E agora?

Por algumas razões tenho evitado, e tenho conseguido, falar de política aqui no site, apesar de sempre imaginar que algum dia farei isso (no fundo acho que torço para que não demore muito). Acredito, porém, que ainda não chegou o momento. Algumas coisas, entretanto, estão acima, muito acima, da política, pelo menos da política partidária, ainda mais essa que temos presenciado. As questões ideológicas estão num plano superior.

O mundo passa por um momento de grandes dificuldades, graças à famosa crise. Todos os dias somos bombardeados por notícias que mostram que o fim do mundo está ali, na esquina.

Você sabe, de fato, o que aconteceu com Ronaldo, o fenômeno, na copa da França? Lembra aquela história de que ele teve convulsão? Você sabe, de fato, o que aconteceu com a defesa brasileira (Roberto Carlos, nosso lateral esquerdo, passando três dias para ajeitar o meião na hora em que a França cobrava uma falta frontal ao nosso gol, e o jogador francês foi por trás dele e tranquilamente fez o gol) na copa de 2006? Não, você não sabe, nem irá saber, por uma razão bem simples. Não nos é dado, pobres mortais, o direito de saber o que, de fato, ocorre em momentos como esses.

Mesmo para nós, pobres mortais, não é muito difícil entender o porque da crise. O difícil é entender o que está por trás dela.

O texto abaixo, publicado na imprensa há alguns dias, poderia ter sido tirado de qualquer jornal brasileiro, porque todos eles, isso mesmo, todos eles, da grande imprensa brasileira, vêm colocando matérias iguais a essa diariamente nas suas páginas. Leia o texto.

"O pacote de socorro à indústria automobilística que está em discussão nos Estados Unidos obrigará as três grandes montadoras americanas, General Motors, Ford e Chrysler, a aceitar um grau inédito de interferência do governo nos seus negócios em troca da ajuda financeira que elas precisam obter para enfrentar a crise que engolfou o setor.

Conforme o rascunho do projeto em discussão no Congresso, as empresas terão que rever as políticas de remuneração dos seus executivos, suspender o pagamento de dividendos aos acionistas e submeter seus investimentos à aprovação de um funcionário do governo que terá a missão de monitorar as empresas beneficiadas pelo plano.

Qualquer transação cujo valor seja superior a US$ 25 milhões terá que ser submetida à avaliação desse funcionário e poderá ser simplesmente vetada por ele. De acordo com o projeto, a restrição se aplica a vendas de ativos, investimentos, contratos e qualquer outro tipo de compromisso assumido pelas empresas".

Esquerda ou direita? Capitalismo ou socialismo? Discussões que, para muitos, tinham perdido qualquer sentido, pois imaginava-se que não havia mais espaço para os pensamentos mais alinhados à esquerda. Resistências aqui e ali, mas aquilo que é tido como direita avançou em todo o mundo.

O mundo deseja o capitalismo, isso é fato. Mas, esse “mundo” aí é principalmente representado pelas grandes empresas, inclusive de comunicação, multinacionais, grupos poderosos, o mundo que traça e determina o destino do outro mundo, o dos homens.

Diante da atual crise, tida como a maior dos últimos oitenta anos, surge com força estonteante a necessidade de um redirecionamento da ordem mundial, aliás, como os textos de toda a imprensa internacional têm mostrado. O que mostra o texto acima, retirado da imprensa brasileira? A necessidade da intervenção e controle do estado sobre a economia. Mas você viu a que país se refere o texto? Aos Estados Unidos da América, o maior país capitalista do mundo. Só tem uma coisa; está acontecendo no mundo todo, ou seja, todos os governos estão injetando dinheiro nas economias para salvar os seus países, e o mundo. Será que estou enganado ou isso quer dizer que o modelo atual faliu? Será que estou enganado ou isso é uma estatização? Não? Então, o que é isso, a estatização do maior grupo financeiro do mundo, o Citigroup? Clique e veja. Aproveite e veja aqui o vídeo de José Paulo Kupfer sôbre essa estatização e o capitalismo.

Você lembra do neoliberalismo, da economia de mercado? Foi esta a ideologia que reinou no Brasil até bem pouco tempo, época das privatizações, lembra? O projeto era privatizar tudo, inclusive a Petrobrás e o Banco do Brasil. A pressão da sociedade brasileira conseguiu preservar estes. Segundo o cientista político César Benjamin, “o neoliberalismo só conseguiu produzir menores taxas de crescimento, maior desigualdade social e crises recorrentes, que culminaram na grande crise atual”.

A figura do presidente da república, consequentemente dos ex-presidentes, pelo cargo que ocupa de maior mandatário do país, merece o respeito de todos, e assim deve ser nas sociedades civilizadas. Entretanto, não é muito fácil digerir o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso negando as políticas que ele adotou nos seus dois governos.

A entrevista dada por ele à BBC de Londres foi constrangedora. Falando em inglês, excelente oportunidade de alimentar a sua reconhecida vaidade, o sociólogo Fernando Henrique Cardoso nega, sem nenhum pudor, posturas adotadas no seu governo e que são do conhecimento de todos.

Com o respeito que devo à sua condição de ex-presidente, foi triste ve-lo fraquejar em vários momentos da entrevista, pela pobreza e inconsistência das suas respostas, e nesse sentido, não fosse vergonhoso, seria cômico o seu comentário a respeito do seu Procurador Geral da República, o Sr. Geraldo Brindeiro, identificado por todos, inclusive pelo próprio entrevistador, como “Engavetador Geral da República”. Sempre blindado pela grande (não no sentido de digna, mas de tamanho) imprensa brasileira, parece que o ex-presidente não contava com um entrevistador mais qualificado e independente. Um erro fatal.

Para onde irá o mundo? O que trará esse realinhamento da ordem mundial? Muitas perguntas surgem e surgirão. Da mesma forma, muitas respostas surgem e surgirão. O provável é que, para o bem do homem,
um novo modelo seja adotado.

