Notoriedade

– Sentou na cadeira dele, ele fala mal de todo mundo.

Há poucos meses um colega disse isso referindo-se a um outro colega. Tudo a ver com uma coisa muito na moda (a falta dela), chamada Ética.

Sempre foi assim. O mundo é assim… Mas, parece que os profissionais “mais antigos” estão estranhando; dizem que o processo está forte demais. Em outras palavras, dizem que atualmente a falta de ética é de assustar qualquer um. Será que é assim, e se for, por que será?

É pouco provável que haja somente uma resposta. Geralmente, essas mudanças de comportamento da sociedade não encontram resposta em um único aspecto. Não tenho competência para fazer uma análise de algo tão complexo, mas, certamente ela passa por um aspecto cada vez mais visível; a busca pela notoriedade.

O advogado do diabo. Viram esse filme? Quem não viu corra e pegue em uma locadora. Al Pacino, para variar, soberano. Há um trecho em que a sua personagem diz; “o pecado de que mais gosto é a vaidade”.

Há, neste momento, e isso parece que fugiu do controle, manifestações de busca de notoriedade que deixaram de lado qualquer preocupação ou compromisso com a Ética. Alguns profissionais estão se notabilizando; para ocupar um espaço, falam de tudo e de todos.
 
Não há limites. Falar mal de alguém, dizer que professor fulano é um retrógrado, que o outro é mentiroso, que ele corrigiu tratamentos endodônticos que colegas fizeram (dizendo o nome de quem fez), tudo isso em público, diante de colegas e/ou de alguns alunos incautos. Demonstração de tudo, inclusive de insensatez; é incrível como não conseguem perceber que alguns dos seus casos clínicos “caem” nas mãos de outros colegas e por eles são corrigidos, mas não comentados.

A Ética, essa que aprendemos nos manuais dos conselhos que regem as profissões, é infringida com freqüência e naturalidade assustadoras. Não vejo solução para isso. Os profissionais são homens e é aí que está o problema; no homem. Perderam-se os valores, os princípios, que hoje constituem uma conversa chata para muitos. A busca da notoriedade regula os seus atos. Por ela, qualquer coisa, a qualquer preço.

Os mais experientes identificam com relativa facilidade os que agem assim. O grande perigo está nos jovens, aqueles que estão chegando e os recém-chegados ao mundo profissional, cada vez mais selvagem. Há de se ter um cuidado muito grande com estes, pois, sem o discernimento que só o tempo dará, deixam-se levar pela aparência e conversa desses profissionais, chegando até a admirá-los.

Nesses casos, os órgãos competentes nada ou pouco podem fazer. Esses profissionais seguirão a sua trajetória agindo dessa forma e é muito difícil dete-los. Eles vão continuar exercendo o alpinismo profissional. É na ética dos que têm que se escondem os que não têm.

Cartola

Bate outra vez com esperanças o meu coração
Pois, já vai terminando o verão, por fim
Volto ao jardim, com a certeza que devo chorar
Pois bem sei que não queres voltar para mim
Queixo-me às rosas, mas que bobagem
As rosas não falam
Simplesmente, as rosas exalam o perfume que roubam de ti
Ah! Devias vir para ver os meus olhos tristonhos
E, quem sabe, sonhavas os meus sonhos por mim

O que nos vem à cabeça ao ver essa letra (muito melhor seria ouvir a música)? Alguém cantando a dor pela perda da mulher amada. Não é.

É praticamente certo que muitos não sabem quem é Cartola. Eu poderia dizer quem foi Cartola, mas determinados homens, mesmo depois da morte, não foram, são; Cartola é um deles. Determinados homens, e eles estão em todos os segmentos da sociedade, continuam vivos na sua obra.

Mas, o que então chora Cartola na sua música? A dor pela perda da juventude; é por ela, a juventude, que ele chora.

Lembram de Washington Pessoa, aquele grande amigo de João Pessoa? Ele me contou. Na mesma época do mestrado na USP, de onde veio também a históra do monólogo de Paulo Autran (leia O ator).

Washington contou que em um dos momentos de descontração durante o seu show, conversando com os alunos o próprio Cartola disse isso. Passara a vida toda com dificuldades financeiras e, reconhecido tardiamente o seu valor, agora começava a ter mais direito à coisas até então impensáveis. Já tinha comprado uma casinha… Segundo ele, porém, em um momento que a idade já não permitia o gozo pleno. Agora, volte, leia, sinta a música de Cartola e veja se, de fato, a juventude, ou a perda dela, está lá.

Está, não está? Está sim. Veja do que são capazes os poetas. Como conseguem transformar a dor, seja qual for e do tamanho que for, em algo de tamanha beleza

O ator

Entre as muitas histórias que ouvi de Washington Pessoa, um professor de Radiologia da Faculdade de Odontologia da UFPB e um grande amigo (não está mais entre nós e, quem sabe um dia fale um pouco dele), a pelo menos duas vou me reportar, uma delas agora.

Durante o seu mestrado, há alguns anos, em um evento na FOUSP houve uma apresentação, um monólogo, de Paulo Autran. Durante cerca de 1 hora e meia, como sempre faz Paulo Autran deu um show.

Após a apresentação, ele se sentou à mesa do Prof. Arão Rumel, seu amigo e respeitadíssimo professor de Radiologia da FOUSP, de quem recebeu muitos elogios pelo seu talento, chamando a atenção para um detalhe; a capacidade do ator de gravar e reproduzir um texto tão extenso.

