.

Como o mundo se engana. Estadista, não, ele é malandro, ele é malandro.

* Um esclarecimento: Na verdade, Luis Nassif foi irônico ao chamar de notável analista o Sr. Otávio Frias Filho, dono do jornal Folha de São Paulo. Quem acompanha as coisas da política fora do eixo da “grande mídia” sabe o que ele quis dizer.

Ditadura sindical

Há algum tempo recebi um e-mail com uma mensagem e um anexo, um vídeo* de um pronunciamento do Sr. Antônio Carlos Magalhães no Senado em 2006. A mensagem do e-mail, mesmo que breve e com uma tentativa disfarçada de parecer o contrário, não deixava de enaltecer o político vidente e sua visão futurista.

O texto era de uma pobreza de tudo, ao que já estou me acostumando de tantos que recebo desse tipo. Mas, era mais do que isso. O referido pronunciamento é uma obra prima, uma aberta conclamação às Forças Armadas para assumirem o seu “papel” de instaurar a ordem, diante da ditadura sindical que estava prestes a se instalar no Brasil. Um discurso perigoso? Não, não foi.

Foi tão vazio (ninguém prestou atenção a ele), tão absurdo, tão extemporâneo, tão completamente fora de propósito, tão grosseiro, tão grotesco, tão tudo, que confirma o que todos (pelo visto, nem todos) já sabiam, isto é, que nada mais aquele político tinha a oferecer ao país (surpreendo-me perguntando se alguma vez ofereceu).

Aliás, os últimos acontecimentos na sua vida já mostravam isso, uma sequência de escândalos pessoais e políticos acumulando-se ao ocaso político, demonstrado de maneira implacável pela derrota humilhante na disputa pelo governo da Bahia, em que Jacques Wagner ganhou já no primeiro turno.

Quais são as chances de vingar uma ditadura sindical no Brasil? Nenhuma. Por várias razões, entre elas a força da mídia e das elites brasileiras.

Os encarregados de disseminar pela Internet aspectos tão pobres como esse não sabem que os sindicatos possuem força e representatividade em todo o mundo e nem por isso existe ditadura sindical em todo o mundo, aliás, em lugar nenhum.

Esquecem que muitas vezes eles próprios conquistaram direitos pela ação dos seus sindicatos. Se não me engano, jornalistas, médicos, advogados, engenheiros, enfermeiros… possuem sindicatos atuantes, graças aos quais, conquistas interessantes foram possíveis para as respectivas classes. Ou será que estão falando somente de outros sindicatos?

Greve dos médicos. Transtorno para a sociedade, uma complicação enorme na vida dos pacientes. Bando de marginais? Não, profissionais lutando, através dos seus sindicatos, por melhores condições. Greve dos trabalhadores. Sindicatos dos trabalhadores em ação. Bando de marginais.

Mas, o mais grave de tudo. Não percebem (será?) que ao condenarem a “ditadura sindical” fazem-no usando de todos os mecanismos à mão, inclusive sendo co-participantes da conclamação da volta daquilo que ainda representa uma chaga incurável no coração dos brasileiros.

É de uma clareza enorme o propósito do pronunciamento, feito por alguém que, civil que era, foi soldado da linha de frente da ditadura militar. Será que não lembram ou não sabem o que representou para muitas famílias brasileiras? Ou isso nada significa e é mais confortável conviver com o desaparecimento/morte de centenas de pessoas do que com a “ditadura sindical”?

Se houvesse um pouco mais de sensatez, teriam percebido um detalhe bem simples. O pronunciamento do referido político foi feito em 2006. Estamos em 2010, último ano do atual governo, e não se tem conhecimento de nenhuma ditadura sindical instalada no país. Não parece ter sido confirmada a visão futurista do político vidente.

No discurso em si, nenhum problema. De tão pobre e absurdo, não ofereceu nenhum risco à nação, tanto é que ficou arquivado, sem nenhuma repercussão, e você nem sabia da sua existência. O que é altamente frustrante e preocupante é ver que os encarregados de disseminá-lo pela Internet são pessoas de quem se espera uma postura mais sensata. Não percebem o vazio no qual entraram (daí ser altamente frustrante), ou estão conscientes e querem realmente que o país volte aos dias de treva (daí ser altamente preocupante).