Qual?

 

PS. Se você quiser ler a entrevista (em português) do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso à BBC de Londres, realizada em outubro de 2007 (portanto, bem antes da crise atual), clique aqui. Se desejar ver e ouvir a entrevista (com legenda), à direita da foto do ex-presidente tem uma foto dele menor e está escrito  Entrevista
         FHC diz que nunca foi neoliberal 
         clique em
VEJA

Num país distante

Uma vez estava lendo, não lembro onde, que havia um estado de um país em que um grupo político dava as cartas já há muitos anos. A despeito de ser um estado forte, ou ter grande potencial para isso, e na verdade exercer uma certa liderança em uma região daquele país, os seus resultados não eram compatíveis com aquele potencial. Elevadas taxas de analfabetismo, saúde pública precária, etc. Na verdade, ainda era uma capitania, a mais forte das que restavam naquele país.

O dinheiro não circulava, ficava retido nas mãos daqueles que gravitavam em torno daquele grupo político (sempre existem homens que são verdadeiros mestres na arte de gravitar). Dizia o texto que, como em todas as sociedades com grande pobreza de espírito, estava tudo bem, até porque a imprensa, parte dela manipulada e controlada pelo grupo, deixava todos orgulhosos e agradecidos por ter entre eles um protetor, um homem a quem nada mais interessava além da condição de intransigente defensor do povo daquela capitania. Um pai.

Num regime de exceção disfarçado (para os mais jovens, regime de perda de direitos), o único desejo dos privilegiados é ser amigo do rei. Em algumas sociedades, é a glória. Como não era uma situação, digamos, compatível com pessoas esclarecidas, era comum ouvir-se de muitos que “rouba, mas é o único que faz alguma coisa”, de outros que não concordavam com aquele tipo de coisa “é um absurdo…”, mas de forma velada, porque no fundo idolatravam o pai. Para muitos, era tanto carinho que o chamavam de painho.

Um belo dia, o rei perdeu o posto. Um mortal foi eleito para assumir o comando daquele estado, algo inimaginável, um acidente de percurso. O rei está morto.

Como parece sempre acontecer, imagina-se que para se depor um rei há necessidade de “algumas concessões políticas”, o que lá adiante costuma inviabilizar algumas coisas. Mas, independente disso, li que não foi uma gestão bem conduzida, que houve erros administrativos, alguns primários até. Imaginaram governar um estado. Pecaram por não entender que ainda era uma capitania, e não é fácil administrar uma capitania em que toda a estrutura está montada para não funcionar na ausência do capitão-mor.

E o texto chamava a atenção para outro detalhe. Também não tinham atentado para o fato de que um rei bem articulado dentro do sistema, ainda mais sendo ele um dos seus criadores, não fica de fora assim sem mais nem menos. Ele já ocupara um posto importante no plano nacional e, desde o início, já começara a por em prática alguns planos. Um deles, implodir a sua tão amada capitania. Ninguém, que não fosse ele, tinha o direito de protege-la. Era amor demais.

Juntando-se tudo, como era de se esperar, as coisas não andaram na capitania.

No início, timidamente, depois, sem pudor, a sociedade (alguns chamam de elite) escancarou o que antes era velado (nem tanto). O seu amor pelo pai. Se, mesmo com os erros, o povo da capitania começava a respirar outros ares, se correções poderiam ser feitas, nada importava, a não ser o fato de que eles tinham que ser comandados por alguém “deles”. Não lembro se o texto registrava que a passagem de capitania para estado seria mais fácil sem o capitão-mor, mas parece que não. O que ele mostrava é que a elite, perdão, a sociedade, queria era voltar a governar. E agora com argumentos incontestáveis; “não disse que ia dar nisso, viu o que falei, é tudo igual, todos são farinha do mesmo saco…” Todos são nivelados por baixo. A grande imprensa espalhava isso de forma muito interessante. E, logo em seguida, como complemento a aquelas frases; “… ah! antes não era assim, tinha mais isso, mais aquilo, ele roubava, mas pelo menos fazia…”. É a preparação para a volta. Não tem povo que resista. O capitão-mor voltou.

Quando li essa história há anos atrás, comecei a desconfiar de como as coisas são feitas e a conhecer um pouco mais esses mecanismos.

Outro dia estava lendo sobre um país distante, onde se dizia que, apesar de ser visto pela comunidade internacional como um dos países mais importantes do mundo contemporâneo, razão pela qual vinha sendo frequentemente convidado a participar de decisões importantes sobre as questões internacionais, a imprensa desse país não mostrava isso ao seu povo.

Tentava-se gerar sempre uma nova crise, notícias alarmantes sobre tudo, corrupção desenfreada (em níveis jamais vistos), caos na aviação, apagões, epidemias e, como pano de fundo, a exaltação de grupos que já tinham dirigido o país anteriormente, com presença garantida todos os dias na mídia. Tentava-se disseminar na população a idéia de que o país estava à beira do caos. Já se ouvia em conversas informais “é tudo igual, todos são farinha do mesmo saco…”, acompanhado ou não do “antes não era assim, tinha mais isso, mais aquilo…”

Pensei com os meus botões; já li sobre isso em algum lugar. E aí lembrei da história daquela capitania. Veio o estalo (você prefere que eu diga insight?). Meu Deus, é a velha arma. Tenta-se nivelar por baixo, criam-se “fatos”, esconde-se a realidade e surgem as condições mais favoráveis para a volta desse ou daquele grupo. Sempre com a participação da grande imprensa.

Todavia, dessa vez que li sobre esse país, tive a impressão de que a grande imprensa, mesmo com o seu poderio, que outrora fora muito influente, não estava conseguindo convencer o povo do desastre que era aquele governo. Se não me engano (a memória anda terrível), li até que por conta desse desencontro (o povo via de uma forma e a imprensa insistia em mostrar de outra), a grande imprensa daquele país estava desmoralizada.