Washington, que já se sentia o mais importante dos homens por estar à mesa do Prof. Rumel, agora não cabia em si; Paulo Autran estava ali, pertinho dele. E foi por estar tão perto que ele pode ouvir a resposta dele; Arão, vocês professores fazem a mesma coisa, dão longas aulas de um determinado tema, ou de assuntos diversos, e então arrematou; a sala de aula é o seu palco.

É sim. A sala de aula é o palco do professor. Ali, ele fala, emociona-se, envolve-se, representa. O artista é um profissional da arte, de alguma arte; o ator é o profissional da arte de representar. O professor, da arte de ensinar.

Já ouviram falar de dom? Certamente. O ator precisa ter dom para ser um bom ator. Outra semelhança? O professor tem que ter dom para ser um bom professor. Paulo Autran estava certo. Os dois, ator e professor, são muito parecidos.

Representar não é só profissão, é arte. Conhecem algum grande ator que não tenha declarado o seu amor pela arte de representar? Em outras palavras, conhecem algum grande ator que não ame a sua profissão? É sentimento, na mais profunda acepção da palavra.

Aí está um dos grandes segredos dessa profissão, quem sabe o mais importante; ama-se muito o que se faz. A sabedoria popular diz que quando se gosta do que se faz, faz-se melhor. É evidente que o ator consagrado ganha e muito bem, mas não é assim com todos. Mas, independente disso, há no artista “algo mais” que o dinheiro. Que bom viver sem sobressaltos financeiros, melhor ainda com uma boa folga financeira; quem renunciaria a isso? Porém, para o artista, o poeta, o pintor, o autor, muito mais importante é a sua arte.

Tão parecidos nas suas artes, ator e professor, tavez esteja faltando a este mais amor pela arte de ensinar.

Não, não é verdade. Tal qual o verdadeiro artista, não falta ao verdadeiro professor o amor pelo que faz. Se falta, não é um bom professor.

A vida é bela

Belo filme. Lembram? Nos dias atuais é difícil alguém sair do cinema pensando. Tudo gira em torno dos efeitos especiais, violência e sexo, não necessariamente nessa ordem. Apesar da  tecnologia sofisticadíssima, por trás desses ingredientes o que existe, na verdade é uma pobre história, um pobre enredo.

O cinema não tem culpa. Como parece acontecer com tudo mais, há uma tendência alienante nas coisas que se faz nos dias de hoje. É claro que todos nós sabemos que tudo é muito complexo, nada é tão simples. É claro que sabemos, por exemplo, que o cinema também é usado para “distrair” as pessoas (alienar pode soar muito forte). Nesse sentido, o seu parente mais próximo, a televisão, parece inigualável. Apesar de raras e honrosas exceções, a programação da televisão consegue “distrair” como nenhum outro meio de “ëntretenimento”, a tal ponto que, mesmo quando há um momento em que se pode utilizá-la para alguma coisa, não captamos.

Lembro-me de uma determinada novela de uma das nossas redes de televisão (é assim que os jornalistas fazem quando querem ser bem sutis). A novela era Que Rei sou eu? Da Rede Globo, assim é melhor. Ela satirizava de maneira interessante a cobrança de pedágio feita pelo governo à época, através da obrigatoriedade da fixação de um selo na testa do burro, que representava o carro no período retratado pela novela, o que permitia o livre trânsito do “veículo”. Pelos índices de audiência que a Rede Globo sempre atinge, é natural esperar-se que todo o país tenha visto e se deliciado com isso. Apesar de, nesse caso, tão evidente, quantos, além de rir, souberam ou quiseram correlacionar esse e outros aspectos da novela com a vida real?

Também não é culpa das pessoas. Esses meios poderosos de comunicação e até mesmo as instituições educacionais, há muito tempo deixaram de formar cidadãos. Informam, não formam. Todos vamos ao teatro, ao cinema, aplaudimos, rimos, choramos e depois vamos a um jantar, deixando para trás qualquer relação que aquilo que nos fez aplaudir, rir, chorar, possa ter com as nossas vidas. É só diversão, lazer, entretenimento. Perdemos o senso crítico. Não aquele de julgar o desempenho do ator e da atriz, mas, o que nos leva a fazer projeções, inferências, tentando trazer aquela obra para a vida, ou vice-versa, ou, o que é ainda melhor, as duas coisas, fazer da arte e da vida uma única coisa, afinal, é isso que muitas vezes os autores querem.

Central do Brasil. Belo filme. Fantásticas as atuações dos atores. Fernanda Montenegro então, nem se fala. Ambos, filme e Fernanda, à época sérios candidatos ao Oscar de melhor filme e atriz. Também ali, surgia um grande ator; Matheus Natchergale, excelente.

Todos torcemos para o sucesso do filme. Um grande espetáculo que as redes de televisão se encarregam de esgotar. Justo, justíssimo, diria alguém, não sei quem. Todos ganhamos, o cinema nacional, tão necessitado, os atores, os produtores, diretores, o país, sem dúvida. Mas, além da qualidade incontestável do filme, conseguimos ver o que ele mostrava? Conseguimos ver as dificuldades que determinados segmentos da sociedade enfrentam, como por exemplo, o analfabetismo? Como isso doeu. Como corrigir?

A vida é bela. Viram? Então, com toda certeza, riram e choraram. Mais uma vez, a arte tenta mostrar como, às vezes, fazem a vida. Quem poderia, nas nossas vidas, gerar atos de tamanha violência, mesmo que disfarçada. Quem, pelo poder, poderia esquecer os mais elementares direitos à vida, através da arrogância e da prepotência. Mas, sobretudo, quem, como a personagem do filme, tem procurado dar vida à vida?

Mesmo assim, a vida é bela.