Se é a primeira alternativa, só me restam as lágrimas, pela profunda tristeza que gera a pobreza de espírito. Se é a segunda, (quase) todos já sabem: o momento do país não oferece espaço para esses acontecimentos.

* Se desejar ver o vídeo, clique aqui

Colunismo social

No Rio de Janeiro, há alguns anos, lendo o Jornal do Brasil, vi que Márcia Peltier estava à frente da sua coluna social. Confesso, fiquei desapontado. Sempre gostei dela como jornalista (quem lembra, uma loura bonita do Jornal da Manchete, faz tempo, não?). Por que o desapontamento?

Sempre tive uma certa dificuldade para encarar coluna social. Para mim é o espelho das almas vazias. Concordo que alguns colunistas têm tentado dar um ar um pouco diferente, trazendo inclusive algumas informações mais “relevantes”, mas não me parece que estes sejam a tônica.

Ibrahim Sued, um clássico do colunismo social, era um homem de óbvias limitações culturais. Preencheu a vida de muita gente. Dizem que na verdade era um tremendo gozador e que, no fundo, gozava todos, ou quase todos, que ele colocava na coluna.

Zózimo Barroso do Amaral, outro bastante conhecido (confesso que não sei se ainda está vivo), talvez tenha mostrado todo o seu brilho ao fazer um comentário bastante pejorativo, de uma estupidez sem limites, a respeito de Bobô (lembra dele, jogador do Bahia, a elegância sutil de Bobô, segundo Caetano Veloso?).

Há alguns anos, o Bahia e o Flamengo foram campeões no mesmo ano, na Bahia e no Rio de Janeiro respectivamente. Lembro de uma coisa bem interessante que, tenho certeza, passou despercebido.

O presidente do Flamengo era Márcio Braga e noticiou-se que ele teria assistido a um determinado filme, não lembro qual, mas desses clássicos elogiados por todos, como parte das comemorações do título conquistado. Uma colunista social, muito conhecida na Bahia, fez um comentário na sua coluna sobre o então presidente do Bahia (aquele que chamam de eterno presidente e que com a conivência de parte importante da imprensa fez do Bahia o que ele é hoje, um arremedo de time). Mais ou menos assim o comentário: “Certamente Márcio Braga é um homem sofisticado. Se fosse o presidente do Bahia teria ido assistir ao Último Tango em Paris*”.

Não sei se ela era torcedora do Vitória e não estava conseguindo se conter. O mais importante, porém, é a tentativa de ridicularizar alguém, deixando fluir todo o seu provincianismo e absoluta falta de um grau mínimo de conhecimento, particularmente sobre o mundo do cinema.

Pelo contrário. O “então ontem hoje sempre eterno” presidente do Bahia jamais iria assistir a aquele filme, por uma razão bem simples; ele não ia entender nada. E ela, achando que ele iria assistir porque deve ter imaginado que era um simples filme de sexo, mostrou que também não entendia de nada.

Já viu essas revistas que você não tem o que ler? Só tem foto das pessoas mostrando aquele sorriso de uma vida feliz e plena (dizem as más línguas que elas brigam para sair na revista; será que é verdade?). Até vaso sanitário mostram. Não é um novo estilo de colunismo social?

Quem estava certo era Ziraldo ao lançar o slogan de sua revista Bundas: Quem mostrou a bunda em Caras, não mostra a cara em Bundas.

Meu pai era amigo de Enádio Morais (trabalharam juntos no Banco do Brasil), um dos diretores do Jornal da Bahia (aquele mesmo que o protetor da Bahia destruiu ‘não deixe essa chama se apagar’, lembra?). Não, não é da época de vocês. Aos 21 anos de idade, quando estava me formando em Odontologia, meu pai, um homem bastante simples do interior, me falou que Enádio Morais tinha oferecido a coluna social do jornal para colocar uma nota sobre aquele momento tão importante para a nossa família. Não, meu pai, na coluna social não.

Hoje, olho para trás e penso: aos 21 anos eu não sabia um bocado de coisa (ainda não sei), mas já tinha noções do que não queria.

 

* Último Tango em Paris – Filme de Bernardo Bertolucci, com Marlon Brando e Maria Schneider. Um bom filme, polêmico, de um diretor consagrado, com um dos monstros sagrados do cinema, Marlon Brando, que retrata a decadência da burguesia.