Um dia, naquele país, alguém fez uma consideração, que se tornou uma indagação, de onde surgiram outras indagações, que se espalharam. Alguém disse: escolha uma profissão qualquer, Medicina, Direito, Jornalismo, entre tantas outras, qualquer uma. Você acha que há corrupção em qualquer uma delas? Você acha que há corporativismo em qualquer uma delas? Por causa disso você vive dizendo que todos os médicos são iguais, todos ladrões, que todos os jornalistas são farinha do mesmo saco, todos corruptos? E isso foi adiante.

Há corrupção na política? Você tem alguma dúvida? Você acha que surgiu quando, há sete anos? (fizeram as contas) Em 2002? Você acha que ela não existia ou não era mostrada pela grande imprensa? Os corruptores na
sceram agora ou você consegue se lembrar desde quando eles estão circulando? E foi se espalhando nas conversas, pela Internet, tomando conta da população.

E aí a sociedade começou a ponderar. Então, pelo que pude entender da leitura, começou a não dar mais importância ao que dizia a grande imprensa. Parece, lá vem a memória falhando outra vez, que o presidente atingiu níveis de aceitação e popularidade como nunca antes na história daquele país.

A elite global

A nossa grande imprensa tem registrado com frequência o protesto de pessoas importantes do Brasil, reconhecidamente pessoas finas, da elite, que manifestam a sua justa indignação pelo fato de um nordestino sem berço e formação, que fala mal o português e, pior ainda, não sabe falar inglês, francês, alemão, italiano, chinês, japonês, javanês, hebraico e esperanto, portanto, alguém que não pertence ao mundo deles, dirigir o país. Nesse sentido, quem não lembra de um recente, e de grande impacto, movimento, o CANSEI?

Como você sabe, o CANSEI foi um movimento de grande participação popular e que se alastrou por todo o país. Porém, apesar disso e da sua grande importância, houve alguns protestos da população pelos grandes engarrafamentos de trânsito que ele provocou em todas as cidades do Brasil, com o maior deles tendo ocorrido em São Paulo, cidade em que foi criado e onde todas as ruas ficaram intransitáveis por três minutos (acho que foi um pouco menos, mas um pouquinho só).

Diante de algumas dúvidas quanto à importância e validade do CANSEI, a imprensa se apressou em divulgar a participação, inclusive com outdoors espalhados por todo o país, das musas do movimento, Hebe Camargo, Regina Duarte (a namoradinha do Brasil, que ameaçou e não cumpriu, para a nossa alegria, sair do Brasil caso o atual presidente fosse eleito), Ivete Sangalo e Ana Maria Braga, que, como se sabe, são personalidades da mais alta importância em todos os grandes movimentos populares e da cultura brasileira.

Foi sabendo de coisas tão importantes e legítimas como o CANSEI que tomei um susto quando vi a imprensa brasileira anunciar, de maneira muito sem graça, concordo com você, que o Presidente Lula tinha sido relacionado em 18o lugar entre as 50 pessoas mais influentes do planeta. Essa reportagem está correndo o mundo sob o título “A elite global” e alguns colocam como “Os 50 da NewsWeek”.

Caí para trás. Não pode ser. A minha indignação foi imediata.

Em princípio achei que a NewsWeek estava equivocada. Como pode um nordestino sem berço e formação, que fala mal o português e, pior ainda, não sabe falar inglês, francês, alemão, italiano, chinês, japonês, javanês, hebraico e esperanto, ser a décima oitava pessoa mais influente do planeta? Ele não faz parte de nada importante aqui no Brasil, de nenhuma elite, como poderia pertencer à elite do mundo? Fui direto no site da NewsWeek. Li a relação outra vez e, para aumentar a minha indignação, constatei que o diabo da notícia era verdade. Mas isso não pode ser sério. Aí me ocorreu um pensamento maldoso (peço desculpas por isso). Pensei: ele comprou a NewsWeek. Afinal, é uma revistazinha. Não é lida e respeitada no mundo todo e movida somente por princípios jornalísticos éticos como são os nossos jornais e revistas semanais, sob a liderança da Veja. No desespero, ocorreu-me então o seguinte. Vou ver se consigo pinçar algum nome importante da relação divulgada para ver se essa tal de NewsWeek realmente merece alguma credibilidade. Não encontrei nenhum.

1. Barack Obama (presidente eleito dos Estados Unidos)
2. Hu Jintao (presidente da China)
3. Nicolas Sarkozy (presidente da França)
7. Gordon Brown (primeiro-ministro do Reino Unido)
8. Angela Merkel (chanceler alemã)
9. Vladimir Putin (primeiro-ministro da Rússia)
10. Abdullah bin Abdulaziz Al-Saud (Rei da Arábia Saudita)
13. Bill Clinton (ex-presidente dos Estados Unidos)
14. Hilary Clinton (secretária de estado do presidente eleito dos Estados Unidos)
18. Luiz Inácio Lula da Silva (presidente do Brasil)
25. Khalifa bin Zayed Al Nahyan (presidente dos Emirados Árabes)
28. Eric Schmidt (presidente e chefe executivo da Google)
32. Dominique Strauss-Kahn (presidente do Fundo Monetário Internacional – FMI)
37. Papa Benedito XVI (papa da Igreja Católica)
38. Katsuaki Watanabe (presidente e chefe executivo da Toyota)
46. Dalai Lama (líder budista)

Confesso que fiquei surpreso com alguns nomes. Não me consta, por exemplo, que o Dalai Lama seja um homem fino e se destaque no uso de talheres à mesa, condição indispensável para fazer parte da elite brasileira. Será que ele sabe como dispor as taças de vinho tinto, vinho branco e água? Tenho minhas dúvidas. Como pode um homem desse fazer parte da elite global? No Brasil ele não tem nenhuma chance de fazer parte da nossa elite. Danuza Leão e João Dória Jr. não iam deixar mesmo, ainda mais do jeito que ele se veste.

Ao justificar a escolha do Presidente Lula como a 18ª pessoa mais influente do planeta, a NewsWeek diz que, "depois de pegar o Brasil à beira da ruína no início de 2003, o atual presidente hoje governa um país com mais de US$ 200 bilhões em reservas internacionais e com o menor índice de inflação entre os países emergentes”.

Confio cegamente na grande imprensa e na elite do meu país e não vejo como eles poderiam errar. Continuo achando que não pode ser. Tem algum equívoco. Ainda vou descobrir.

Feliz Ano Novo

Mais um ano que termina, mais um que começa. Você achou bom o ano que se vai? Acha que o que está chegando será? Sem chance. Como ser feliz num país como o que está sendo mostrado?

Você já viu acidentes de avião em algum lugar do mundo? Quando aconteceram na França, Inglaterra, Alemanha, Estados Unidos, etc, tentaram lhe mostrar e você ficou convencido de que todos eles aconteceram por culpa dos presidentes desses países? Percebeu que, no nosso país, em nenhum momento se usou a dor das famílias enlutadas pela morte de seus entes queridos para tentar por a culpa em um homem? Também não adiantaria, porque, como sociedade consciente que somos, jamais acreditaríamos que um homem seria responsável por aquele crime hediondo.

Você não xingou todo mundo pelas tantas vezes que ficou às escuras (sem poder ouvir sua música, ver a sua novela, os alimentos que deterioraram na geladeira porque não tinha energia) por causa da crise do apagão que foi anunciada? Não ficou irado pelo racionamento de energia a que teve que se submeter? E o prejuízo à nação pela paralisação da indústria!

Você lembra da epidemia de febre amarela que recentemente “devastou” o Brasil, em que milhões de pessoas morreram? Não morreram vários amigos/parentes seus? Não? Então você é uma pessoa de sorte. Você sabia que a febre amarela urbana está erradicada do Brasil há muitos anos e que a que “assolou” o país é a febre silvestre e que ela é cíclica, já esperada a cada período de 5 a 7 anos, correspondente ao ciclo de nascimento de novos macacos? Devido ao medo do grande risco que a imprensa disse que corriam, soube que morreram pessoas por reforço indevido da vacina? Sabia que a maior “epidemia” não foi neste governo e sim em outro recentíssimo? Você sabe qual foi? Não? O seu telejornal preferido não lhe informou sobre isso?

Você, que estava acostumado a morar num país dependente da ajuda financeira de órgãos internacionais de socorro a países, como dizer, eternamente devedores, aprova o fato de agora viver em um país que passou a ser credor? Claro que não. Esses caras estão pensando que nós somos o que, idiotas? Pensam que fazemos parte daquela ralé que Zé Ramalho canta? ouça aqui. Não, somos esclarecidos, temos nível superior, nós freqüentamos a universidade.

Agora que o país, por milagre divino, conseguiu se equilibrar economicamente, você não concorda com alguns homens públicos que, muito sensíveis e diante da crise, estão preocupados se o presidente da república vai torrar as reservas financeiras do país, conseguidas por milagre divino, para manter os seus índices de popularidade? Hebe Camargo concorda.

Você acha certo que 20 milhões de brasileiros desgraçados (só chamando assim) tenham tido ascensão social e possam fazer parte da nossa querida classe média, pela qual Hebe Camargo, Regina Duarte, Danuza Leão e João Dória Jr. lutam tanto? É claro que não. Um absurdo. Pior, pessoas que não tinham o que comer agora passaram a comer, veja que gracinha. Isso com o seu e o meu dinheiro. Onde é que vamos parar?

Perdoe-me a franqueza, não quero estragar o prazer da sua champagne no reveillon, mas você não tem nenhuma chance de ter um Feliz Ano Novo num país como esse.

Feliz Natal

As propagandas são cada vez mais fantásticas, de uma qualidade impressionante. Algumas usam as próprias músicas de Natal como fundo musical, outras usam músicas consagradas, algumas são criadas para a peça publicitária. Os textos, lidos por vozes Cid Moreirianas (o dos bons tempos, não essa coisa de hoje do Fantástico, dá pena), tocam fundo na alma. Paro para ouvir e me permitir sonhar. Aí entra; “Tenha um Natal feliz com o Banco…,”. Fecho imediatamente o sonho, cruel demais.

“Já reparou como voce passa o ano todo gastando razão e economizando emoção…”, meu Deus do Céu, que bonito, vou longe. Mas aí vem a pancada: “…neste Natal, Shopping Center…”. Gente, emoção não tem nada a ver com shopping center.

Vamos ouvir, ver, ler (viva os e-mails) mensagens lindíssimas desejando Feliz Natal, de pessoas que passaram o ano todo enviando e-mails (pobres e-mails) recheados de preconceito, discriminação, racismo.

Acho que tive “natais” perfeitos quando criança. A Missa do Galo na minha querida Juazeiro (da Bahia), a espera ansiosa pela chegada de Papai Noel, presente debaixo da cama. Era bom demais. Eu e Vânia preservamos isso com as nossas duas filhas e sei que elas farão isso com os filhos delas. Alguns devem pensar que não seria a melhor maneira de educar os filhos, afinal, não deixa de ser uma mentira. Além disso, quantos não sabem o que é um feliz natal, seria um acinte.

Neste site existe um outro texto, Natal, escrito para o do ano passado, primeiro ano do site “no ar”. Um outro texto, uma outra mensagem, talvez mais densa. Fala desse natal que não existe para muitos, porque também o considero. Porém, se a vida me permitiu natais felizes, não consigo me ver negando-os às minhas filhas. E quanto à mentirinha do Papai Noel, posso lhe assegurar que não faz mal. Não fez a mim, não fez a elas.

É lógico que o natal deveria ser todos os dias, não os presentes, o espírito, mas não dá. É a crueldade do dia-a-dia, a correria, a sobrevivência, mas também não deveríamos nos afastar tanto assim do clima que reina nesta época do ano.

Antes, só as crianças. Hoje, todos querem e ganham presentes. Ruim? Não. Afinal, receber presente é muito bom, apesar de que dar é mais gostoso. O problema é que parece que ficou mais a distribuição de presentes do que a alegria do momento, e até o seu real significado. 

Ainda me percebo tocado pela data, pelo espírito que reina nesta época do ano. Muitas vezes me vem a emoção e deixo-a tomar conta de mim. É pecado? Acho que, bem lá no fundo, sou eu que estou precisando de um Feliz Natal. Sou eu que estou precisando pegar esse espírito e egoisticamente guardar comigo, para usa-lo um pouquinho a cada dia, como um antídoto à exacerbação de sentimentos que em nada enaltecem o homem.

Para os que vão continuar mandando e-mails recheados de preconceito, discriminação, racismo, por favor, não me desejem Feliz Natal.

E para você, Feliz Natal, durante os próximos trezentos e sessenta e cinco dias.

A geografia condena

Ao longo dos anos fui vendo em mim o psicólogo, que não sou, o conhecedor de história, que gostaria de ser, o escritor que nasceu recentemente, mas a quem falta competência. Vi em mim muitas coisas, sem ser nenhuma delas. Isso traz um razoável nível de inquietação intelectual.

Sem ter as armas para isso, busco compreender a alma humana. Tamanha pretensão que muitas vezes leva ao desencanto diante de algumas coisas. Somente com as armas às quais me referi poderia tentar fazer isso, pois só assim poderia ter a devida isenção de ânimos, ou seja, não me envolveria passionalmente, ou me envolveria menos, e, portanto, não sofreria, ou sofreria menos. É a noção de que muitas coisas escapam da minha compreensão que traz esse desconforto, como buscar entender, sem conseguir, determinados comportamentos.

– Há alguns anos Paulo Maluf foi a Washington Olivetto* para que este assumisse a sua campanha política. Algumas agências de publicidade não fazem campanhas políticas, entre elas a W/Brasil, de Olivetto. Foi esta a sua ponderação para não assumir a campanha, ao mesmo tempo em que sugeria um outro publicitário: Duda Mendonça**, publicitário baiano que já naquela época começava a despontar como um dos grandes do Brasil.

“Olivetto, eu venho aqui pedir um computador de última geração e você me sugere um computador boliviano”. Com essa resposta Maluf recusou a sugestão. Alguns poucos anos depois, em outra campanha, Maluf era eleito governador do estado de São Paulo. Quem estava à frente da campanha? O computador boliviano.

– Nizan Guanaes*** via todos os dias operários trabalhando sem nenhuma segurança na obra em frente à sua agência. Aquilo incomodava bastante, até que um belo dia, tendo chegado ao seu limite, foi à construção e falou com o responsável pela obra da sua preocupação e mesmo indignação pelas condições de trabalho (na verdade, a ausência delas).
“Nem se preocupe, não vai ter problema”, foi a resposta que obteve.

Um dia chega ao escritório e vê uma pequena multidão naquele local. Vai até lá e procura saber do que se trata; um operário tinha caído de um andaime e morrido. Vai reclamar do mestre de obra, da advertência feita dias atrás por ele mesmo, da sua negligência, etc. Ouviu.
“Quem vai sentir falta de mais um baiano que morreu”?

– Uma questão bioética que já existe há algum tempo, o problema da pesquisa científica em seres humanos e mesmo em animais de laboratório, foi resolvida por um professor de endodontia de uma importante universidade brasileira.
“Sem problema, usa os baianos como cobaias… não servem para nada mesmo”.

Entrevistas, reportagens, retrospectivas. Sempre busquei em tudo que pude. Quis um pouco mais. Parti para ler alguns textos e terminei dando de cara com Gilberto Freyre**** e seu livro Casa Grande e Senzala, escrito em 1933. Sempre quis ler esse livro. Fui ler. Está lá a explicação para esse arianismo.

No livro que até hoje é tido como um dos mais importantes na história da formação da sociedade brasileira, pode-se observar com muita clareza o surgimento de castas especiais, hoje bastante conhecidas como elite. Há vários outros registros desse tipo na nossa história. Uma elite formada por homens que até hoje choram a não descendência pura européia. Mesmo assim, pensam e agem como seres superiores. São superiores. São arianos.

Ah! Ia esquecendo. Segundo Gilberto Freyre “todo brasileiro traz na alma e no corpo a sombra do indígena ou do negro”.

 

Obs. Os dois primeiros episódios foram extraídos do livro “Na toca dos leões”, de Fernando Morais*****, que fala sobre a vida de Washington Olivetto. O terceiro foi observado em salas de aula.

* Washington Olivetto – Paulista, dono da W/Brasil, agência de publicidade sediada em São Paulo, um dos publicitários mais importantes do país.
** Duda Mendonça – Baiano, dono da DM9, agência de publicidade sediada em São Paulo, um dos publicitários mais importantes do país.
*** Nizan Guanaes – Baiano, dono da África, agência de publicidade sediada em São Paulo, um dos publicitários mais importantes do país.
**** Gilberto Freyre (1900-1987) – Pernambucano, sociólogo, antropólogo cultural, historiador, escritor, respeitado em todo o mundo. Já a partir dos anos 30 era recebido por presidentes, reis e rainhas do mundo todo. Homem rico, filho de senhores de engenho, sofreu pressões políticas e familiares, mas mesmo assim, estudou, conheceu como poucos e mostrou a formação da sociedade brasileira.
***** Fernando Morais – Mineiro, jornalista, político e escritor, cuja obra em boa parte é constituída por biografias e reportagens.

Os ratos não resistem às grandes alturas

Acredito firmemente que tudo na vida, ou pelo menos quase tudo, depende de como as coisas são feitas. O modo de fazer muda tudo. Como você age ou reage em determinadas situações, como você diz as coisas, como você se dirige às pessoas, e por aí vai.

Podemos ser simpáticos ou não, arrogantes ou simples, tristes ou alegres, a opção é nossa. Talvez seja pouco provável que exista um determinismo absoluto, pode não ser exatamente assim, afinal estamos todos sujeitos às surpresas da vida. Deixar escapar uma oportunidade profissional que pode mudar a sua vida, perder um ente querido, normalmente algo terrível, uma doença, nos tiram do rumo. Também se enquadram aí aquelas situações da vida em que a subjetividade humana entra em cena. É quando o inconsciente se manifesta. São também momentos delicados, nem sempre tão bem digeridos pelos homens.

Não são todas essas porém, ainda bem, coisas que acontecem frequentemente. Estou falando dos atos comuns, do dia-a-dia.

Em uma das minhas recentes viagens, já antes da decolagem ele se manifestou. Esse ele é o comandante do avião, lamento não lembrar o nome dele. Posso dizer que é da TAM. Aquilo que os comandantes dizem em todos os vôos – tripulação, portas em automático – já foi dito de forma diferente e achei estranho, mas engraçado. Imaginei, ele deve estar de alto astral e foi algo que “escapou”, um momento específico. Não foi.

Em vários outros momentos ele se manifestou novamente, de forma sempre bem humorada. Sabe aquelas mensagens que ouvimos nos aviões, altitude, tempo de vôo, temperatura, sempre ditas em português e inglês? Eram ditas em cinco línguas, isso mesmo, cinco línguas: português, inglês, francês, alemão e espanhol, sempre de forma alegre, mas evidentemente que era na nossa língua, pelo maior domínio, que ele se estendia mais, inclusive nas brincadeiras. Nunca tinha voado daquela maneira. Aquele comandante fez a opção dele. Ele fez a diferença. Mas houve um momento especial, e não foi de brincadeira. Ele contou uma pequena história.

Nos primórdios da aviação, um piloto estava voando com o seu avião, naturalmente rudimentar, e ouviu um barulho atrás dele. Olhou para trás e viu um rato roendo a lona do avião e ficou preocupado porque viu ali o grande risco de um acidente com a queda do avião. O que fazer? Não podia deixar o controle da aeronave para cuidar do ratinho, seria morte certa. Lembrou então.

O avião, lógico, não tinha cabine pressurizada. Subiu com o avião, alto, mais alto, mais alto ainda, e em pouco tempo não ouviu mais o barulhinho do rato roendo o avião. Em grandes altitudes a concentração de oxigênio diminui, eleva-se o ritmo cardíaco, pode levar à morte. O ratinho não resistiu, tinha morrido.

Moral da história. Quando os ratos quiserem lhe derrubar, voe alto, bem alto, mais alto, o mais alto que você puder. Os ratos não resistem às grandes alturas.

Voe alto. O mais alto que você puder.

Raça superior

O esporte nem sempre é só esporte, ou talvez seja mais correto ainda dizer, poucas vezes é só esporte. Muitas vezes se misturou e se mistura com sentimentos menos nobres. É antiga a associação que se faz do esporte com a supremacia de alguma coisa. Tempos de olimpíadas. Muita coisa em jogo, além do esporte.

Quando esse é o tema não há como não lembrar das Olimpíadas de 1936. Derrotada na 1ª Guerra Mundial, surgia ali o momento ideal para mostrar ao mundo a nova Alemanha. As Olimpíadas de Berlim foram as primeiras da história com o objetivo de propagar uma ideologia política*. Como potência olímpica, o grande projeto de mostrar ao mundo a superioridade da raça ariana.

Segundo Leonardo Silvino*, “a busca pelo ideal nórdico era incansável e o III Reich incentivava o esporte com dois objetivos: produzir mais e melhores máquinas de guerra e gerar uma raça sadia”. Os judeus foram proibidos de participar dessa olimpíada. Para evitar problemas com o governo alemão, os Estados Unidos cortaram dois atletas judeus da delegação americana. Assim surgiu a vaga para Jesse Owens. Talvez tivesse sido melhor que tivessem ido os atletas judeus.

Hitler, pessoalmente, cumprimentava os atletas vencedores. Algo terrível então aconteceu. Provas de atletismo. A Alemanha teve que “engolir” e assistir ao americano Jesse Owens, negro, desfilar como o maior atleta do mundo (medalha de ouro nos 100m e 200m rasos, revezamento de 4 X 100 m e salto em distância, este último em disputa acirrada com o alemão Luz Long, que ficou com a medalha de prata) e, como ele, outros negros que também desfilaram com suas medalhas de ouro, entre os maiores atletas do mundo. Hitler não viu. Recusou-se a assistir, retirando-se do estádio, como fez em outros momentos em que negros venceram.

Era um duro golpe para o arianismo. A raça pura, superior, derrotada por uma raça inferior; a negra.

Ao longo dos anos, em vários outros momentos, o negro demonstrou a sua força, a sua capacidade e ocupou papel de grande destaque nas diversas sociedades. No esporte, talvez a maior afirmação. Atleta do século. Um negro. Pelé.

Olimpíadas da China. Provas de atletismo masculino e feminino dos 100 m rasos, a mais nobre do atletismo. No masculino, Usain Bolt, um negro da Jamaica, medalha de ouro (também nos 200 m rasos e no revezamento 4 X 100 m rasos). No feminino, Shelly-Ann Fraser, uma negra da Jamaica, medalha de ouro. Sherone Simpson e Kerron Stewart, negras da Jamaica, empatadas em segundo lugar, ficaram com a prata e o bronze. Nas outras provas muitos atletas do Quênia, Etiópia, Jamaica, também ganharam medalhas de ouro.

Incrível como ainda insistimos na superioridade de raça. O esporte sempre foi utilizado nesse sentido. Quantos no futebol foram apontados como os maiores do mundo. Pelé, o rei. Mas, no esporte de um modo geral, o atletismo sempre foi apontado como o mais nobre. Entre os vencedores em Pequim estavam atletas da Jamaica, Quênia, Etiópia. Os 100 metros rasos, masculino e feminino, a prova mais nobre do atletismo, onde se diz que é quando a evolução da raça humana se manifesta, foram ganhos por um negro e uma negra.

Será que existe uma raça superior? Se existir, qual será?

 

* Fonte: Olimpíadas de 1936: muito além de Owens e Hitler, texto de 
Leonardo Silvino – Publicado em 29.08.2004.

Ainda é tempo

Saí um pouco mais cedo da Faculdade e fui correndo. Quinta-feira, perto das 18 horas, trânsito já meio lento, cheguei a tempo. No colégio da minha filha (13 anos) ela e os coleguinhas iam encenar Morte e Vida Severina.

Um poema pelo qual me apaixonei ao ver pela primeira vez há muitos anos. João Cabral de Melo Neto, poeta pernambucano, embaixador do Brasil na França, um homem tido como pessimista. Poema forte, trágico, que dá a impressão de ser só dor, mas, no fundo, um hino à vida.

Musicado por Chico Buarque, foi transportado para o teatro. Fantástico. Pensei, texto difícil para alunos da 6ª série. E foi. A professora teve que ajudar várias vezes aos “atores”. Assistindo e pensando; como seria bom que entendessem pelo menos um pouco o significado das palavras que saem das suas bocas. Estou querendo demais. Mas, não perco as esperanças. Espero que daqui a algum tempo tenham oportunidade de se deparar outra vez com esse texto e aí sim possam perceber toda a sua beleza e força.

Estava querendo demais também quando, para poder começar a peça, esperei que fizessem silêncio assim que a professora pediu. Não podia. Três sextas séries juntas para encenar, crianças na faixa de idade entre 13 e 16 anos talvez, eram muitos, e mais outros alunos que estavam para assistir. Após alguns pedidos, começou.

Chegamos em casa, eu e a minha mulher, que estava comigo todo o tempo, conversamos com ela. Brinque, brinque muito. Aproveite a sua infância, adolescência, vida adulta, não deixe nada por fazer, mas, há tempo para tudo. Há o momento em que alguém vai pedir um pouco de silêncio, para parar a brincadeira, para fazer o trabalho. Quando chegar esse momento, entenda a importância dele, mas, sobretudo, respeite quem está ali, querendo fazer alguma coisa. E por aí foi a conversa. Mesmo sabendo que ela já tinha essa orientação, não podia perder a chance de reforça-la.

Sábado pela manhã, reunião de professores na faculdade. Todos chegando, conversas, vamos começar, coordenador do curso pedindo silêncio, um pouco difícil, muita gente, mas começou. Enquanto o coordenador falava, conversas paralelas, alguns note books ligados e neles colegas mostrando fotos, casos clínicos, arrumando aulas.

Só queria lembrar um detalhe; eram professores.

Voltei correndo para casa. Precisava reforçar mais ainda a conversa com a minha filha de 13 anos.

Natalinos

No desenvolvimento de uma teoria antropológica absolutamente revolucionária, o médico Antônio Natalino Dantas, com grande nível de inteligência, mas, sobretudo, com acentuadíssimo grau de sensibilidade, disse que “essa história de que baiano é inteligente é bobagem, baiano só toca berimbau porque só tem uma corda, se tivesse mais não tocava…”. Demonstrou o que para alguns já era sabido; os baianos constituem uma raça inferior.

Você acha necessário citar baianos que se tornaram figuras importantes da vida cultural e artística brasileira e, em alguns casos, mundial? Não, é claro que não. Seria baixar ao nível de pobreza mental do médico Antônio Natalino Dantas.

Tudo aconteceu pelo fraco desempenho dos alunos da Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia, da qual era coordenador o médico Natalino, nas provas do Enade. Não cabe discutir as razões desse resultado. Sabe-se, entretanto, que em parte se deveu ao boicote por parte dos alunos. Veja o que disse o Prof. Naomar de Almeida Filho, em recente artigo publicado na Folha de São Paulo.

São Paulo, segunda-feira, 09 de junho de 2008

Berimbaus, boicotes e avaliação

Naomar de Almeida Filho

NOSSA FACULDADE de Medicina, no ano do seu bicentenário, fracassou na avaliação do Enade. O coordenador do curso, ao explicar o fiasco, culpou as cotas e a inferioridade intelectual dos estudantes. Para ilustrar seu argumento, alegou que o berimbau, símbolo da musicalidade baiana, tem só uma corda, o que comprovaria a suposta deficiência cognitiva dos baianos.

Considerei suas declarações discriminatórias, eivadas de insensibilidade cultural e ignorância antropológica. Infelizmente, o episódio contribuiu para ofuscar um tema chave para o futuro da universidade brasileira: avaliação.

Agora que a notícia saiu do foco da mídia, podemos refletir melhor sobre o caso. De pronto, descarto a hipótese de "contaminação pelas cotas". Mesmo porque a turma reprovada entrara na universidade em 2001, quatro anos antes do advento do programa de ações afirmativas.

Também não se vê falta de recursos docentes e pedagógicos. O curso de medicina da UFBA tem três alunos por docente e conta com 609 leitos em hospitais de ensino. Harvard, a melhor escola do mundo, não exibe tão vantajosa relação aluno/professor; nem a medicina da USP, com o complexo do Hospital das Clínicas, oferece possibilidades de prática docente-assistencial em tal proporção. Seria o caso, portanto, de gestão acadêmica incompetente.

Entretanto, há evidências de que essa reprovação no Enade se deve, em grande parte, a boicote. Vários órgãos de imprensa publicaram depoimentos de formandos que, protegidos pelo anonimato, reconheceram-se apressados em viajar para submeter-se a exames de seleção para residência médica ou concursos públicos.

Recuperamos a lista dos sorteados para o exame. São 86 graduados. Todos obtiveram excelentes resultados nos processos seletivos a que se submeteram. Não lhes faltam talento e capacidade: o coeficiente de rendimento médio do grupo é 85%.

A atitude deles revela egoísmo, descompromisso e deslealdade para com a instituição que os acolheu. Antes das cotas, por causa da perversidade do vestibular, o curso de medicina da UFBA era quase monopólio da elite. É inaceitável que um jovem oriundo de classes privilegiadas, ao receber formação profissional em carreira de alta valorização social e financeira -sem pagar um centavo, numa instituição pública mantida com o dinheiro dos contribuintes-, seja incapaz de retribuir, de modo decente, para uma justa avaliação institucional.

Além disso, o diretório acadêmico admite ter fomentado boicote à prova, atendendo a uma diretiva da sua entidade nacional. Essa possibilidade me revolta profundamente não só como gestor público, mas sobretudo enquanto cidadão que tem uma história de luta política, no movimento estudantil e nos movimentos da renovação médica e da reforma sanitária.

Todos nós que arriscamos as carreiras (alguns, a vida) atuando clandestinamente para reativar diretórios estudantis declarados proscritos pelo regime militar -e todos aqueles que, geração após geração, mantiveram acesa a chama do movimento estudantil na universidade- nunca imaginamos ver tal situação: agremiações estudantis aparelhadas para boicotar processos avaliativos públicos, contribuindo para depreciar o legado político da universidade brasileira.

Sinto-me frustrado como educador. Sei que não há inocentes. Os sabotadores são pessoas adultas e devem saber os danos que causaram a si próprios e à instituição. Mas não acredito ser justo identificá-los como os únicos culpados. Também culpados são gestores e docentes, cúmplices de sabotagem da avaliação da universidade pública, que permitem que nossos cursos formem sujeitos que, mesmo tecnicamente competentes, mostram-se individualistas, alienados, arrogantes, capazes do mais vil desapreço para com sua instituição formadora.

Esse episódio atinge todos os estudantes e profissionais formados em escolas médicas públicas. Há uma mácula, indelével, para os que se graduarem em escolas reprovadas em avaliação oficial do MEC. E o que dizer da decepção para muitas gerações que se formaram nessas escolas?

Orgulho-me do meu curso de medicina, ainda no belo prédio do Terreiro de Jesus. Servi 15 anos de minha carreira na Faculdade de Medicina como professor de epidemiologia. Os professores atuais foram, em maioria, colegas e, muitos deles, alunos.

Esses são os motivos que me levam a expor, neste comentário, sentimentos de indignação, repúdio, frustração e vergonha, para além de minhas atribuições como reitor de uma universidade pública de tão rica história e tradição como a UFBA.”

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Naomar de Almeida Filho, 55, doutor em epidemiologia, pesquisador do CNPq, professor titular do Instituto de Saúde Coletiva da UFBA (Universidade Federal da Bahia), é reitor dessa universidade.

O Professor Naomar foi meu colega nos Maristas no final da década de 1960 e, tempos depois, meu paciente. É psiquiatra, um homem inteligente, preparado e digno.
Certamente sabe como poucos que o ocorrido possui uma alta complexidade. Daqui presto minha solidariedade a ele. Mas há uma questão que não foi comentada.

O médico Antônio Natalino Dantas, como coordenador de uma Faculdade de Medicina, e autor dessa pérola da antropologia brasileira, deveria saber que a posição que ele ocupava exige um currículo, digamos, um pouco diferenciado. No entanto, não é isso que se observa. Com Especialização, Mestrado e Doutorado pela Universidade de São Paulo (USP), entre 1975 e 2008 ele publicou somente dez artigos (nenhum internacional), sendo que o último foi em 2002. Isso mesmo, 2002. Uma análise do seu currículo torna difícil a compreensão de como conseguiu ser Livre-docente em 2004 pela Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia. Não constitui uma exceção, pelo contrário, existem vários casos desse tipo nas diversas profissões Brasil afora, o que, pelo menos em parte, explica a qualidade do ensino atual em muitas faculdades.

Contudo, esse não é o aspecto mais impressionante. Há algo maior, o preconceito. Não se engane, há muitos Natalinos por aí, convivendo com você, conversando com você. Eles são brancos, morenos, mulatos, negros, mas se julgam arianos, agem como arianos, pensam como arianos. Não tente ser um igual. Recolha-se, você não é. Você é baiano.

Existem os Natalinos baianos, como o médico em questão, e aqueles espalhados pelo Brasil. Alguns vêm morar na Bahia. Aqui chegam, como sempre são bem acolhidos, se estabelecem nas diversas profissões, constituem família, têm filhos baianos (que azar), mas continuam natalinos, arianos. Demonstram uma sensibilidade extraordinária ao não conseguirem conter a sua nataliniedade/arianismo. Neles se podem observar com relativa facilidade as manifestações de desprezo pelo povo da terra que os acolheu.

Helena Buarque de Hollanda, filha de Chico Buarque e Marieta Severo e casada com Carlinhos Brown (imaginem, casar com um baiano preto), não tem filhos brancos. Mesmo morando em Salvador, Carlinhos Brown e Helena também tinham uma casa em um condomínio na Gávea, no Rio de Janeiro, e Chico já teve oportunidade de se queixar de que lá os netos sofriam discriminação. Isso o irritava e pensou em falar com o síndico, mas não foi, pois reconheceu que de nada adiantaria. Mesmo os netos de Chico Buarque, que dispensa comentários, no Rio de janeiro, cidade que, como Salvador, deve muito do que é aos negros, sofrem com o preconceito. É algo muito forte, foge do controle.

Tinham Hitler como referencial maior, agora têm também o médico Antônio Natalino Dantas. Por serem muito pobres de espírito não percebem que são muito pobres de espírito.

Quer saber de uma coisa? Deixe eu ir tocar o meu berimbau.